Política Lava-Jato

Para Janot, anistia a caixa dois é tentativa de implodir Lava-Jato

Procurador comparou projeto a decreto que acabou com Mãos Limpas na Itália

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denuncia que anistia a caixa dois pode minar Lava-Jato
Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo / 1-2-2016
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denuncia que anistia a caixa dois pode minar Lava-Jato Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo / 1-2-2016

BRASÍLIA — O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, comparou o recente movimento no Congresso Nacional pela aprovação de um projeto de anistia ao caixa dois ao início da reação conservadora que implodiu a Operação Mãos Limpas, na Itália, na década de 90. Para Janot, o projeto da anistia, visível resposta dos meios políticos contra a Lava-Jato, é similar ao decreto Conso, conjunto de medidas adotada pelo então ministro da Justiça italiano Giovanni Conso para descriminalizar a movimentação de recursos de campanhas eleitorais não declarados às autoridades fiscais.

— A anistia, se for levada adiante, pode desidratar a Lava-Jato — disse Janot, ao GLOBO.

Em análises internas entre o procurador-geral e auxiliares mais próximos, a anistia ao caixa dois significaria perdão para corrupção e lavagem de dinheiro. Pessoas investigadas, ou até mesmo condenadas na Lava-Jato por estes crimes, poderiam alegar que receberam dinheiro de origem não declarada para bancar gastos de campanhas eleitorais e não para enriquecimento pessoal. Ou seja, teriam se envolvido em caixa dois, uma irregularidade de natureza política, e não em crimes graves e já tipificados pelo Código Penal.

ANISTIA PODE VOLTAR À PAUTA COM OUTRA ROUPAGEM

O decreto Conso é considerado por especialistas no tema como o começo do fim da Mãos Limpas. Um ano depois da edição dele, o empresário Silvio Berlusconi foi eleito primeiro-ministro e, para muitos, deixou a Itália quase no mesmo estágio anterior às grandes investigações sobre corrupção no país. Para Janot, o perdão ao caixa dois após tanto trabalho de investigadores da Lava-Jato pode realimentar a ideia de afrouxamento das regras e volta da impunidade.

O alerta do procurador-geral foi durante o seminário “Grandes casos criminais: experiência italiana e perspectiva no Brasil”, promovido pelo Conselho Nacional do Ministério Público em junho deste ano. No evento, Janot teve longas conversas com o deputado Antonio Di Pietro, procurador responsável pelo início das investigações da Mãos Limpas, sobre os possíveis cenários que vinham se desenhando contra a Lava-Jato. Os dois compartilharam o ponto de vista de que a resistência contra as ações criminais teria certamente origem na mudança das leis.

Menos de três meses depois do encontro, as preocupações dos dois investigadores estão se materializando. Nas últimas semanas, surgiu no Congresso Nacional um movimento da anistia ao caixa dois. A aprovação do projeto era articulada na surdina por PMDB, DEM, PT e PSDB, entre outros partidos. A iniciativa só perdeu força depois que a manobra foi denunciada pelo colunista Merval Pereira, no último domingo.

A revelação de que o projeto seria levado ao plenário da Câmara no dia seguinte teve forte repercussão e os parlamentares tiveram que mudar de planos. Investigadores desconfiam que grupos atingidos pela Lava-Jato ainda vão tentar aprovar a anistia, ainda que com uma roupagem diferente.