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‘Inclusão é melhor para todo mundo’, diz Maria Antônia Goulart

Criadora do Movimento Down vai compartilhar suas experiências no primeiro dia do Educação 360
Para Maria Antônia, escolas públicas ainda desencorajam pais de deficientes: “Existe uma negativa velada da matrícula” Foto: Agência O Globo / Fabio Rossi
Para Maria Antônia, escolas públicas ainda desencorajam pais de deficientes: “Existe uma negativa velada da matrícula” Foto: Agência O Globo / Fabio Rossi

RIO — Dois professores em sala para respeitar o ritmo dos alunos. Qualquer aluno, tendo ele deficiência ou não. Essa é uma das novas ideias defendidas por Maria Antônia Goulart, criadora do Movimento Down, iniciativa que reúne num portal informações voltadas para o desenvolvimento de pessoas com síndrome de Down e deficiência intelectual, além de coordenar uma rede de voluntários que prestam serviços, como fisioterapia ou terapia ocupacional, em cidades onde essas práticas não são encontradas. A experiência de Maria Antônia será um dos estudos de caso do Educação 360, que será realizado pelos jornais O GLOBO e "Extra", em parceria com o Sesc e a Prefeitura do Rio e apoio da TV Globo e do Canal Futura e da Coca-Cola, na Escola Sesc de Ensino Médio, em Jacarepaguá, nos dias 23 e 24 deste mês.

O Movimento Down foi criado em 2011. Você acha que nesses cinco anos a informação sobre síndrome de Down melhorou no Brasil?

Acho que vem melhorando. Existe um número maior de pessoas com deficiência aparecendo de forma positiva na mídia. Há um número muito maior de pessoas com deficiência entrando na universidade e no mercado de trabalho, mas ainda estamos a anos-luz de distância do que deveríamos estar, tanto em termos de acesso a direitos e serviços quanto da própria construção da imagem da pessoa com deficiência como alguém potente, capaz. Isso ainda é um desafio que vamos demorar longos dez, vinte anos para avançar.

O filme "Colegas" (2013) é um desses exemplos, já que os protagonistas têm síndrome de Down, certo?

Exato. Acho que o cinema é um espaço importante para eles. Quando a pessoa vê um filme no qual o protagonista tem síndrome de Down, inevitavelmente pensa: "Essa pessoa teve que decorar essas falas, ensaiar, se preparar, compreender todo o contexto de uma produção cinematográfica e atuar nela". Quer dizer, olha quanta capacidade está envolvida em alguém que, a princípio, poderia parecer uma pessoa menos capaz.

Como está a legislação sobre a educação inclusiva no Brasil?

O Brasil vem avançando no cenário internacional de forma muito positiva em relação aos direitos das pessoas com deficiência e, nos últimos dez anos, a perspectiva inclusiva na política de educação tem promovido um avanço bem significativo. Mas há uma dificuldade muito grande no cumprimento da legislação e numa inovação que faça com que a educação inclusiva seja parte de um projeto da escola, e não como uma espécie de concessão ou um fardo que a escola tem que dar conta por causa da legislação. É preciso fazer um esforço muito grande para mostrar que a educação inclusiva faz com que a escola inteira melhore.

Por quê?

Se a escola enxergar seu estudante, nas suas dificuldades e possibilidades, e desenvolver estratégias pedagógicas para incluir esse aluno, ela vai dar conta de qualquer estudante, com ou sem deficiência, até mesmo o que tem melhor desempenho do que os outros e acaba ficando desmobilizado numa escola em que o ensino é mais pasteurizado. O grande desafio é conseguir construir essa ideia de que a inclusão é melhor para todo mundo.

Tem enfrentado muita resistência?

Tivemos um grande embate após a aprovação da Lei Brasileira da Inclusão (LBI): o Sindicato das Escolas Particulares entrou no Supremo Federal Tribunal com pedido de declaração de inconstitucionalidade dos artigos da LBI que determinavam a responsabilidade das escolas particulares em relação ao aprendizado dos alunos com deficiência sem que fosse cobrado a mais por isso. As escolas argumentavam que isso não era responsabilidade delas, que o aluno com deficiência é um problema do estado. Então, se a escola aprova um aluno que já está no primeiro lugar, a escola é boa. Se o estudante não aprende, o problema é ele. O STF foi muito claro em dizer que não havia inconstitucionalidade, que a LBI é válida, sepultou qualquer dúvida em relação à legislação.

Como isso repercute na prática?

Há um discurso muito cruel que as escolas começaram a construir, de que agora vai ficar mais cara a educação porque vão ter que dar conta dos problemas da educação inclusiva e que isso vai ter que ser financiado pela escola inteira. A gente não pode colocar a necessidade de se revisar os processos pedagógicos como se fosse um custo do aluno com deficiência. Estamos num modelo que não atende à demanda dos nossos estudantes. Não são só as crianças com deficiência que não estão aprendendo. A educação inclusiva vem para mostrar com mais clareza que essa escola que a gente tem não funciona.

E na escola pública?

Existe uma negativa velada da matrícula. Quando a diretora fala: "É claro, vamos matricular seu filho, ele só não vai aprender. Aqui a gente não está preparado. Mas a gente vai receber". Isso é uma violência institucional absurda, mas ainda é um comportamento muito comum. Não negam, mas desencorajam a matrícula. Mas, em escala, sem dúvida nenhuma, a gente tem mais inclusão de qualidade na rede pública do que na rede privada.

Pode sugerir alguma prática de inclusão defendida pelo Movimento Down?

Uma delas é a bidocência. Com dois professores em sala, você não coloca essa necessidade de um professor mediador para cada aluno com deficiência, mas também não deixa o professor regente sozinho. Esse esquema, em especial quando há aluno especial, tem possibilitado um trabalho de diversificação das atividades pelos educadores, e não coloca essa marca de que aquele professor a mais é daquele aluno. Ele é de todo mundo, inclusive do aluno com deficiência.

* do Extra.