Equipe e elenco de 'Aquarius' falam sobre o filme após exibição em Gramado (Foto: Edison Vara/Pressphoto)No dia seguinte à exibição de “Aquarius” em Gramado, filme escolhido para abrir o Festival de Cinema na noite de sexta-feira (26) como hors-concours (fora da mostra competitiva), o diretor Kleber Mendonça Filho falou sobre a repercussão e expectativa envolvendo o trabalho, que estreia em circuito comercial na próxima quinta (1º). A projeção do longa-metragem foi aplaudida pela plateia que lotou o cinema na serra gaúcha, e recepcionada com gritos de “fora Temer”.
Em entrevista coletiva na manhã deste sábado (27), o diretor revelou que não esperava tanta discussão em torno de “Aquarius”, mas que a situação trouxe "energia" para o filme, a poucos dias do lançamento nos cinemas.
"Claro que acho que todo cineasta, todo produtor, quer que o seu filme seja visto, e é uma grande batalha. Mas essa semana, inclusive, foi febril. Muita coisa acontecendo, a cada dia era uma novidade em torno desse filme. Mas filmes fazem parte da sociedade e interagem com a sociedade. E 'Aquarius' está com muita energia, está gerando muita coisa", afirmou ele.
"No início, achei que esse filme talvez não desse certo. Mas aí o filme vai se desenvolvendo e passa por fases que você não sabe o que vai acontecer mesmo. E ele ser selecionado para Cannes foi tipo: ‘Sério?’. É realmente incrível. E eu respeito muito o que está acontecendo com o filme. É uma coisa especial, eu acho", continuou.
Kleber Mendonça Filho fala sobre a expectativa pelaestreia de 'Aquarius' (Foto: Edison Vara/Pressphoto)
Ao lado do elenco, encabeçado por Sônia Braga, e equipe técnica, o cineasta pernambucano comentou ainda sobre os recentes acontecimentos envolvendo o filme. A mais recente foi a desistência de cineastas como Gabriel Mascaro e Anna Muylaert de inscrever seus filmes para tentar uma vaga no Oscar.
A atitude foi tomada, segundo eles, por não concordarem com as declarações de um dos escolhidos para integrar a comissão de seleção, que criticou o filme e o protesto promovido pela equipe do longa contra o impeachment de Dilma no Festival de Cannes, em maio deste ano. Para concorrer, os filmes precisam ser inscritos junto ao Ministério da Cultura até o dia 31 de agosto.
Na noite de sexta (26), ainda no tapete vermelho, Kleber definiu a atitude os colegas cineastas como um apoio da classe artística. "A classe que faz cultura no Brasil é muito unida e a ação deles me tocou muito. O governo interino talvez não tenha tanta intimidade com a cultura. Eu acho que toda essa movimentação é em torno de uma situação que não parece democrática. Toda a coisa da comissão do Oscar não é democrática. E a gente está questionando isso, apenas. Não é questão de Oscar, de Kikito, é questão de processo. Ele tem que ser correto e não me parece correto na maneira em que está", argumentou.
Sônia Braga é a protagonista de 'Aquarius'(Foto: Edison Vara/Pressphoto)
Mais cedo, o ministro da Cultura, Marcelo Calero, que esteve em Gramado para a cerimônia de abertura do Festival de Cinema, evitou dar sequência à polêmica, mas defendeu que a comissão é isenta.
"Hoje estou aqui para prestigiar um produto da riqueza, da diversidade, da excelência brasileira que é o 'Aquarius' e o Festival de Gramado. Polêmicas à parte, a gente confia muito na comissão que foi escolhida pelo Ministério da Cultura, a gente confia na isenção desse processo. A gente tem nomes de peso nessa comissão e os membros vão ter um trabalho muito difícil, graças a Deus a safra de filmes brasileiros foi muito boa. Qualquer que seja o filme o escolhido, o ministério estará engajado para que ele fique entre os cinco escolhidos para a cerimônia em Los Angeles", resumiu.
"Aquarius" também ganhou classificação indicativa de 18 anos para exibição no Brasil pelo Ministério da Justiça. A decisão é justificada pelo fato de o filme mostrar "sexo explícito" e "drogas", de acordo com a análise do Ministério. A distribuidora do filme chegou a pedir a revisão, mas o Ministério da Justiça indeferiu o pedido e manteve a decisão de que o filme não é recomendado para menores de 18 anos.
Roteiro e personagens
Com orçamento de aproximadamente R$ 3 milhões, “Aquarius” apresenta a história de Clara, uma jornalista aposentada interpretada por Sônia Braga. Ela mora sozinha, rodeada por uma numerosa coleção de vinis, em um edifício à beira-mar cujo nome é o título do filme. A construção é antiga e resiste ao redor de enormes e modernos prédios projetados por construtoras milionárias.
Uma empresa, na figura de Diego, papel de Humberto Carrão, a procura, interessada em comprar seu apartamento. Os demais imóveis já foram adquiridos, porque a intenção é construir um novo empreendimento, no projeto “Novo Aquarius”.
"Tem muita gente que não o vê como vilão. Isso deixa o personagem mais interessante e complexo", descreveu o ator.
Para Sônia, viver Clara foi especial. "Eu não só tinha lido o melhor roteiro de toda a minha vida, como eu estava lendo todas as palavras que eu queria ter dito. Foi muito emocionante receber esse roteiro", declarou a atriz de 66 anos. "Especialmente com 'Aquarius', a força da Clara, de resistência, de reconhecimento dos direitos. Isso tudo é importante ver na tela. Tem o prazer de estar vendo um filme que nós fizemos, mas também é importante ver na tela essa mulher brasileira reconhecendo os seus direitos e falando o que é necessário falar no momento", completou.
A música é um elemento bastante representativo no filme. A trilha sonora selecionada vai de Queen a Reginaldo Rossi, passando por clássicas da MPB e do antigo rock nacional, nas vozes da Maria Bethânia e Roberto Carlos, na época da Jovem Guarda.
"A personagem tem uma vasta coleção de discos em casa e para mim seria muito importante que a visão de mundo dela viesse da forma como ela ouve música. Tem muita MPB que considero de altíssima qualidade no filme, mas tem Queen, que é uma banda que eu amo, principalmente a fase dos anos 70, e toca Reginaldo Rossi, que é uma coisa fantástica. Juntando tudo isso se tem uma visão de mundo", detalhou Kleber.
Cannes, política e democracia
Não foi apenas uma vez que questões sobre política foram levantadas na entrevista coletiva. Depois do ato do elenco em Cannes, em maio deste ano, quando os atores e o diretor protestaram contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a nomeação de Michel Temer como interino, havia uma expectativa sobre a participação em Gramado.
Não houve um ato, mas antes e após a exibição do filme, foi possível ouvir os gritos de “fora Temer”, seguida de aplausos quase incessantes.
Elenco de 'Aquarius' protesta contra impeachmentde Dilma (Foto: REUTERS/Jean-Paul Pelissier)
Sobre Cannes, o diretor afirmou que o que o motivou foi um “senso de cidadania” e que se fosse possível, faria novamente. "O que me motivou e acho que boa parte da equipe e dos profissionais do audiovisual que estavam em Cannes foi um senso de cidadania. Eu tenho dois filhos hoje e acho que a democracia é a melhor forma de se viver em sociedade. Continua sendo falha, mas é a melhor que a gente tem. Sem isso a situação social do país se torna problemática, extremamente problemática".
A atriz concordou e pediu mais reconhecimento aos artistas brasileiros que representam o Brasil em diferentes situações no exterior. "Quando a gente foi a Cannes, nós estávamos representando o Brasil. Olha, quantos filmes foram enviados e nós estávamos lá! Deveriam receber a gente no aeroporto. Como fazem com jogador de futebol", disse, com graça.
O elenco de "Aquarius" tem ainda Maeve Jinkings ("O som ao redor"), Irandhir Santos ("Velho Chico", "Tropa de elite 2", "A febre do rato", "O Som ao Redor), Zoraide Coleto, Carla Ribas, Paula de Renor, Fernando Teixeira, Barbara Colen, Daniel Porpino, Julia Bernat e Pedro Queiroz, entre outros.
Veja o trailer de 'Aquarius':
