Rio

MP pede investigação de tiros durante trabalho de repórter

Em vídeo, PM aponta arma para jornalista e disparos são ouvidos
Agressão. Policiais, ao fundo, espancam um homem: flagrante registrado em vídeo por repórter
Foto: reprodução de vídeo
Agressão. Policiais, ao fundo, espancam um homem: flagrante registrado em vídeo por repórter Foto: reprodução de vídeo

RIO - O Ministério Público estadual vai pedir a abertura de um Inquérito Policial-Militar para investigar a ação de PMs que, no último sábado, fizeram disparos para tentar impedir o trabalho de um repórter do GLOBO. O jornalista filmava com um celular um grupo de policiais que espancava um rapaz, até agora não identificado, durante uma operação para desocupar a Favelinha da Skol na Avenida Itaoca, um dos acessos à comunidade Nova Brasília, no Complexo do Alemão. O repórter, que teve de interromper a gravação para fugir dos disparos, não foi ferido. Ele será ouvido hoje pelo promotor Paulo Roberto Mello Cunha Júnior, que, junto à Auditoria Militar, acompanhará todo o desenrolar das investigações. A Diretoria Jurídica da Infoglobo, empresa responsável pelo jornal, já está adotando as medidas legais cabíveis para o caso.

Nas imagens feitas pelo repórter, vários policiais aparecem agredindo um homem a socos e pontapés. Num determinado momento, um dos agentes percebe que estava sendo filmado e aponta uma arma em direção ao jornalista. Segundos depois, é ouvido, no vídeo, o som de três disparos. Não é possível afirmar se os tiros eram de arma de fogo ou de equipamento não letal. No domingo, dia seguinte ao fato, a Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) alegou que eram balas de borracha. O perito criminal Mauro Ricart, ouvido pelo GLOBO, disse que balas de borracha são desferidas por escopetas, armas de calibre 12.

— Não é possível afirmar se os disparos foram feitos pelo grupo (que espancava uma pessoa) ou se eram de fuzil ou não, pois os tiros foram efetuados depois que o repórter correu e ficou atrás de um muro. Pelo barulho, me pareceu fuzil, mas não posso garantir. Como o som chega com muitos ruídos devido ao espaço, o microfone está na curva, não é uma linha reta. Tudo isso influencia o trabalho de perícia — explicou Mauro Ricart.

De acordo com a assessoria de imprensa da CPP, os PMs envolvidos no caso são de Unidades de Polícia Pacificadora do Complexo do Alemão. Eles já estão sendo ouvidos, e o caso é investigado internamente. Questionada, a CPP não informou o motivo da agressão ao homem, que não foi identificado. Na 45ªDP (Alemão), nenhuma ocorrência com as características do incidente filmado foi registrada até a noite de ontem.

De acordo com Vitor de Lima Guimarães, integrante da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), cerca de 240 famílias foram retiradas da Favela da Skol no sábado e, durante a confusão, segundo ele, pelo menos quatro pessoas foram atingidas por bala de borracha. Ele também foi ferido por um disparo de arma não letal e acabou sendo levado à delegacia, sob a acusação de resistir à intervenção policial. O MTST deverá entrar com uma representação no Ministério Público e na Corregedoria da Polícia Militar.

Mais cedo, no mesmo dia, uma equipe do jornal comunitário “Voz da Comunidade’’ foi detida. Rene Silva, fundador do jornal, e seu irmão, o fotógrafo Renato Moura, foram presos sob as acusações de desacato e desobediência. A dupla registrava o trabalho da PM durante a reintegração de posse, e Rene teve apreendido o celular com o qual fazia uma transmissão ao vivo pelo Facebook. O repórter do GLOBO que gravou as agressões tinha ido ao local justamente para obter informações sobre a prisão dos dois. Ao chegar, policiais tentavam retirar pessoas que haviam voltado ao terreno.

— Por volta das 11h40m de sábado iniciei a transmissão. Fiquei ao vivo por apenas cinco minutos, foi o tempo de um policial se aproximar e dar um tapa na minha mão. Ele pegou meu celular e colocou no bolso. Como fiquei insistindo para ele me devolver o celular, o PM me algemou e me levou para a delegacia — disse Rene, que está recebendo apoio da Defensoria Pública do estado.

No episódio, Deyvid Batista da Silva, que estava no local, também também foi preso. O delegado Fábio Asty, titular da 45ª DP, disse que os três, além de responderem por crime de desobediência, serão investigados por esbulho possessório (invasão de propriedade).

ENTIDADES REPUDIAM VIOLÊNCIA

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) repudiou a ação da polícia contra os jornalistas. Em nota, destacou que “é extremamente grave que a Polícia Militar do Rio de Janeiro tenha atentado contra a liberdade de imprensa e violentado o direito à informação. O equipamento de um jornalista nunca pode ser apreendido, sob nenhuma hipótese. A vida de um profissional de comunicação não pode ser colocada em risco. São práticas inaceitáveis em um Estado democrático”. A Abraji exige ainda a punição dos responsáveis pelas violações. “A impunidade apenas serve de endosso a ilegalidades como essas”, diz a nota.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio também se manifestou sobre o caso: “O sindicato repudia a truculência de policiais militares contra o jornalista e os comunicadores populares Rene Silva e Renato Moura”.