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Carlos Andreazza Carlos Andreazza Carlos Andreazza
O editor e colunista Carlos Andreazza Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

O cara da vara

Tentar politizar tudo é profissão de muita gente influente. Thiago Braz, porém, é enredo impossível para essa galera: branco, heterossexual, casado, militar e cristão

Primeiro campeão olímpico brasileiro no salto com vara, Thiago Braz não desabafou, não chorou. Também nisso reside um ineditismo. Aos 22 anos, é um vencedor cuja vida não empresta à exploração política — um ganhador brasileiro que não é mais sofrido que os outros, que não chegou ao lugar mais alto do pódio apesar das barreiras impostas pela sociedade, mas por consequência de seus méritos individuais, do treinamento, da concentração.

Thiago não dá textão. É, também por isso, o que o Brasil tem de melhor — e representa aquilo que mais poderosamente pode decorrer do esporte: exemplo.

O momento decisivo em que desafiou o adversário francês — esgrimindo, com frieza, estratégia precisa — e fez elevar o sarrafo a 6,03m, para então superá-lo, está entre os maiores da história do esporte nacional e dá materialidade a valores que precisam ser cultivados, e não só entre os jovens.

A combinação bem-sucedida entre equilíbrio e coragem demonstra que ainda é possível não ser adolescente.

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Perde-se mais do que se ganha. Se é assim para os atletas dos EUA, será assim também para os brasileiros.

Fato incontornável é que você, leitor, tem a mesma responsabilidade sobre a vitória de Rafaela Silva quanto sobre a derrota de Joanna Maranhão.

Ou seja: nenhuma.

Méritos e deméritos individuais são — ainda — da ordem da individualidade. E o normal é mesmo perder. No entanto, alguma chance de crescimento, mais moral que esportivo, estará em reconhecer as próprias limitações — o clichê mais repetido e menos experimentado entre nós.

No Brasil, país incapaz de exame interior, perder cada vez mais é culpa do outro, da elite, do Temer. No Brasil, ganhar é apesar de. Não se vai muito longe dessa forma. O chororô, porém, é livre. Assim como livre sou para escrever que Olimpíada não é assembleia do PSOL.

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A turma estrilou, amuadíssima, contra os atletas militares que prestaram continência à bandeira do Brasil. É expressão de um velho ranço.

Esse pessoal não entendeu que o tempo passa e, muito menos, que há uma garotada hoje, nascida a partir de 1990, que nada deve tanto aos ditadores de 1964 quanto aos que lutaram contra eles, não pela democracia, mas por ditadura de outra natureza — a que, aliás, mais matou no mundo.

Escrevi que a turma não entendeu a passagem do tempo. Não fui exato. Não é questão apenas de compreensão, mas do que lhes resta para sobreviver. O que lhes sobrará, como estandarte, sem o mimimi do golpe permanente, sem a propaganda de que nova ditadura nos espreita? Engessados nessa saudade lucrativa, falam cada vez para menos — e certamente não para os jovens de 2016, que não alcançam, que não conhecem, que lhes são o avesso. Uma juventude independente, comprometida com as liberdades individuais, que despreza qualquer doutrina partidária e não aceita que lhe digam como pensar e se comportar.

Uma juventude que ensina: que as Forças Armadas não são a ditadura militar; e que os atletas que bateram continência à bandeira nacional não o fizeram em apoio ao AI-5, em defesa da tortura ou em reverência — sei lá — a Jair Bolsonaro, mas como gesto de gratidão à instituição que os acolheu e de respeito, de amor, ao símbolo da pátria.

Um jovem prestar continência à bandeira do Brasil é lindo. Feio é marmanjo fazer discurso nacionalista e se calar ante o assalto à Petrobras.

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Thiago Braz não parece ter rancores, ou não os terá exposto — e, embora a vida lhe tenha sido dura, dá pouca margem a que sua história se torne campo para o esporte de excelência nacional: o vitimismo.

É uma exceção. Porque, entre as várias marcas desta Olimpíada, uma incontornável é a de que a militância política sequestrou, ocupou mesmo, o espírito esportivo — e de tal modo que, de repente, já não se podia simplesmente torcer ou vencer. De súbito, já não bastava a medalha de ouro olímpica. Era preciso agregar-lhe os adereços narrativos com os quais os grupos de pressão de sempre exercem poder e faturam.

A politização de todos os aspectos da existência é a profissão verdadeira de muita gente influente. Thiago Braz, entretanto, é enredo impossível, desesperador, para essa galera: branco, heterossexual, casado, militar e cristão — e do tipo mais corajoso, aquele declarado, que fala o nome de Deus.

Oh!

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Há uma dimensão espiritual evidente na conquista de Thiago — algo que não dá muita audiência hoje, mas que é elevado, belo. Ele não apenas fala o nome de Deus, mas atribui à fé, ao exercício da fé, o alcance do equilíbrio, do controle emocional, por meio do qual compete. Diz — sem vergonha — que esse apaziguamento foi-lhe divisor de águas como atleta.

Thiago não joga conversa fora. Quem o viu na reta final da disputa terá ao menos podido intuir a presença da fé, e que ela possui uma porção concreta, prática. Isso dá dinamismo, movimento, corpo, ao ato de crer. É algo revolucionário de verdade — e, pois, incômodo.

A Thiago, portanto, será mais fácil bater o recorde mundial do que enfrentar a patrulha – que, o leitor anote aí, já vem.

Carlos Andreazza é editor de livros

ca.andreazza@gmail.com

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