Política Lava-Jato

Cirurgia da mulher de Mantega faz Moro revogar prisão de ex-ministro

Juiz determinou soltura imediata do petista, preso na 34ª fase da Lava-Jato que apura pedido de US$ 2,3 milhões ao empresário Eike Batista

O ex-ministro Guido Mantega chega à sede da Polícia Federal, em São Paulo
Foto: Nacho Doce / REUTERS
O ex-ministro Guido Mantega chega à sede da Polícia Federal, em São Paulo Foto: Nacho Doce / REUTERS

SÃO PAULO - O juiz Sergio Moro revogou a prisão temporária do ex-ministro Guido Mantega e determinou nesta quinta-feira a soltura imediata do petista, detido pela manhã na 34ª fase da Lava-Jato enquanto acompanhava a mulher durante uma cirurgia em São Paulo. O despacho foi assinado por volta das 12h30m, seis horas após deflagrada a operação, por decisão de ofício, sem consultar o Ministério Público Federal e a Polícia Federal. Moro afirmou no documento que as buscas já foram feitas e que, ao decretar a prisão, não sabia do quadro clínico da mulher do ex-ministro. Mantega deixou a Supreintendência da Polícia Federal de São Paulo por volta das 13h40.

"Considerando os fatos de que as buscas nos endereços dos investigados já se iniciaram e que o ex-Ministro acompanhava o cônjuge no hospital e, se liberado, deve assim continuar, reputo, no momento, esvaziados os riscos de interferência da colheita das provas nesse momento", disse Moro em despacho.

O juiz ressaltou que as autoridades - Ministério Público Federal, Polícia Federal e ele próprio - desconheciam que Mantega acompanhava a mulher, que estava em cirurgia e acometida de doença grave. Ressaltou, porém, que colheu informações com a PF e que "o ato foi praticado com toda a discrição, sem ingresso interno no hospital". A PF havia divulgado, em nota, que a prisão havia sido “discreta” e fora do hospital.

Moro reafirmou em despacho que os fatos que levaram à prisão temporária de Mantega seguem em apuração. Ele também havia determinado bloqueio de R$ 10 milhões em ativos de Mantega e de outros sete investigados .

Antes da revogação da prisão, o advogado de Mantega disse que seu cliente “estava arrasado” . O ex-ministro estava no Hospital Albert Einstein, perto do centro cirúrgico, quando recebeu a notícia, por telefone, de que a Polícia Federal estava em seu apartamento em Vila Madalena. A mulher estava pré-anestesiada, semiconsciente, quando o ex-ministro desceu para o saguão e se entregou aos policiais.

— Ele desceu para o saguão para não tumultuar e atrapalhar a cirurgia. E foi ali que os policiais o encontraram. Ele está profundamente preocupado com o estado de saúde da mulher. Vamos aguardar para ver se ele é autorizado e possa encontrar a mulher, quando passar os efeitos da anestesia e ela recobrar a consciência. Em seguida, ele iria para Curitiba. Ele está arrasado — disse o advogado José Roberto Batochio.

PF CONSIDERA 'INFELIZ COINCIDÊNCIA'

A revogação da prisão temporária gerou novo constrangimento à força-tarefa da Operação Lava-Jato. Logo na abertura da coletiva de imprensa para detalhar a 34ª fase da operação, o delegado Igor Romário de Paula, coordenador da Lava-Jato na Polícia Federal (PF), demonstrou preocupação em detalhar as circunstâncias da prisão e classificou a detenção do ex-ministro enquanto ele acompanhava a esposa no hospital como uma “infeliz coincidência”.

Segundo o delegado, na casa de Mantega estavam uma funcionária e o filho do casal, de 16 anos. Logo que a equipe da Polícia Federal soube que o ex-ministro estava no hospital, houve contato telefônico com ele, e a equipe se deslocou até o hospital.

- Ele atendeu com tranqüilidade, recebeu duas ligações antes de encontrar com a equipe. Foi feito um contato com ele da residência dele, e depois, no momento em que a equipe chegava ao hospital, para que a equipe não precisasse entrar – relatou o delegado.

O delegado afirmou que Mantega disse aos policiais que se dirigiu ao Hospital Albert Einstein por volta das 4h30m, e o monitoramento da residência do ex-ministro pela PF só ocorreu logo antes do cumprimento dos mandatos, por volta das 6 horas.

- Infelizmente, situações como esta são tristes quando acontecem, mas não há como não cumprir ordem judicial – emendou o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima.

O delegado da PF afirmou ainda que a operação estava em andamento há algum tempo e que as autoridades desconheciam a cirurgia. Segundo o MPF, a decisão de Moro pela prisão de Mantega foi tomada no mês passado e só não havia sido cumprida por dificuldades logísticas da PF durante as Olimpíadas.O delegado da PF ressaltou que a equipe não entrou no hospital e que Mantega desceu até a recepção para atender os policiais. Em seguida, foi levado para casa, onde, já acompanhado de advogado, foram cumpridos os mandatos de busca e apreensão e de prisão.

- Não teve nenhum tipo de objeção por parte dele – disse o delegado.

- O fundamento [do pedido de prisão] foi a ordem pública. Estamos falando de valores bilionários desviados dos cofres públicos. [...] Poderia haver problemas na colheita e analise de provas nos próximos dias – explicou o procurador.

O MPF chegou a pedir a prisão preventiva de Mantega - sem prazo definido, o que foi negado pelo juiz Sergio Moro, que autorizou somente a temporária, com prazo de duração de cinco dias.

ENCONTRO COM EIKE EM AGENDA

Mantega teve prisão temporária decretada porque o empresário Eike Batista afirmou ter pago US$ 2,35 milhões no exterior ao publicitário João Santana e à mulher dele , Monica Moura, a pedido de Mantega, que presidiu o Conselho da Petrobras entre março de 2010 e março de 2015.

O encontro relatado por Eike constou na agenda pública do então ministro da Fazenda. Quebras de sigilo telefônico mostraram que, no mesmo dia da audiência com o empresário, foram feitos vários telefonemas de empresas do publicitário para telefones da chefia de gabinete e da assessoria direta de Mantega.

O depósito seria destinado a pagar dívidas de campanha do PT e foi feito na conta Shellbill, na Suíça, que não havia sido declarada no Brasil pelo marqueteiro.

Segundo as investigações, o pagamento foi vinculado a propina para que o Consórcio Integra, que reunia a OSX e a construtora Mendes Junior , pagou para obter o contrato das plataformas P-67 e P-70, no valor de US$ 922 milhões.

Além do pagamento a João Santana, supostamente pedido por Mantega, foram identificados pagamentos de propinas por meio de outras empresas.