A primeira impressão é a pior possível se o disco idealizado por Renato Manfredini Jr. para celebrar o pai, Renato Russo (1960 – 1996), for ouvido em ordem cronológica. Lançado no momento em que o universo pop brasileiro lembra que o imortal cantor, compositor e músico carioca saiu de cena há duas décadas, em 11 de outubro de 1996, o álbum Viva Renato Russo – 20 anos abre com insossa abordagem de Por enquanto (1985). O grupo potiguar Plutão Já Foi Planeta dilui todo o sentimento da balada que fechou o primeiro álbum da Legião Urbana – anunciando os caminhos mais melódicos que seriam seguidos pela banda no segundo consagrado álbum –  e que encontraria o tom ideal em 1990 na voz rústica de Cássia Eller (1962 - 2001).

 




Contudo, ao longo das 14 gravações do tributo, o disco vai se justificando e cumprindo, entre pontos altos e baixos, a função de conectar o ainda atual cancioneiro de Renato Russo aos sons da cena contemporânea brasileira. Curiosamente, quem dilui a má impressão, caso o disco seja ouvido na sequência oficial das 14 faixas, é um grupo paraense de garage rock, Molho Negro, que recusa tal conexão ao destilar Tédio (Com um T bem grande para você) (1987) com o clima punk do rock de Brasília (DF) nas décadas de 1970 e 1980. Molho Negro valoriza a composição de Russo.

 




Em contrapartida, Cris Botarelli – vocalista da Far From Alaska, banda potiguar que saiu do projeto, alegando insatisfação com o resultado da gravação de 1º de julho (1994) – dissipa a melancolia smithiana de Tempo perdido (1986) em registro feito com Natália Noronha (vocalista da banda Plutão Já Foi Planeta). Foi mesmo tempo perdido...

 




Demonstrando fraca personalidade artística, o grupo cearense Selvagens à Procura de Lei parece tentar emular o som da própria Legião Urbana em Geração coca-cola (1985) sem reeditar a força deste hino geracional que traça perfil raivoso dos "filhos da revolução". Em compensação, personalidade artística é que não falta aos grupos fluminenses Supercordas e Facção Caipira. Supercordas retrata Metrópole (1986) com fluência e leve ambiência psicodélica. Já Facção Caipira encara e sustenta os nove minutos de Faroeste caboclo (1978 / 1987) com pegada country na gravação feita com Dado Oliveira.

 




Também com forte personalidade artística, a cantora gaúcha (radicada na cidade do Rio de Janeiro) Duda Brack faz Boomerang blues (1994) voltar em registro cru e visceral que confirma a vocação de Brack para caminhar pela margem. Já a banda paranaense Uh la la! transita com segurança pelos trilhos do rock ao levar Eduardo e Mônica (1986) para universo roqueiro em gravação azeitada.

 




Em outro mundo, a banda paulistana Vespas Mandarinas viaja pela galáxia do folk ao tocar Marcianos invadem a terra (1995) em registro que poderia ter sido feito por Renato Russo na fase em que o cantor encarnava o Trovador Solitário, com a voz e o violão, pelos bares e casas de show de Brasília (DF). Também paulistana, Republica acerta ao dar o devido peso roqueiro a Que país é este? (1978 / 1987), música dos tempos do grupo punk Aborto Elétrico (1978 – 1982) que exemplifica bem a conexão do cancioneiro de Renato Russo com o atual momento político do Brasil.

 

 



Já a banda carioca Baleia faz Mariane (1997) mergulhar e se afogar em mar de sons viajantes. De bônus, como curiosidades, há Eu sei (1987) no português ainda carregado da cantora japonesa Tsubasa Imamura. E há Vinte e nove (1993) na voz do cantor espanhol Sepiurca Zukin, ouvida no idioma do artista.

 

 



Enfim, entre erros e acertos, o tributo Viva Renato Russo – 20 anos deixa a impressão de que poderia ser um grande disco, e não somente um bom disco, se Renato Manfredini Jr. tivesse sido (um pouco) mais rigoroso na seleção do elenco e se não houvesse a rixa pública do herdeiro de Russo com os dois remanescentes da formação clássica da Legião Urbana, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, parceiros de Russo em grandes canções preteridas no repertório do álbum, inteiramente assinado somente pelo mentor da banda. Picuinhas à parte, Renato Russo vive!!! (Cotação: * * *)




(Créditos das imagens: reprodução de foto do site oficial de Renato Russo. Reprodução da capa do álbum Viva Renato Russo – 20 anos)