Economia

Os caminhos para unir um Rio desigual

Metade mais pobre dos cariocas detém só 10,7% da renda. Concentração aumentou em 40 anos

Abismo social. Vista do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana: avanço educacional foi menor para os cariocas pobres entre 2001 e 2010, o que ajuda a explicar o motivo de a distribuição de renda na cidade ter avançado menos que a do Brasil
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Agência O Globo
/ Custodio Coimbra
Abismo social. Vista do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana: avanço educacional foi menor para os cariocas pobres entre 2001 e 2010, o que ajuda a explicar o motivo de a distribuição de renda na cidade ter avançado menos que a do Brasil Foto: Agência O Globo / Custodio Coimbra

RIO— A partir de 1º janeiro de 2017, o novo prefeito do Rio terá um desafio histórico: a crônica desigualdade da Cidade Maravilhosa, que faz os 10% mais ricos concentrarem 51,8% da renda, enquanto os 50% mais pobres ficam com 10,7%. Em 1970, essa apropriação da renda era de 43,9% para o topo da pirâmide e de 14,2% para a base. Há formas de avançar no caminho de um Rio mais igual, dizem especialistas, mudando a imagem da Cidade Partida, retratada pelo escritor Zuenir Ventura em 1994. Eles citam a vocação natural de saúde e esportes, o setor de óleo e gás, que, mesmo com a crise da Petrobras, é força econômica, e aproveitar o número menor de crianças para investir em estudo em tempo integral e nos jovens.O economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, que estudou o Rio de Janeiro ao longo de quatro décadas e constatou o aumento da desigualdade de 1970 a 2010, vê potencial na cidade, explorando o envelhecimento da população carioca. A proporção de idosos acima de 65 anos mais que dobrou no período, passando de 4,9% para 10,5%. Para o economista, o Rio poderia ser a Flórida brasileira, uma capital de saúde e esportes, aproveitando os investimentos em infraestrutura para as Olimpíadas.

Entre as 27 capitais, o Rio tem a segunda maior parcela de renda da Previdência (25,4% da renda total). Segundo Neri, 92,1% dos benefícios são maiores que o mínimo.

— O Rio pode virar a capital da saúde, onde medicina, qualidade de vida e esportes, dada a infraestrutura olímpica recém-instalada, têm lugar privilegiado. Também podemos aproveitar que a parcela de crianças vem caindo para melhorar a educação.

Apesar da desigualdade, o Rio ostenta qualidade de vida maior que o Brasil. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) da cidade é de 0,799, maior que o do Brasil, que é de 0,727. Nesse indicador, quanto mais próximo de 1, melhor a qualidade de vida, medida por renda média, educação e expectativa de vida.

A economista Hildete Pereira de Melo, professora da UFF, diz que o petróleo ainda é uma força no Rio:

— O petróleo ainda é uma questão importante. Não é uma carta fora do baralho. Há um polo tecnológico importante que foi montado.

Pelo estudo exclusivo do economista, diferentemente do Brasil, onde a desigualdade aumentou entre 1960 e 1970, os primeiros anos da ditadura militar, no Rio esse movimento se deu mais nos anos 1970 e 1990. Os 10% mais ricos ganhavam, em 2010, 21,8 vezes mais que os 10% mais pobres. Em 1970, a relação era de 14,52 vezes.

A concentração de renda na cidade Foto: Arte/ O Globo
A concentração de renda na cidade Foto: Arte/ O Globo

A partir de 2011, o caminho na direção de uma sociedade mais justa começou a ser trilhado, e a desigualdade passou a recuar lentamente. No Brasil, a distribuição de renda melhorou a partir de 2001.

A boa notícia é que, apesar de a desigualdade permanecer alta, não está subindo como no Brasil, nos últimos trimestres. O país amarga dois anos de recessão forte, com aumento rápido do desemprego e piora na distribuição de renda:

— A desigualdade brasileira sobe nos últimos dois anos, e a do Rio fica estável.

Os eventos esportivos blindaram o Rio da crise brasileira. Enquanto o rendimento do trabalho no país caiu 5,54% no segundo trimestre de 2016, frente ao mesmo período do ano passado, no Rio, ainda permanecia subindo 7,4%, diz Neri.

O economista Manuel Thedim, do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets), diz que, a curto prazo, o Rio vai sofrer:

— Não tem caminho bonito a curto prazo. Do mesmo jeito que as Olimpíadas foram um amortecedor para a crise, o fim dos Jogos vai corrigir essa direção. Mas o lado positivo é que o Brasil está parando de piorar, o que pode ajudar o Rio.

Na perspectiva histórica, Hildete diz que o Rio perdeu muito economicamente nesses 40 anos, com as indústrias indo para São Paulo, levando o centro financeiro a reboque:

— Perdemos indústria para São Paulo e para a Zona Franca de Manaus. Tínhamos aqui um polo eletroeletrônico que migrou para a Zona Franca, criada em 1967, levando os bons empregos. Isso sem falar no setor naval. Com a crise, veio um desemprego enorme.

Thedim oferece outra explicação para a desigualdade na cidade. Ao analisar os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc), do IBGE, observou a dificuldade dos cariocas menos escolarizados em manter sua renda, enquanto aqueles que têm mais de 12 anos de estudo conseguem proteger os ganhos ou perder menos em momentos de recessão. Um dos motivos para essa disparidade é a alta concentração, na capital, de servidores públicos e aposentados, que conseguem preservar a renda.

— O Rio tem escolaridade maior que a do resto do Brasil. E os mais ricos conseguiram proteger a renda diante da crise extraordinária na década de 1980. Os mais pobres sofreram mais.

TRANSFERÊNCIA DE RENDA MAIOR A PARTIR DE 2011

Neri constatou que o avanço educacional foi menor para os cariocas pobres do que para a média brasileira entre 2001 e 2011, o que também ajuda a explicar por que o Brasil distribuiu melhor a renda desde 2001. No país, a escolaridade cresceu 2,32% ao ano de 2001 a 2011, contra 1,3% no Rio.

Os programas de transferência de renda também só começaram a vir com força para a cidade a partir de 2011, afirma o diretor da FGV Social:

— Um dos fatores por trás da redução da desigualdade brasileira foi a implementação de programas como Bolsa Escola e, depois, Bolsa Família, a partir de 2000. O Rio ficou fora desse movimento inicialmente, pela sua renda mais alta e, depois, por afastamento entre níveis de governo. Houve um esforço de cadastramento local no Bolsa Família, e, a partir de 2011, foi adotado o Cartão Família Carioca. A renda dos mais pobres, que não aumentou no período de 2001 a 2011, passou a crescer com as transferências.

Neri lembra a frase do economista André Urani, um estudioso das questões do Rio, morto em 2011, que traduz a distância social em terras cariocas:

— Ele dizia que, no Rio, bastava atravessar uma rua para o IDH mudar.