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O conflito no Congresso

O conflito no Congresso

A presidente Dilma Rousseff tenta superar as dificuldades com o Congresso, mas a postura do PT que minimiza a gravidade da crise econômica e ironiza protestos só atrapalha o governo. Para reconstituir uma base que se esfarela, ela depende cada vez mais do vice, Michel Temer

LEANDRO LOYOLA
14/08/2015 - 19h45 - Atualizado 14/08/2015 19h45

>> Reportagem publicada na edição 896 de ÉPOCA

O vice-presidente, Michel Temer, já estava perto da base aérea de Brasília, pronto para embarcar para São Paulo, quando recebeu uma chamada do ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha. Temer queria conversar com a presidente Dilma Rousseff, mas não encontrara uma brecha. Naquele momento, Padilha, seu principal auxiliar na articulação política, avisava que Dilma podia falar. Temer mandou o motorista fazer meia-volta, em direção ao Palácio do Planalto. Lá, ao lado de Padilha e do ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, Temer explicou a Dilma que seu discurso – quase um desabafo, na verdade –, feito na véspera, continha apenas um veemente apelo pela governabilidade, que não tivera nenhuma intenção de passar a imagem de ser uma opção ao cargo em caso de Dilma deixar o poder. Deu a Dilma a opção de retirá-lo da articulação política. Dilma ouviu e minimizou o episódio.
 

A presente Dilma Rousseff  (Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo)

Uma saída de Temer do cargo seria um terremoto – mais um, e mais grave que os da semana passada. Há dúvidas se o governo teria forças para resistir. Temer é, hoje, essencial ao governo. Sua postura causou  espanto pelo tom do apelo, dramático, por uma trégua no Congresso. “Não vamos ignorar que a situação é razoavelmente grave, não tenho dúvida de que é grave, e é grave porque há uma crise política se ensaiando, há uma crise econômica que está precisando ser ajustada, mas, para tanto, é preciso contar com o Congresso”, disse. “É preciso que alguém possa, tenha capacidade de reunificar a todos, de unir a todos.” Esse “alguém” suscitou as interpretações que fizeram Temer se explicar a Dilma. O sempre frio Temer tinha um tom de voz emocionado. “O Michel estava no limite dele”, diz um líder partidário. Independente de intenções ou de interpretações, os acontecimentos da semana passada levaram a um novo patamar na crise. Queira ou não queira, Temer passou a ser visto como a liderança política em ação, enquanto Dilma ficou em segundo plano. Provas disso foram dadas pelas reações às palavras. Políticos entenderam que Temer é a pessoa que pode vir a público falar, enquanto Dilma não tem força para tais atitudes. Lideranças empresariais manifestaram apoio, num claro sinal de que buscam um porto seguro para desacelerar a crise política.

Dilma precisa reagir, e está fraca. Na semana passada, a pesquisa Datafolha mostrou que Dilma é a presidente mais impopular desde a redemocratização: apenas 8% dos entrevistados consideram sua administração boa ou ótima, enquanto um recorde de 71% consideram ruim ou péssima. A avaliação popular não é a causa, mas é usada como justificativa para decisões desfavoráveis ao governo no Congresso. Parlamentares dificilmente abandonam um governo popular. Na semana passada, o PDT e o PTB se declararam independentes do governo. Somados, os dois partidos têm 44 deputados que agora estão na confortável situação de estarem livres para bater em um governo impopular. Dilma também não teve a ajuda do programa de televisão do PT, veiculado na semana passada. Em uma estratégia equivocada, o programa cometeu os erros de minimizar a crise econômica e ironizar os panelaços, manifestações contrárias aos últimos pronunciamentos de Dilma. É a expressão exata da arrogância que está no DNA das administrações petistas. Soou como uma provocação, um risco para quem está fragilizado, a poucos dias das manifestações marcadas para o dia 16.

O pronunciamento de Temer demonstrou a incapacidade do governo de evitar ataques predatórios do Congresso, ainda que estes representem um grave perigo às finanças públicas. Logo no primeiro dia de trabalho, Temer havia recebido líderes de partidos da (teórica) base de apoio do governo para uma conversa no Palácio do Jaburu. A conversa era parte da estratégia de tentar evitar a aprovação de projetos danosos para as contas públicas, em meio a um clima cada vez mais hostil em relação ao Palácio do Planalto. Ficou combinado que, no dia seguinte, os partidos aliados do governo na Câmara adiariam a votação da proposta que igualava o salário de advogados da União a 90,25% do salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal, um gasto extra capaz de sangrar o Tesouro em cerca de R$ 2,4 bilhões por ano.

Os líderes deixaram o Jaburu e foram jantar no Palácio da Alvorada, a convite de Dilma. Tudo em um clima ameno. Entretanto, parte dos parlamentares saiu do Alvorada para um terceiro encontro, desta vez na residência oficial do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), onde também estava parte da oposição. Em seu primeiro encontro com os colegas após ser acusado por um dos delatores presos na Operação Lava Jato de receber propina de US$ 5 milhões, Cunha queria organizar os trabalhos para o segundo semestre. E, quando Cunha trabalha, o governo sofre. No dia seguinte, no plenário, os partidos não cumpriram nada do que haviam combinado com Michel Temer. Decidiram não adiar a votação da medida danosa e, na quarta-feira, aprovaram o aumento salarial aos servidores. Por mais de 400 votos favoráveis, criaram mais uma nova despesa. Até mesmo parte do PT votou contra o governo. 

Além da pancada financeira, sob a condução acelerada de Eduardo Cunha, a Câmara também aprovou, na semana passada, parte das contas dos governos Itamar, Fernando Henrique e Lula, que estavam mofando em seus arquivos. Assim, a Câmara começou a abrir o caminho para julgar imediatamente as contas do governo Dilma, assim que forem examinadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), no final do mês. No TCU as perspectivas não são boas para Dilma. É concreto o risco de uma inédita rejeição das contas, graças às irregulares “pedaladas” criadas pelo governo para disfarçar um aumento do gasto público e às estripulias contábeis para esconder a gastança irresponsável. Se as contas forem rejeitadas no TCU, é possível que a Câmara faça o mesmo –  dando uma razão para a abertura de um processo de impeachment contra a presidente.

A ameaça do TCU e o comportamento fora do comum de Temer assustaram os tucanos. Líderes do partido, como os senadores Aécio Neves, José Serra, Tasso Jereissati, Aloysio Nunes e Cássio Cunha Lima, tiveram uma longa conversa com o presidente do Senado, Renan Calheiros, sobre a chance de Dilma sofrer um processo de impeachment. Os tucanos disseram a Renan que preferem não pensar nisso e esperar pelas manifestações do dia 16. Logo depois,  líderes tucanos mais ligados ao senador Aécio Neves deixaram um pouco de lado as pancadas em Dilma para defender a realização de novas eleições, em vez de advogar pelo impeachment. “Em resposta ao chamamento do vice-presidente Temer de que é preciso se encontrar alguém que possa unir o país, estamos dizendo da nossa convicção de que só se encontrará essa pessoa através de uma eleição direta, com a legitimidade do voto popular”, disse o líder tucano no Senado, Cássio Cunha Lima.
 

Michel Temer e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha  (Foto: André Dusek/Estadão Conteúdo)

O cálculo político do PSDB de Aécio é que um impeachment após o parecer do TCU deixaria o poder nas mãos de Michel Temer. Por isso, Aécio e sua turma preferem outra alternativa: a cassação, no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, da chapa Dilma-Temer por irregularidades na eleição presidencial do ano passado. Não se trata de um processo de impeachment, feito pelo Congresso Nacional, pelo qual apenas o presidente perde seu cargo e o vice assume. O TSE pode cassar a chapa Dilma-Temer se, após um julgamento, os ministros considerarem que houve irregularidades na prestação de contas da campanha. Nesse caso, ambos perderiam o cargo e seriam convocadas novas eleições. O trabalho do TSE ainda está no início – e a convocação de novas eleições é uma hipótese pouco provável. Como é um caminho que só ajuda a Aécio, um óbvio favorito, em caso de novo pleito, não agrega aliados.    

Dilma só apareceu em meio à crise quando recebeu líderes e presidentes de partidos aliados para o churrasco no Alvorada. O clima era relaxado, sem as limitações de cerimonial. As mesas não tinham lugares marcados, então os políticos podiam se misturar e conversar à vontade.  Eles tiveram de ouvir apenas um curto discurso de Dilma. O conteúdo, no entanto, não era dos melhores. “Já falaram que eu sou autista, que eu não estou percebendo as coisas, que eu baixei no hospital”, disse Dilma. “Quero deixar bem claro: eu não me deprimo. Eu suporto a pressão.” Dilma insistiu na imagem da “travessia” para um tempo melhor. “O Brasil não está na crise que estão dizendo”, disse.

Apesar do visível esvaziamento de sua autoridade, Dilma ainda tem algumas alternativas para tentar ganhar algum fôlego e superar a fase mais aguda da crise. Sobre sua mesa está a possibilidade de uma reforma ministerial. A principal mudança reivindicada por seus aliados é a saída da Casa Civil do petista Aloizio Mercadante, um antagonista do PMDB, considerado responsável por travar as nomeações de aliados para cargos no governo, grande parte deles ainda nas mãos do PT. Dilma também pode reduzir o número de ministérios. Embora não vá representar um grande corte nos gastos públicos, a medida é simbólica e racional do ponto de vista administrativo. Dilma também tem a chance de destravar as nomeações dos cerca de 200 cargos colocados à disposição dos aliados.

Ainda assim, a travessia que Dilma passou a citar em seus discursos será penosa. Os partidos que deveriam apoiar Dilma se uniram à oposição para isolar o PT e vão ocupar cargos em duas CPIs importantes e barulhentas, que começarão a trabalhar nos próximos dias. Sem integrantes entre os cargos que conduzem os trabalhos, o PT deverá ser um mero espectador de comissões que podem causar severos danos ao governo. O PR vai presidir a CPI criada para investigar os empréstimos concedidos pelo BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, nos últimos 12 anos. Entre as beneficiárias estão empresas que se tornaram grandes doadoras do PT e, principalmente, as empreiteiras envolvidas na Lava Jato, que também fizeram obras no exterior. Outra comissão, que vai investigar as numerosas irregularidades em fundos de pensão – grande parte deles comandada por petistas –, será conduzida pelo DEM, provavelmente o mais agressivo opositor de Dilma. A palavra travessia usada diversas vezes por Dilma como eufemismo para uma crise muito mais séria pode lembrar muitas coisas, inclusive uma bela melodia, mas a travessia de Dilma só se assemelha à canção porque tem tudo para ser um caminho de pedras. 








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