• Laura Ancona Lopez
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Teté Ribeiro e as duas filhas (Foto: Marcus Steinmeyer)

Teté Ribeiro e as duas filhas (Foto: Marcus Steinmeyer)

“Seus bebês nasceram há quatro dias, e são duas meninas.” Foi assim, meio de surpresa, que a jornalista Teté Ribeiro, 45 anos, recebeu a notícia de que havia se tornado mãe. Ela tinha chegado havia 24 horas a Anand, cidade de 600 mil habitantes no centro-leste da Índia (país onde as populações batem facilmente os milhões), para acompanhar as últimas semanas de gravidez de Vanita Macwan, indiana de 28 anos contratada para gerar seus embriões. Depois de uma jornada de sete anos de tratamentos para engravidar e já na fila de adoção, ela e o marido, o jornalista Sérgio Dávila, haviam feito uma última tentativa de ter um bebê geneticamente. E vieram logo dois, ou melhor, duas. “Só soube que minhas filhas tinham nascido depois que cheguei ao país, o que foi estranho e um pouco irritante. Mas na Índia as coisas são diferentes, levei muito tempo para entender isso”, conta Teté. “Já estava de passagem marcada para lá quando as meninas nasceram, prematuras de oito meses. Em vez de me contarem, os médicos preferiram esperar eu chegar. Disseram que não haveria nenhuma vantagem em me falar antes, não faria diferença. Assim como não nos deixaram descobrir os sexos durante a gestação de Vanita. Por incrível que pareça, isso é proibido por lá.”

Aos 42 anos, Teté havia sido diagnosticada com uma dificuldade rara: seu útero não tinha aderência suficiente para “segurar” um embrião. Foram muitos os procedimentos, exames, visitas a médicos e até terapias alternativas, como massagens holísticas, processos de relaxamento e desintoxicação. Nada funcionava. Até uma colega de trabalho entrevistar Nayana Patel, médica proprietária de uma clínica de reprodução in vitro na Índia, especializada em barrigas de aluguel. “A ideia parecia longe do ‘cardápio’ de coisas possíveis, mas eu e o Sérgio decidimos tentar”, conta. “Fiz metade do tratamento no Brasil (a estimulação dos ovários) e, na Índia, foi feita a retirada dos óvulos. Fizemos a tentativa com dois, que deram origem a dois embriões saudáveis. Ambos foram implantados em Vanita e se tornaram as minhas filhas, Cecília, que é a minha cara, e Rita, igual ao pai.” A história completa Teté conta no livro "Minhas Duas Meninas" (Companhia das Letras, R$ 39,90), que chega às livrarias em junho. Ela fala à Marie Claire sobre as dificuldades e dilemas do processo.

Teté e Vanita Macwan seguram as bebês (Foto: Reprodução

Teté e Vanita Macwan seguram as bebês (Foto: Reprodução "Minhas Duas Meninas")


PROBLEMAS PARA ENGRAVIDAR
Comecei a tentar ter filhos quando tinha 35 anos e estava casada com o Sérgio havia cinco, mas nossa relação é bem mais longa que isso, entre idas e vindas. Já tinha engravidado dele duas vezes antes, e em ambas fiz abortos. Acho que tinha 23 e 28 anos, mas não lembro exatamente a idade, pois não são momentos que gosto de ter na memória, ao contrário. Até por isso, na primeira vez que começamos a tentar ‘para valer’, veio uma aflição. Não sabia se era só culpa ou medo de ter provocado algum dano ao corpo [com os abortos]. No fim, não havia causado nenhum, mas eu não engravidava. Fiz vários tratamentos com estimulação hormonal, inseminações artificiais, fertilizações in vitro. O mais angustiante é que por muito tempo os exames resultavam normais, tanto os meus quanto os dele. Durante o processo, tive um ‘semiaborto’ espontâneo: o exame de gravidez deu positivo, mas quando fiz o ultrassom não havia bebê. Foram sete anos muito difíceis, de poucos altos e muitos baixos – para mim, para o Sérgio, para nós como casal... E, quanto mais o tempo passava, mais o relógio biológico corria.”

ADOTAR OU NÃO?
Quando estávamos fazendo os tratamentos, pensávamos em adotar. Tanto que, quando decidimos contratar uma barriga de aluguel, já havíamos nos habilitado no cadastro de adoções, estávamos na fila. Aliás, essa é uma ideia que ainda temos: quem sabe daqui a um tempo, quando as meninas crescerem um pouco mais, aumentamos a família. Poderia ser por adoção. O fato é que, quando decidimos ir à Índia, tínhamos pouca esperança de que daria certo. Foi a última tentativa de gerar um bebê geneticamente. Se não rolasse, não faríamos de novo.”

O PAPEL DO PAI E DOS AMIGOS
O Sérgio sempre esteve na empreitada ao meu lado. Morávamos nos Estados Unidos quando começamos os tratamentos e lá a barriga de aluguel é mais comum, ao contrário do Brasil, onde é proibida a comercialização desse serviço [aqui, só é permitido o ‘empréstimo’ do útero a familiares ou amigos, sem pagamento]. Tentar o método como última chance foi uma decisão mútua. Quando fomos para a Índia conhecer a clínica, não contamos para quase ninguém. A ideia parecia longe do ‘cardápio’ de coisas possíveis. Tínhamos receio da ‘maldição do segredo’: às vezes, parece que as coisas só vão dar certo se você não contar a ninguém. Falo bastante sobre isso no livro. Só fui falar para a família e aos amigos quando Vanita já estava no quinto mês de gravidez. Foi aos poucos, uma pessoa por vez. Brinco que cada um desses encontros era transformador: as pessoas nunca saíam dele como entraram. Muitos ficavam eufóricos, outros demoravam a entender e acreditar. Ficavam, sobretudo, felizes. Além de surpresos, claro, e aliviados, já que sabiam de nossa luta para ter um filho.”

ÚTERO ESTRANHO X FAMILIAR
Nunca pensei em pedir a minha irmã que engravidasse em meu lugar. Primeiro porque ela nem poderia. Tinha feito uma cirurgia anos antes em que tirou útero e ovários. Depois, acho esquisitíssimo. Como se chega para alguém e pede: ‘Você pode ficar grávida por nove meses, ter gases, dores e uma barriga enorme porque eu não consigo?’. O fato de, na Índia, o procedimento ser legalizado dá um sossego. A pessoa faz um acordo com você. Não tem favor. Nunca tive angústia com a ideia do ‘útero estranho’. Quando procurei a médica das barrigas de aluguel, sabia que uma desconhecida geraria um filho meu. Já era algo resolvido na minha cabeça.”

As duas famílias: Sérgio Dávila, Teté, Vanita, o marido dela e o filho do casal (Foto: Reprodução

As duas famílias: Sérgio Dávila, Teté, Vanita, o marido dela e o filho do casal (Foto: Reprodução "Minhas Duas Meninas")

A OUTRA “MÃE”
Vanita tinha 28 anos quando engravidou de Cecília e Rita. Ela é casada e tinha um filho de 5 anos. Aliás, só é possível ser barriga de aluguel se a mulher já tiver pelo menos um filho. Nos conhecemos antes de implantar os embriões em seu útero. Ela se arrumou toda, vestiu uma roupa típica indiana para a ocasião. Foi um pouco constrangedor, pois Vanita só fala um dialeto indiano e precisávamos de tradutor o tempo todo. Mas, passado o primeiro momento, nosso envolvimento se tornou muito afetuoso. Nunca houve entre nós uma relação de ‘chefe’ e funcionária, embora ela tenha ganhado US$ 8 mil pela gravidez [na Índia, o procedimento custa US$ 25 mil – quatro vezes menos do que nos Estados Unidos, por exemplo]. Sei que Vanita fez o procedimento pelo dinheiro, e eu a contratei pela barriga. E tudo bem. Ela estava grata por ter sido ‘escolhida’ por nós – há várias mulheres que querem ser barrigas de aluguel, mas nem todas são eleitas. Durante a gravidez, morou em uma ‘casa de grávidas’ bancada pela clínica, onde fazia todos os exames, recebia alimentação balanceada, era medicada e cuidada. Várias outras ‘barrigas’ vivem ali e muitas se tornam amigas. Estive lá algumas vezes e é um local muito confortável, limpo. A imagem que várias pessoas têm da Índia é de sujeira e caos. Mas, embora as cidades sejam realmente sujas, com bichos espalhados pela rua, as pessoas são limpíssimas. Fora que é a população que mais cresce no planeta. Se tem algo que sabem fazer é crianças – não por menos, as minhas foram geradas ali.”

A GRAVIDEZ
Fiz metade do tratamento no Brasil (a estimulação dos ovários) e, na Índia, foi feita a retirada dos óvulos. Fizemos a tentativa com dois únicos embriões. Um mês depois, soubemos que Vanita estava grávida. Estávamos na Turquia, com amigos, no último dia de viagem. Foi uma loucura, a melhor notícia da minha vida! Minha vontade era sair contando, mas fomos cautelosos, e a gravidez só seria confirmada com outro exame de sangue. Fingi [para os amigos] que a emoção era pelo fim da viagem. Tomei muito champanhe, o que não faria se fosse eu a grávida! A gestação correu sem problemas, mas claro que no início fiquei apreensiva. Depois decidi que iria viver os dramas conforme eles chegassem. Como acompanharia a gravidez do Brasil, não dava para pirar. No final deu tudo certo: uma vez por mês recebia um boletim com a situação de Vanita e dos bebês. Levava ao meu obstetra e ele me dizia o que aquilo [exames de sangue, ultrassons] significava.”

O NASCIMENTO E O PÓS-PARTO
Quando Vanita entrou no oitavo mês, fui à Índia acompanhar as últimas semanas de gravidez. Só que as meninas haviam nascido três dias antes, e ninguém tinha me contado! Os médicos preferiram esperar eu chegar ‘com calma’. Tanto que ainda me deixaram descansar um dia e, só 24 horas depois, falaram: ‘Seus bebês nasceram há quatro dias, e são duas meninas’. Elas chegaram prematuras de 35 semanas, com 2 kg cada, pequenininhas, e me esperavam na incubadora [saíram quatro dias depois, saudáveis]. Nosso encontro foi absurdo! Eu não estava preparada: esperava ver uma barriga, e de repente dei de cara com aqueles serezinhos, minhas filhas. Encontrá-las foi a cena mais forte e emocionante que vivi. Só depois que voltei para o hotel é que consegui contar para o Sérgio, que pegou um voo no mesmo dia para conhecê-las. Vanita mandava o leite que ordenhava para as meninas. A opção ao leite materno era uma lata importada com pó desidratado, comprada na farmácia. Não podia descartar o que chegava fresco, pelo menos não naqueles primeiros dias, com todo aquele sol da Índia.”

AMOR MATERNO
Não foi automático sentir amor por aquelas duas pessoinhas, não. Levou uns 40 dias. Durante o tempo que passei com elas na Índia, apesar de ser uma rotina muito de mãe, estava fora de casa. Tive de chegar ao Brasil para entender que viriam junto. A paixão não foi imediata, embora eu tenha tido uma espécie de euforia pós-parto. A chegada delas foi muito celebrada. Mas, com o passar dos dias, passei a ficar bem cansada. A vida de mãe de gêmeos não é nada fácil – embora também seja cheia de fofuras. Não tenho nenhum tipo de problema com o fato de elas não terem nascido de dentro de mim. Me sinto 100% mãe, nem lembro mais que não foram geradas na minha barriga!”

Barbara Macedo.

* Na edição de junho de Marie Claire, que chega às bancas nesta segunda-feira (30), você lê trecho inédito do livro "Minhas Duas Meninas", que será lançado no fim do mês.