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Presidente do Corinthians fraudou ata de reunião da arena que favorecia Odebrecht

Presidente do Corinthians fraudou ata de reunião da arena que favorecia Odebrecht

Roberto de Andrade assinou ata de assembleia na qual se identificou como presidente dois dias antes de ser eleito. A reunião deliberou sobre um aditivo que daria maior prazo para as obras à empreiteira

RODRIGO CAPELO
21/10/2016 - 16h51 - Atualizado 31/10/2016 20h07
Roberto de Andrade, presidente do Corinthians (Foto: Daniel Augusto Jr.)

No fim da tarde de 6 de fevereiro, um sábado, Roberto de Andrade saiu vitorioso na eleição para presidente do Corinthians. De camisa polo azul-clara e com adesivo "Roberto Presidente" colado no peito, o candidato comemorou de braços dados e erguidos com os vice-presidentes da chapa, André Luis Oliveira e Jorge Kalil, e o ex-presidente corintiano Andrés Sanchez. No primeiro discurso, o novo mandatário homenageou os colegas e prometeu trabalho. "Vamos começar daqui a pouco", disse. Na verdade o "trabalho" já tinha começado. Às 10 horas de 4 de fevereiro, a quinta-feira anterior, Andrade se apresentou como presidente do Corinthians em reunião que deliberou sobre a Arena Corinthians. Antes de ter sido eleito.

O candidato Roberto, identificado como presidente, assinou a lista de presença da assembleia geral de cotistas que tomou uma série de decisões sobre o estádio. Uma delas tratou de um aditivo ao contrato de construção da arena com a Odebrecht. Andrade concordou em dar maior prazo para a conclusão das obras. O aditivo também garantia que a construtora não devia mais nenhum valor à Arena Corinthians. Apesar da autorização em assembleia, o aditivo não foi assinado posteriormente. Outra deliberação ratificou a assinatura de contrato para exploração do estacionamento com a empresa Omnigroup. Em outra foi dada autorização para que a BRL Trust, empresa que comanda o fundo de investimento imobiliário que administra a Arena Corinthians, alterasse, por meio de aditivos, contratos relativos ao financiamento da construção com a Caixa. A reunião deliberou sobre pontos estratégicos para o futuro do estádio.

A assinatura de Roberto de Andrade Souza, acompanhada da palavra "presidente" e do escudo do Corinthians, consta na ata da assembleia em questão. A ata da assembleia foi registrada em cartório em São Paulo, no 2º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica, e foi obtida por ÉPOCA. O documento foi assinado por representantes dos outros cotistas, Odebrecht e Arena Itaquera.

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Ata de assembleia da Arena Corinthians (Foto: Reprodução)

A atitude pode ser configurada como falsidade ideológica, quando alguém insere uma declaração falsa em documento público ou privado, segundo advogados consultados pela reportagem. A pena prevista para esse crime pelo Código Penal é de multa e um a três anos de reclusão para documentos particulares, como é o caso da ata em questão. Mas isso depende da avaliação do caso. "O crime só existe se houver relevância jurídica, isto é, se o ato praticado puder causar prejuízo", explica o advogado criminalista Fábio Delmanto.

As regras impostas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para fundos de investimentos imobiliários, como o que comanda a Arena Corinthians, também podem ter sido desrespeitadas. A Instrução CVM 472 estabelece que somente podem votar em assembleias gerais os cotistas com representantes legais ou procuradores constituídos legalmente há menos de um ano. ÉPOCA procurou o ex-presidente Mário Gobbi, em exercício naquele momento, para saber se a diretoria alvinegra havia feito uma procuração para que Andrade a representasse na reunião do estádio, mas o ex-presidente preferiu não comentar. A ata não acompanha nenhuma sinalização de que Andrade representava o Corinthians como procurador.

Andrade não tinha, naquela data, cargo na diretoria corintiana havia mais de um ano, conforme prevê a ICVM 472. Embora tenha sido diretor de futebol de Mário Gobbi, Andrade deixou o cargo em janeiro de 2014. O atual presidente só voltaria a ter poder legal para representar o Corinthians dois dias após a assembleia em questão, quando venceu as eleições para presidente. O resultado do pleito não era previsível a ponto de encorajar o candidato a se identificar como presidente do clube em uma reunião da arena antes das urnas. Andrade obteve 1.848 votos, 57% do total, enquanto o candidato da oposição, Antonio Roque Citadini, recebeu 1.393, ou 43% dos votos.

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Ata de assembleia da Arena Corinthians (Foto: Reprodução)

Procurado por ÉPOCA, Andrade afirma, por meio de advogado, que a ata da assembleia levou alguns dias para ser lavrada – redigida e registrada em cartório. "Por esse motivo pediram a assinatura dele no documento", diz Luiz Felipe Santoro, advogado do Corinthians. Gobbi, ex-presidente na data da lavratura da ata, não tinha mais condição legal para assinar o documento, ainda de acordo com o advogado corintiano. Santoro acrescenta que Andrade não participou daquela assembleia, embora tenha assinado a lista de presença. O presidente corintiano foi questionado duas vezes sobre a a presença, mas não respondeu às mensagens da reportagem.

A justificativa apresentada pelo atual presidente corintiano não o livra de ter cometido uma irregularidade. É comum que a lavratura de atas, em fundos com poucos sócios, aconteça em uma data posterior à reunião. Mas o documento assinado precisa necessariamente refletir o que ocorreu na assembleia. Se Andrade não esteve presente na assembleia, não poderia ter assinado a lista de presença. Em nenhuma hipótese, segundo advogados ouvidos por ÉPOCA, um cotista pode assinar a lista de presença sem ter comparecido à reunião. O fato de Andrade ter sido eleito dois dias após a reunião também não muda a posição que ele tinha no dia da reunião, a de candidato. Em português claro: a ata foi fraudada de qualquer maneira – com ou sem a presença de Andrade na reunião.

ÉPOCA também procurou a BRL Trust, responsável por gerir o fundo que comanda a Arena Corinthians. A reportagem deixou mensagens no celular de Rodrigo Cavalcante, sócio diretor da empresa, mas não obteve nenhuma resposta. ÉPOCA ligou para Sérgio Luiz Verardi Dias, advogado da BRL e também presidente da mesa da assembleia geral de cotistas de 5 de fevereiro. Dias pediu para conversar às 14 horas desta sexta-feira (21), mas não atendeu mais o telefone. A reportagem fez quatro tentativas de contato a partir do horário combinado, uma a cada 30 minutos, mas o advogado da BRL não voltou a atender. A Odebrecht, cotista, também procurada, afirmou que não vai se posicionar sobre o caso.

Após a publicação desta reportagem, o Corinthians publicou nota oficial para rebater ÉPOCA. O clube repetiu a versão informada pelo advogado do clube à reportagem, de que Andrade já era presidente na data da lavratura da ata da reunião. Também acrescentou que "sequer houve reunião presencial" e que a ata foi elaborada pela BRL Trust e assinada pelo Corinthians e pela Odebrecht.

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