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Maior legado olímpico da história, Barcelona é referência para a Rio 2016

Membros do Comitê Organizador dos Jogos de 1992 dão a receita: planificar bem, acreditar na vitória e rentabilizar as instalações. Conheça essa história de sucesso

Por Barcelona, Espanha

Fim da Olimpíada. Fim da Paralimpíada. O sucesso dos Jogos foi a primeira vitória conquistada pelo Rio de Janeiro, e a Rio 2016 será sempre lembrada de forma positiva. Mas a conquista maior, mais importante, ainda está por vir. A questão agora é o legado olímpico. A cidade saberá aproveitá-lo? Daqui a 10, 20, 30 anos o povo carioca continuará usufruindo das mudanças? As novas construções passarão por manutenção constantemente e terão vida longa? Projetos existem, mas essas perguntas não podem ser respondidas neste momento. Só com o tempo.

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, sempre usou como referência a Olimpíada de 1992 em Barcelona. É praticamente unanimidade apontar aqueles Jogos como maior exemplo de como aproveitar o legado olímpico. A cidade catalã, de fato, passou por enorme transformação que a impulsionou a mudar de patamar. Hoje, é um dos principais pontos turísticos do mundo muito em função dessas mudanças.

Praia Barcelona antes e depois da Olimpíada de 1992 (Foto: J. Trullàs / Barcelona Turisme e Reprodução Internet)Olimpíada de 1992 foi a chave para que Barcelona fizesse a principal transformação pendente há anos: trocar lixo e linhas de trem pelo acesso às praias. A cidade era "de costas para o mar" (Foto: J. Trullàs / Barcelona Turisme e Reprodução)

Se o Rio de Janeiro fizer como Barcelona, garantirá a conquista também do legado olímpico. Por isso, o GloboEsporte.com buscou pessoas que participaram diretamente da organização da Olimpíada de 1992. A reportagem conversou com três membros daquele Comitê Organizador: o empresário Josep Miquel Abad, conselheiro delegado do evento; o jornalista Pedro Palacios, chefe do gabinete de imprensa; e o também jornalista Martí Perarnau, diretor do centro de imprensa. Eles apontaram as razões para o sucesso duradouro dos Jogos e deram dicas para que a Cidade Maravilhosa vá pelo mesmo caminho.

Os Jogos foram nossa chance de realizar uma imensa lista de alterações públicas que, apesar de estarem previstas havia anos, estavam sempre pendentes"
Josep Miquel Abad, conselheiro delegado da Olimpíada de 1992

- Há dois grandes modelos de planejar a celebração de um grande acontecimento que signifique um grande impacto sobre a estrutura urbana: o que subordina os interesses do evento aos interesses da cidade e do país; e o que subordina os interesses da cidade e do país aos interesses do evento. Barcelona optou clara e transparentemente pelo primeiro, quer dizer, por utilizar os Jogos em benefício da cidade e de seus cidadãos - definiu o executivo Abad, tido como um dos principais responsáveis pelo projeto.

- A primeira coisa é acreditar que fizeram uma grande Olimpíada, um grande trabalho. O carioca tem que dizer: "Fomos capazes de realizar". Tem que se sentir orgulhoso. E o Rio de Janeiro tem muito mais atrativos do que Barcelona tinha em 1992. Acho que em 2017 o Rio já será a "capital" da América Latina, à frente de Buenos Aires e outras cidades. Sem dúvida o Rio passa a ser a cidade mais importante da América Latina - disse Pedro Palacios.

Transformações da cidade e o legado intangível

Foram muitas as transformações que ocorreram em Barcelona até 1992. A principal, na opinião da maioria do povo catalão, foi a recuperação do mar. Eles costumam dizer que a cidade era "de costas para o mar". Havia muitas vias de trem, construídas muitos anos antes, que impediam o acesso às praias - que por sinal eram muito sujas. A reconstrução de Barcelona permitiu esse acesso, e hoje as praias são chamariz de turistas.

Porto Olímpico de Barcelona: ponto esportivo e também turística, com bares e restaurantes (Foto: Espai d'Imatge / Barcelona Turisme)Porto Olímpico: ponto esportivo e também turístico, com bares e restaurantes (Foto: Espai d'Imatge / Barcelona Turisme)

Outras mudanças de muito destaque foram a construção da Vila Olímpica, que depois de servir para os atletas virou um bairro residencial dos mais procurados da cidade; a construção do Porto Olímpico e do Palau de Sant Jordi, que recebe muitos eventos esportivos e espetáculos; a reforma do Estádio Olímpico; e a ampliação do Aeroporto de El Prat.

Desses ícones, apenas o estádio atualmente tem pouca utilidade. Foi a casa do Espanyol, time da Primeira Divisão do Campeonato Espanhol, de 1997 a 2009, mas hoje só recebe grandes shows esporadicamente.

- Os Jogos foram nossa chance de realizar uma imensa lista de alterações públicas que, apesar de estarem previstas havia anos, estavam sempre pendentes. Mudanças na infraestruturas do transporte terrestre, aéreo e marítimo, nos sistemas sofisticados de comunicação, segurança, construção de moradias, tratamento de resíduos, entre outras coisas - afirmou Abad.

Palau Sant Jordi Barcelona (Foto: Espai d'Imatge / Barcelona Turisme)Palau Sant Jordi, construído para os Jogos, é utiizado constantemente (Foto: Espai d'Imatge / Barcelona Turisme)

O maior legado olímpico para Barcelona, no entanto, foi intangível. Muita gente "descobriu" a cidade por conta do sucesso nos Jogos, que serviram de projeção europeia e mundial. A partir daí passou a ser atrativa ao turismo. O resultado foi além do esperado em termos de crédito e prestígio.

- Ficamos impressionados em relação a como melhorou a imagem e a marca de Barcelona. Deixou de ser uma cidade de terceira categoria na "Champions das cidades do mundo" e passou a estar no primeiro nível, das grandes cidades - declarou Palacios.

"Tridente de Ouro" na política

O sucesso dos Jogos de 1992 teve como base um grande trabalho feito pelo Comitê Organizador. O jornalista Pedro Palacios, chefe do gabinete de imprensa na época, aponta um "Tridente de Ouro" como principal responsável: o ex-prefeito de Barcelona e presidente do Comitê Organizador Pasqual Maragall; o já falecido político espanhol e ex-presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI) Juan Antonio Samaranch; além do conselheiro delegado Josep Miquel Abad. Há quem diga que, se os Jogos fossem hoje, o resultado seria bem diferente.

- Estou muito convencido de que hoje em dia não se conseguiria um êxito como se conseguiu naquele momento. Havia grandes líderes políticos, principalmente Pascall Maragall, que tinha uma grande capacidade de pensar no futuro. A oposição viu que Pascall estava indo tão forte nisso que teve de somar esforços para não ficar para trás. Essa junção de forças foi fundamental. Acho que hoje em dia isso não seria possível - disse Martí Perarnau.

Rentabilizar não significa organizar a cada ano um Mundial de alguma modalidade nas instalações. Significa que os cidadãos do Rio possam praticar esportes nessas instalações, possam aproveitá-las"
Martí Perarnau, diretor do centro de imprensa nos Jogos de 1992 em Barcelona

O Rio de Janeiro, assim como Barcelona, passou por transformações para a Olimpíada. Houve avanços na mobilidade urbana, como a construção da Linha 4 do metrô ligando Ipanema à Barra da Tijuca - caminho que é foco de muito trânsito -, e da Transolímpica, além da criação do BRT e do VLT. A reforma da Praça Mauá e a ampliação do Aeroporto Internacional Tom Jobim também merecem destaque.

O ponto negativo foi ficar muito aquém da meta de tratar 80% do esgoto lançado na Baía de Guanabara - o número oficial está na casa de 52%. E a maior dúvida é em relação ao aproveitamento das instalações do Parque Olímpico, localizado na Zona Oeste.

Barcelona soube fazer isso muito bem. Um bom exemplo é o Centro Olímpico de Tênis de Vall d'Hebron, que consiste em um complexo de quadras que até hoje são muito utilizadas pelo povo da cidade a preços acessíveis.

- Rentabilizar as instalações esportivas depois dos Jogos não é fácil. Veja Atenas, onde há instalações esportivas totalmente destruídas, em ruínas. Meu conselho é: não façam como Atenas. E rentabilizar não significa organizar a cada ano um Mundial de alguma modalidade nas instalações. Significa que os cidadãos do Rio possam praticar esportes nessas instalações, possam aproveitá-las - afirmou Perarnau.

Barcelona vista do Tibidado (Foto: Ivan Raupp)Barcelona vista do Tibidabo: cidade moderna e um dos maiores pontos turísticos do mundo (Foto: Ivan Raupp)

O Rio de Janeiro já teve uma má experiência com o aproveitamento do legado de um evento esportivo: os Jogos Pan-Americanos de 2007. A maioria das instalações esportivas sofreu com problemas, enquanto a Vila do Pan tem graves defeitos estruturais.

Em relação à Rio 2016, a expectativa é de que os erros não sejam repetidos, afinal, espera-se que a cidade e as autoridades tenham aprendido com eles. O Rio precisou sediar uma Olimpíada para que mudanças cruciais fossem feitas. Agora o foco é saber aproveitar esse legado. Barcelona está aí para provar que é (muito) possível.