RIO — Kleber Mendonça Filho disse nesta quarta-feira que considera injusta a classificação indicativa de 18 anos a "Aquarius", determinada pelo Ministério da Justiça,
conforme revelou a coluna de Ancelmo Gois na terça-feira
. Mas diz não ter elementos para afirmar que se trata de censura vinda do governo, como foi especulado nas redes sociais.
Em maio, o cineasta pernambucano, junto com a equipe e o elenco do filme (incluindo a protagonista Sonia Braga), protestou no Festival de Cannes contra o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. Na época, os artistas levantaram cartazes denunciando o que consideram um "golpe" no país.
O filme, que entra em cartaz no dia 1º de setembro, ganhou classificação indicativa de 18 anos por conter “situação sexual complexa”, segundo o relatório do Ministério da Justiça. Kleber, que está em Niterói para a pré-estreia do longa, defende-se:
— O relatório me pareceu muito bem feito. O problema é que é técnico demais, como se tivesse sido feito por uma máquina, e não um ser humano. Outra coisa: eu não seria doido de fazer um drama humano em que as cenas de sexo são desnecessárias. Eu sei onde está a linha que não pode ser ultrapassada.
Desde que a censura foi extinta pela Constituição de 1988, o Brasil passou a contar com um sistema de classificação indicativa, que informa a qual faixa etária um produto cultural (filmes, programas de TV, jogos, etc.) é indicado. A única classificação restritiva é a de 18 anos: mesmo com aprovação dos pais, menores não são permitidos.
Quem determina a classificação?
Para que um produto cultural possa ser veiculado ou comercializado, ele antes precisa receber a classificação indicativa da Secretaria Nacional de Justiça. Os próprios produtores costumam enviar uma autoavaliação baseada no
guia
publicado pelo ministério da Justiça, mas isso não é necessário. É possível recorrer da decisão da secretaria.
Classificação Livre
Para que um produto cultural não possua qualquer restrição etária, ele deve possuir conteúdo "predominantemente positivo". Os critérios que podem elevar a classificação estão relacionados a cenas de sexo e nudez, violência e uso de drogas.
Não recomendado para menores de 10 anos
Cenas de sexo e nudez só são permitidas se tiverem um contexto "educativo ou informativo". O consumo de drogas não pode ser explícito e, mesmo assim, apenas as lícitas, como o álcool. Crimes podem ser mostrados, desde que não haja violência, como em roubos ou atos de corrupção.
Não recomendado para menores de 12 anos
Filmes com recomendação para maiores de 12 anos podem mostrar sangue, mortes naturais ou acidentais e atos violentos. A nudez é permitida, desde que velada, e o apelo sexual também é liberado. Drogas lícitas podem ser consumidas, mas as ilícitas só podem aparecer em conversas.
Se um personagem está alucinando devido ao consumo de uma droga ilícita, então a classificação já passa a ser 14 anos. Erotização e vulgaridade também são permitidos, mas não pode haver conteúdo explícito. Também pode haver cenas de assassinato e de preconceito e estigmatização de grupos vulneráveis, como indígenas.
Não recomendado para menores de 16 anos
Os limites começam a ficar bem mais amplos, com a permissão de cenas de estupro, tortura e banalização da violência. O consumo e produção de drogas ilícitas também são permitidos, bem como cenas não explícitas de sexo. Filmes com essa classificação podem ser vistos por mais jovens, desde que acompanhados pelo responsável.
Não recomendado para menores de 18 anos
A última classificação indicativa é também a única que tira dos pais o poder de permitir que seus filhos tenham acesso supervisionado ao produto cultural. Cenas de glamourização da violência, sexo explícito (sem necessariamente serem pornográficas) e apologia às drogas fazem que a restrição ao acesso seja imposta.
Há três cenas de sexo em "Aquarius". Uma delas retrata uma orgia, em que é possível ver um pênis ereto, mas sem penetração explícita.
— Não é um filme com elementos de pornografia, com representação gráfica de penetração — diz Kleber.
Ele cita filmes brasileiros recentes que receberam classificação indicativa mais leve, apesar de apresentarem conteúdo sexual "franco". Entre eles, "Tatuagem" (2013), de Hilton Lacerda, que recebeu a classificação de 16 anos; "Praia de Futuro" (2014), de Karim Aïnouz (14 anos); e "Boi neon" (2015), de Gabriel Mascaro (16 anos).
— Ao todo, há 13 ou 14 segundos de elementos que poderiam ser considerados sexuais em "Aquarius". Não é justo — conclui Kleber. — Não tenho informações que levem a crer que exista censura, mas, no atual clima político do país, qualquer pessoa poderia pensar nisso. Não culpo ninguém.
Na cena mais "forte", o personagem de Juliano Cazarré transa com a de Samya de Lavor, que, durante as filmagens, estava grávida. O ator precisou ter uma ereção de verdade. A cena, praticamente em tempo real, tem cerca de sete minutos. O filme ganhou classificação de 16 anos.
'Praia do futuro' (2014), de Karim Aïnouz
No longa de Karim Aïnouz, os atores Wagner Moura e Clemens Schick vivem um romance, com direito a uma cena de penetração, mas não explícita. Classificação de 14 anos.
'Tatuagem' (2013), de Hilton Lacerda
Numa cena delicada, os personagens de Jesuíta Barbosa e Irandhir Santos praticam sexo oral e anal. Classificação de 16 anos.
'Para minha amada morta'
No filme, a atriz Michelle Pucci, que interpreta a "amada morta", ficou nua durante a cena de sexo. Ela mesma segurou a câmera durante as filmagens.
'Bruna surfistinha' (2011), de Marcus Baldini
Estrelado por Deborah Secco, o filme narra a história real da jovem que deixa a família para virar prostituta. Classificação de 16 anos por causa de "consumo de drogas pesadas, prostituição e relação sexual não explícita", segundo o Ministério da Justiça.