Coluna
Carlos Andreazza Carlos Andreazza Carlos Andreazza
O editor e colunista Carlos Andreazza Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

A eficiência de Freixo

O PSOL agrada a descolados e culpados da Zona Sul com seu discurso de DCE, mas é a chancela política ao tipo de liberdade que dispara rojão contra as pessoas

Uma terça-feira histórica para a educação no Brasil: 27 de setembro de 2016. Nesse dia, o STJ determinou, por unanimidade, que Caio Souza e Fabio Raposo sejam submetidos a júri popular, acusados de homicídio qualificado e com dolo eventual — aquele em que se assume o risco de matar — na morte do cinegrafista Santiago Andrade, em 2014.

Isso — que a dupla enfrente um tribunal composto por cidadãos leigos, com toda a repercussão, inclusive pedagógica, natural a tal tipo de julgamento — só será possível porque, ao contrário do que escreveu Gregório Duvivier, os dois black blocs não “têm 12 anos, espinhas e mochila cheia de roupa preta e remédio para acne”.

Era dia de Cosme e Damião, mas o que o STJ distribuiu não foram doces a marmanjos, mas a compreensão adulta de que atos têm consequências.

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É subjetiva a responsabilidade que uma celebridade — ao condescender com a anarquia — pode ter sobre as ações de quem a escuta. A irresponsabilidade, porém, é clara e objetiva.

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“Eu acho que é um movimento, assim como são... Vários movimentos têm métodos distintos. Eu não sou juiz para ficar avaliando os métodos em si. Eu tenho uma militância de muitos e muitos anos, muito antes do Parlamento. São mais de 25 anos de militância. Tem uns métodos que eu acho que são mais eficientes, tem outros métodos que eu acho que são menos. Mas eu não sou juiz pra dizer que movimento é um movimento correto ou não é. Eu acho que qualquer movimento que visa à construção de uma sociedade mais justa é válido, e os métodos são... representam outro debate.”

O autor da fala — proferida em 10 de setembro de 2013 e revelada pelo jornalista Felipe Moura Brasil — é Marcelo Freixo, do PSOL. O movimento a que se refere é o Black Bloc.

Naquele dia, pouco antes, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro aprovara o projeto de lei que proibia o uso de máscaras em protestos.

O voto de Freixo? Contrário, claro.

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Moura Brasil também pinçou isto:

"Para quem pretende mudar o mundo de verdade, não deve parecer utópico ou ingênuo demais querer ver os movimentos e partidos da esquerda coerentes, como o PSOL, dialogando com a tática black bloc, respeitando todas as táticas e o máximo possível as sensibilidades mais positivas da opinião pública e da consciência das massas, respeitando-a e sem capitular a ela, como defendia Lênin, ou disputando a hegemonia, como teorizava Gramsci (...).”

O texto, de Edilson Silva, membro da executiva do PSOL, foi publicado — no site do partido — em 15 de outubro de 2013 e também tratava a “tática Black Bloc” como “algo progressivo” e “politicamente moderno”.

Tratava. Porque, em 6 de fevereiro de 2014, Santiago Andrade foi morto — seu mundo e o de sua família, com efeito, mudaram de verdade. E o texto desapareceu.

O escrito e seu sumiço são, para usar a palavra do nada ingênuo Sr. Silva, táticos — e, sim, coerentes a uma esquerda como a do PSOL, que agrada a descolados e culpados da Zona Sul com seu discurso de DCE, mas que, na prática, é a chancela política ao tipo de liberdade segundo o qual grupos de pressão, rostos tapados, podem fazer o que quiserem. Inclusive disparar rojão contra pessoas.

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Antes de nos dedicarmos à fala de Marcelo Freixo, o fetiche dos artistas cariocas, em cujo palanque recentemente subiram Chico Buarque e Wagner Moura, cabe uma palavrinha sobre a referência a Antonio Gramsci no site do PSOL.

Interessa-nos aqui o uso do termo “hegemonia” — que, em Gramsci, outra coisa não significa que ocupação de espaços de influência, nas universidades, nos jornais, nas editoras, nos palcos e nas telas. Trata-se do mais bem-sucedido movimento internacional da esquerda desde que a União Soviética expôs — com milhões de mortos — a mentira do comunismo.

No Brasil, hoje, ninguém explora isso melhor que o PSOL. Não foi à toa, pois, que Marcelo Freixo chegou ao segundo turno da eleição a prefeito sem que a população carioca conhecesse suas reais ideias.

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Agora, sim, analisemos a fala de Freixo. Vou direto à imoralidade. O leitor note que não há, segundo esse senhor, método inaceitável, condenável, reprovável ou, vá lá, inapropriado. A variação é apenas de eficiência — uns mais, outros menos.

De início, sem juízo, o olhar dirigido à ideia de movimento — o leitor repare — é apenas amoral, desprovido de caráter, sem nuances, largo. Cabe tudo ali. Há tolerância, boa vontade, de modo que de repente se igualariam, por exemplo, os movimentos estudantil e Black Bloc.

Mas não se chega ao final da pensata sem que o que poderia ser compreendido como afago complacente de pai num filho malcriado revele sua natureza bárbara.

Santiago Andrade morreu vítima da construção de uma sociedade mais justa.

É válido? Lênin diria que sim.

Os métodos representam outro debate? Não seria, então, a hora de fazê-lo, Freixo?

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É subjetiva a responsabilidade que um homem público — em sua conivência com movimentos e táticas — pode ter sobre os atos de quem o segue. A irresponsabilidade, porém, é clara e objetiva.

Carlos Andreazza é editor de livros

ca.andreazza@gmail.com

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