A menos de dois meses do início das Olimpíadas, o Rio de Janeiro decretou estado de calamidade pública, uma espécie de reconhecimento legal de uma situação anormal, normalmente provocada por desastres que causam sérios danos à comunidade afetada. O principal objetivo desse decreto foi justamente conseguir mais empréstimos para a conclusão de obras e pagamento de serviços ligados aos Jogos Olímpicos.

 

Foi uma forma de destravar novos empréstimos para o Estado - os repasses estavam bloqueados desde maio, quando o Rio de Janeiro não pagou sua dívida com a Agência Francesa de Desenvolvimento. Além disso, o decreto abre a possibilidade de execução de medidas excepcionais sem autorização do Legislativo, como realocação de verbas e cortes de serviços para priorização de outras áreas.

 

No cerne desta crise está a má gestão das finanças públicas fluminenses nos últimos anos. Nos anos em que o Brasil - e, em particular, o Rio de Janeiro - “surfava” no boom das commodities, com destaque para os altos preços do petróleo, houve forte concessão de isenções fiscais a empresas no Estado e elevação significativa dos gastos com funcionalismo público.Entre 2008 e 2013, como destaca um relatório do TCE (Tribunal de Contas do Estado), o governo estadual deixou de recolher sobre o ICMS(Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) cerca de R$ 138 bilhões em isenções fiscais.Além disso, o gasto com pessoal superou os limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

 

Com certo espírito de cigarra, o Rio de Janeiro não se preparou para o fim do período de “superpreços” do petróleo - cuja cotação passou de US$110 por barril, em 2011, para US$ 50, em 2015. Entretanto, a queda da arrecadação com a atividade petrolífera não foi ocasionada apenas pela variação do preço da commodity energética. A Lei do Pré-Sal, aprovada em 2010 pelo Governo Federal, reduziu a parcela dos royalties gerados no setor petrolífero repassados aos estados produtores, entre eles o Rio de Janeiro se destaca.

 

O déficit do Rio de Janeiro para este ano é estimado em R$19 bilhões. Em abril, por exemplo, o Estado registrou uma dívida pública líquida equivalente a 201% da sua receita, patamar altíssimo e superior ao limite de 200% imposto por resolução do Senado. Vale ainda ressaltar que a ajuda que o Estado irá receber do governo federal é equivalente a, aproximadamente, um terço das isenções fiscais previstas pela Secretaria da Gestão e Planejamento do Estado. O que se deve esperar do Rio agora, segundo o próprio governador Francisco Dornelles, são “medidas duras” nas finanças do Estado. Apesar de ele não citar quais serão essas medidas, há uma expectativa de um corte de pessoal no aparato público e extinção de secretarias.

 

Após a medida extrema adotada pelo Rio, o governo federal foi acometido de um grande receio de que outros estados em situação financeira semelhante sigam o mesmo caminho. Caso outros estados de grande importância, como Minas Gerais e Rio Grande do Sul, decretem estado de calamidade pública, podemos esperar um forte impacto na dívida nacional. Tome-se o exemplodo empréstimo consignado, umas das operações de crédito de menor risco, que se tornou uma grande preocupação para os bancos. Com o estado deplorável das finanças dos governos estaduais, principalmente dos três já citados, o medo dos bancos é que casos como o do Rio - que deixou de repassar parte do pagamento do consignado aos bancos - se tornem mais frequentes.

 

A crise financeira desses estados é tão grave que a contraproposta apresentada pela equipe econômica para alívio de curto prazo nas finanças dos governos estaduais não resolve o problema individual de cada um dos três. A intenção do governo federal era negociar com todos os governadores, na segunda-feira (20/06), em uma negociação “genérica” e dar uma atenção especial aos estados em situação mais grave, porém o decreto de calamidade do Rio pode comprometer a negociação com eles.

 

Apesar de todo impasse, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, negou que o decreto causará algum risco para os Jogos Olímpicos e garantiu que não haverá atrasos nas obras para os jogos. Inclusive, uma das principais razões do decreto foi garantir a conclusão da linha 4 do metrô e o pagamento do salário dos funcionários públicos. De maneira direta e franca, o diretor de comunicação dos Jogos Olímpicos, Mário Andrada, afirmou: “Todo mundo já sabia que o Estado do Rio estava sem dinheiro, e o Estado cumpriu todas suas obrigações com a gente”. Portanto, apesar da crise, ninguém duvida que as Olimpíadas vão acontecer. No entanto, vamos demorar a saber qual será o verdadeiro custo do evento para a sociedade – o discurso que o saldo será benéfico para o Brasil fica cada dia menos provável.