• Thiago Baltazar
Atualizado em
A modelo Fluvia Lacerda (Foto: Plus Model Mag)

A modelo Fluvia Lacerda (Foto: Plus Model Mag)

Fluvia Lacerda estava em um ônibus em Nova York quando notou uma mulher com o olhar fixo em seu corpo analisando suas medidas, seu cabelo, seu rosto e pele. A carioca havia deixado o Brasil para viver com uma tia nos Estados Unidos numa tentativa de fugir da pobreza em sua terra natal. Na capital mundial da moda, começou a trabalhar como faxineira e babá, sem nunca imaginar ter ido diretamente ao encontro da oportunidade que mudaria sua vida para sempre. “Ela era editora de uma revista de moda. Se desculpou por estar me encarando e entregou seu cartão. Assim fui descoberta”. A brasileira, neste dia, deu os primeiros passos para se tornar uma das modelos de maior sucesso no mundo em sua categoria, conquistando o título de Gisele Bündchen Plus Size. “Já posso ser apenas a Fluvia Lacerda, né. Eu mereço”, brincou.

A top é referência em tamanhos grandes e uma das responsáveis em mostrar que moda e beleza não possuem um padrão único, mas está na diversidade. À Marie Claire, ela conta como impediu de ser afetada pelo preconceito e se revela uma feminista. “Acho que já nasci assim”.

Marie Claire: Seu sucesso internacional no mundo da moda a tornou conhecida como a Gisele Bündchen Plus Size. O que você acha desse rótulo?
Fluvia Lacerda: Este título surgiu há muitos anos em uma entrevista que dei para uma repórter em Nova York durante um ensaio com um fotógrafo gringo. Ele fez essa comparação em relação à sensualidade natural da brasileira em frente à câmera. Mas já posso ser a Fluvia Lacerda, né? Eu mereço. Tenho 15 anos de carreira…

MC: Como você foi descoberta em Nova York?
FL: Estava pegando um ônibus depois do expediente, trabalhei como faxineira e babá por muito tempo, e notei uma mulher me olhando muito. Ela era editora de uma revista de moda. Se desculpou por estar me encarando e entregou seu cartão.  Se desculpou por estar olhando muito e disse: “acho que você deveria entrar para o ramo da moda como modelo, tem o corpo perfeito’”. Na época, nem sabia o que era plus size.

A modelo Fluvia Lacerda (Foto: Plus Model Mag)

A modelo Fluvia Lacerda (Foto: Plus Model Mag)

MC: Como lida com a fama e o assédio?
FL: Nunca imaginei que teria a oportunidade de trabalhar com isso, não sabia que existia esse tipo de mercado. Entrei achando que era uma forma de ganhar uma grana extra. Não sabia que tomaria esta proporção. Acho que estava na hora certa e no lugar certo.

MC: Você tem uma linha de lingerie voltada para mulheres de tamanhos grandes no site de moda Flaminga. Algumas peças são sucesso entre as clientes. Você considera que a segmentação do mercado da moda é uma tendência a ser seguida?
FL: Sim, com certeza. As padronagens do Brasil ainda não estão de acordo com o biotipo da brasileira. É hora do mundo da moda acordar para isso e tentar abraçar esta consumidora. Lá fora, muitas marcas fazem peças que vão do tamanho 36 até ao 56.

MC: Aos poucos, algumas grifes colocam  mais modelos com corpos “reais” na passarela. Você acha que é uma tendência que veio para ficar?
FL: Todas são reais, é só uma questão de genética. Finalmente, estamos começando a acordar e despertar para essa realidade, não adianta sempre colocar uma mulher de um tipo físico, uma raça, cabelo na passarela. A mulher demanda ser representada. Você vai à Paris e encontra campanhas com modelos mais velhas, por exemplo. É muito inteligente abraçar essa diversidade.

MC: E em relação à moda sem gênero?
FL: Eu adoro, acho o máximo. Gosto muito de peças femininas, mas tenho me atraído por itens do guarda roupa deles, o blazer com corte masculino é lindo. Quem gosta de moda, gosta de moda. Ponto. O mercado não acomoda mais uma coisa direcionada a apenas um setor, está tudo mudado. Acho muito legal abrir as portas para liberar esse movimento todo impulsionado pelas redes sociais. As mulheres não querem mais ser ditadas, querem opções.

MC: Você se considera feminista?
FL: Acho que nasci assim. Na minha casa sempre questionei as coisas, mas nunca me deixei afetar pelo preconceito, fui criada assim.

A modelo Fluvia Lacerda (Foto: Plus Model Mag)

A modelo Fluvia Lacerda (Foto: Plus Model Mag)

MC: Quais preconceitos?
FL: Uma vez, um membro da família perguntou por que eu não fazia 'lipo' para diminuir os quadris. Eu lhe disse que com esse dinheiro eu poderia ir à Paris, e foi o que fiz! Na minha casa, sempre fomos ensinados a estudar política, praticar esportes, fazer coisas bem mais valiosas do que cuidar apenas da aparência. E gostaria de alimentar isso na cabeça de muitas outras mulheres para que a próxima geração seja mais resiliente a essas opressões. Acho legal as meninas mandarem à merda pessoas que lhe pedem para perder peso.

MC: Quais dicas de estilo você daria mulheres plus size?
FL: Não gosto de regras, não as sigo, mas há uma que vale para todas as mulheres: respeite suas medidas, independentemente de ser magra ou gorda. Isto tira a elegância de qualquer estilo. No final das contas, a única pessoa que vê a etiqueta é a gente, então não há razão para tentar fugir do manequim.

MC: Em breve você irá lançar um biografia com conselhos para pessoas que sofrem com autoestima. Você poderia adiantar algum?
FL: Sempre achei que uma biografia neste estágio da minha vida seria ago pretensioso, mas diante de todas as mensagens que recebi, comecei a sacar que poderia contribuir muito mais com muitas mulheres. Ouvi muitas histórias do massacre emocional que as meninas vivem. Recebi o depoimento de uma menina muito jovem que queria se matar por ser gorda… Mas sempre digo que o ódio, a amargura e a negatividade se reflete em quem a vomita. As pessoas aos poucos estão se unindo em prol do bem, contra o preconceito. Esta força será cada dia maior. Sou brasileira e a esperança é a última que morre.