Rio

Aberta para ser referência, escola em Manguinhos sofre com roubos

Unidade virou alvo de vândalos, ladrões, traficantes e usuários de drogas
Parte do prédio do Colégio Estadual Compositor Luiz Carlos da Vila, em Manguinhos, que teve janelas inteiras roubadas: alunos sofrem para ter aulas Foto: Fotos de Antônio Werneck
Parte do prédio do Colégio Estadual Compositor Luiz Carlos da Vila, em Manguinhos, que teve janelas inteiras roubadas: alunos sofrem para ter aulas Foto: Fotos de Antônio Werneck

RIO - As letras “r”, “o” e “v” que faltam para completar o letreiro com o nome de Luiz Carlos da Vila, um dos mais festejados sambistas brasileiros, morto em outubro de 2008, aos 59 anos, foram escritas a tinta pelos próprios alunos, depois de parte da estrutura metálica ter sido roubada. É um detalhe na fachada da construção, mas pode resumir a situação do colégio estadual que homenageia o compositor. Inaugurada em 2009, no número 1.184 da Avenida Dom Hélder Câmara, em Manguinhos, a unidade — que devido à crise do estado não conta, desde o início do ano, com os policiais que faziam sua segurança — virou alvo de vândalos, ladrões, traficantes e usuários de drogas.

Nos últimos três meses, seguidos roubos deixaram parte da escola às escuras, depois que foram arrancados fios e destruída a instalação elétrica. Televisores, mesas, lâmpadas, cadeiras, portas, janelas inteiras e vidros também foram levados pelos ladrões. Um moderno quadro-negro interativo desapareceu. Assim como as últimas três bombas d’água compradas pelo colégio, levando a uma crônica falta de água. Até as panelas da cozinha sumiram. O mesmo aconteceu com os cabos de conexão à internet.

O Colégio Estadual Compositor Luiz Carlos da Vila, numa região onde há as comunidades de Manguinhos e do Jacarezinho, não é uma escola qualquer. Ele foi construído numa área pobre da Zona Norte para ser um modelo de ensino. Não apenas educacional, mas na estrutura: tem salas de informática, laboratório de química e física, biblioteca, um amplo auditório, ginásio esportivo (com quadra de basquete, futebol, vôlei, vestiários e um ambiente para aulas de judô e outras artes marciais), refeitório com mais de 50 lugares e cozinha moderna. O xodó é uma piscina com dimensões olímpicas, agora sem uso e abandonada nos fundos de um terreno de cerca de oito mil metros quadrados.

— Não sabemos exatamente o que está acontecendo. A situação da escola é dramática. Praticamente todos os dias, o colégio tem algum registro de roubo. E já informamos todo mundo: Secretaria estadual de Educação, Ministério Público estadual, polícia e Assembleia Legislativa, para onde encaminhamos ofícios — afirma um professor, preferindo não ser identificado.

“HÁ DIAS EM QUE É IMPOSSÍVEL OUVIR O PROFESSOR"

Marcas dos saques podem ser vistas em todos os andares. No segundo andar, alunos estão expostos ao tempo porque as janelas foram todas arrancadas de sete das 15 salas, que contam com climatização de potentes aparelhos de ar-condicionado.

— Há dias em que é impossível ouvir o professor. O ambiente já era barulhento, porque minha sala fica próximo à Avenida Dom Hélder Câmara. Agora, sem janelas, piorou. Às vezes, até a chuva impede que a gente tenha aulas normalmente — diz um dos estudantes.

Sem estrutura, a Luiz Carlos da Vila passou a conviver com uma situação até então inimaginável para os professores. Quando a escola foi inaugurada há sete anos, pais brigaram para matricular seus filhos no local. Agora, existe evasão de alunos. Dos mais de 1.400 estudantes do início, apenas 800 permanecem.

— A melhor solução é o estado contratar uma vigilância patrimonial. É o que defendo — afirma um outro professor.

O exemplo vem de unidades educacionais e de saúde ao lado da escola, localizada numa grande área de lazer. No terreno onde a Luiz Carlos da Vila está instalada, há cinemas, a Biblioteca Parque de Manquinhos, uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), uma moderna pista de skate e uma unidade de atendimento psicossocial. Todas as construções têm vigilantes.

— Estamos há seis anos aqui e nunca registramos qualquer caso de roubo ou furto — diz um funcionário da Biblioteca Parque de Manguinhos.

A situação da escola tem mobilizado moradores, associações comunitárias, pais, professores e entidades de classe. No mês passado, funcionários da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) — que fica próximo — organizaram um abraço à Luiz Carlos da Vila. O grupo também acionou o Ministério Público estadual: um ofício foi encaminhado ao procurador-geral do estado, Marfan Martins Vieira.

No documento enviado ao MP, a comunidade diz esperar uma ação dos promotores. Após frisar que a educação é importante para “transformar a realidade da vida dessas comunidades”, o texto afirma: “As depredações sofridas pela escola afetam negativamente não apenas os professores e alunos da instituição, que tem seu funcionamento prejudicado, mas também todos que moram e trabalham em Manguinhos e Jacarezinho, pois frustam as nossas expectativas em uma aposta na educação como elemento para o desenvolvimento destes territórios”.

Piscina da escola: estudantes deixaram de ter aulas de natação e comunidade ficou sem lazer Foto: Fotos de Antônio Werneck
Piscina da escola: estudantes deixaram de ter aulas de natação e comunidade ficou sem lazer Foto: Fotos de Antônio Werneck

O Sindicado Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe) informou que enviou um dossiê sobre a situação da escola, incluindo fotografias, para o governo do estado, deputados estaduais e para o MP.

— Estamos há meses cobrando uma providência urgente das autoridades. É uma situação lamentável. Revela como o governo tem tratado a situação da educação no estado — afirma Dorotéa Frota Santana, coordenadora-geral do Sepe.

Segundo ela, o abandono da piscina não atrapalha só as aulas de natação e o lazer da comunidade.

— Ela (a piscina) virou foco de dengue. A escola vive uma situação de caos e abandono.

SECRETARIA DIZ QUE TEM PROJETO DE MELHORIAS

O deputado Comte Bittencourt (PPS), presidente da Comissão de Educação da Alerj, que também foi procurado, revelou ontem que pretende convidar outros parlamentares para visitarem à escola.

— Infelizmente, foi uma decisão da Secretaria estadual de Educação retirar vigilantes e funcionários das portarias das escolas estaduais. Já fiz alertas ao estado — afirmou.

Em nota, a Secretaria estadual de Educação informou que “a escola está dentro do projeto de melhorias em desenvolvimento do programa Caminho Melhor Jovem”. Segundo a pasta, essas melhorias estão sendo detalhadas com a Empresa de Obras Públicas (Emop), para ser implantadas fora do período letivo. O texto diz que, “inclusive, está previsto o aumento da altura dos muros, que atualmente favorecem o ingresso de usuários de drogas, pois existe um ponto de consumo próximo”. O órgão lembrou ainda que a Secretaria de Segurança já foi informada da situação.

Já a 2ª Promotoria de Justiça da Tutela Coletiva da Educação informou ontem que, assim que tomou conhecimento dos problemas do colégio, cobrou explicações da Secretaria de Educação. Perguntou, por exemplo, se o órgão sabia dos furtos e do vandalismo, se havia entrado em contato com a polícia e se já adotara as medidas necessárias. O ofício é do dia 12. O MP disse que ainda aguarda uma resposta.

DE SÍMBOLO DO PAC A EXEMPLO DE ABANDONO

O colégio às vésperas de sua inauguração: houve uma corrida de pais para matricular seus filhos Foto: Pablo Jacob
O colégio às vésperas de sua inauguração: houve uma corrida de pais para matricular seus filhos Foto: Pablo Jacob

Um dos símbolos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Rio, o Colégio Estadual Compositor Luiz Carlos da Vila foi inaugurado em fevereiro de 2009 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi a primeira obra do PAC na cidade. Além de Lula, estavam presentes na cerimônia o governador da época, Sérgio Cabral, seu sucessor, Luiz Fernando Pezão, e o prefeito Eduardo Paes.

Instalada numa região carente, com histórico de violência, a unidade tem capacidade para atender 1.400 alunos do ensino médio. Está localizada perto das favelas de Manguinhos, Mandela e Jacarezinho, e, em seus dois primeiros anos de funcionamento, manteve uma forte ligação com os moradores da região. Famílias inteiras começaram a frequentá-la diariamente para fazer atividades como natação, futebol e cursos: suas portas ficavam abertas inclusive nos finais de semana e feriados. Mas, segundo professores, a falta de investimentos fez a escola começar a apresentar problemas.

Até dezembro de 2015,PMs trabalhavam na segurança do colégio e de seu entorno durante suas folgas, com jornadas pagas pelo governo estadual. Com a crise, acabaram sendo dispensados no início deste ano. Foi a partir daí que os primeiros roubos e atos de vandalismo começaram a ser registrados.

Uma parte do ginásio foi destruído. Vestiários tiveram equipamentos roubados, e até um incêndio atingiu o colégio. A instalação elétrica foi furtada e a piscina virou foco de proliferação de mosquitos. Há buracos no telhado e rachaduras nas paredes, o que assusta alunos e funcionários. Mas, segundo técnicos da Emop que fizeram uma inspeção, estão descartados riscos de acidentes.