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20 anos depois: candidatura Rio 2004 tinha Fundão como eixo esportivo

Cidade Universitária seria o principal local de disputas na primeira candidatura carioca

Pedra fundamental. Pelé planta uma muda de pau-brasil na Ilha do Fundão, em 1996
Foto: Arquivo O Globo / Agência O Globo
Pedra fundamental. Pelé planta uma muda de pau-brasil na Ilha do Fundão, em 1996 Foto: Arquivo O Globo / Agência O Globo

RIO - Há duas décadas, o Rio viveu pela primeira vez a euforia olímpica. Foi em 1996 que o prefeito Cesar Maia lançou a candidatura da cidade para disputar, com outras dez concorrentes, o direito de sediar os Jogos de 2004. Berço das Olimpíadas, Atenas venceria a disputa, que sepultou um amplo projeto de revitalização de uma área degradada do Rio. Na proposta brasileira, a Ilha do Fundão seria o centro nervoso da competição, com uma configuração ainda hoje difícil de imaginar.

O projeto incluía a construção de uma Vila Olímpica com 2.100 apartamentos, para cerca de 15 mil atletas; um estádio com capacidade para 80 mil pessoas, em uma época na qual ainda não existia a Linha Amarela; e a criação de um parque ecológico que seria a maior área de lazer da cidade. No local destinado a ele, Pelé, então ministro extraordinário do Esporte, plantou uma muda de pau-brasil. Foi justamente a questão ambiental o principal entrave da candidatura: o norueguês Olav Myrholt, especialista do Comitê Olímpico Internacional (COI) em meio ambiente, ficou horrorizado ao ver esgoto in natura ser despejado na Baía de Guanabara através do Canal do Cunha, como lembra o ativista ambiental Sérgio Ricardo Lima.

— Os delegados do COI fizeram questão de visitar uma favela e foram levados ao Parque Royal. Na volta, o norueguês decidiu conhecer o Canal do Cunha, para desespero dos representantes do COB e do Comitê Rio 2004. Chocado, ele perguntou se aquilo era esgoto puro, e ouviu um constrangido sim como resposta — lembra.

Naquele ano, o ex-deputado federal Ronaldo Cezar Coelho (PSDB) era secretário estadual de Indústria e Comércio e assumiu o comando do Comitê Rio 2004 após a morte do então presidente, Renato Acher. Vinte anos depois, ele diz que o entusiamo popular em torno da candidatura foi decisivo para que o Brasil voltasse a concorrer e conquistasse o direito de sediar os Jogos, este ano. E reconhece que o projeto original tinha deficiências graves.


Maquete da Ilha do Fundão com as instalações olímpicas foi apresentada em 1996, durante evento no Copacabana Palace
Foto: William de Moura/18-11-1996
Maquete da Ilha do Fundão com as instalações olímpicas foi apresentada em 1996, durante evento no Copacabana Palace Foto: William de Moura/18-11-1996

— Escolhemos o Fundão porque as competições tinham que acontecer em terrenos públicos. Isso era um problema em termos de estratégia, mas não havia outra possibilidade. O COI questionou o Canal do Cunha, que é inexplicável, e nós prometemos que ele estaria limpo, com golfinhos pulando, o que não foi possível até hoje: aquilo ali era utilizado pelos traficantes como área de desova de corpos. Os atletas questionaram também o barulho provocado pelos aviões na Vila Olímpica, já que o Galeão fica próximo. As condições eram precárias — reconhece.

A dragagem do Canal do Cunha foi a única promessa efetivamente cumprida: aconteceu bem depois, entre 2009 e 2011, junto com a do Canal do Fundão. No entanto, de acordo com o biólogo Mário Moscatelli, todo o trabalho já foi perdido:

— A intervenção melhorou a circulação de água nos canais, mas a população não parou de despejar lixo e ambos continuam recebendo esgoto diariamente. Hoje, o Canal do Cunha ainda é uma latrina.


Canal do Cunha: os problemas da área são os mesmos de 1996
Foto: Agência O Globo / Marcelo de Jesus
Canal do Cunha: os problemas da área são os mesmos de 1996 Foto: Agência O Globo / Marcelo de Jesus

Sérgio Ricardo lamenta que partes do projeto consideradas importantes para a comunidade tenham sido abandonadas:

— Muita gente frequenta um trecho da área destinada ao parque ecológico nos fins de semana, para lazer, mas cerca de 40% do terreno em que ele ficaria já estão ocupados, com o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Petrobras (Cemps) e o Parque Tecnológico da UFRJ. A universidade também vai ter ali um Complexo Esportivo da Escola de Educação Física e Desportos, voltado para hóquei na grama e rúgbi, em construção pelo governo federal (a conclusão está prevista para abril).

Ronaldo Cezar Coelho prefere um tom mais conciliador. Ele enxerga as mudanças feitas nas candidaturas de 2012 e 2016 como um aperfeiçoamento do projeto, prevê o sucesso dos Jogos deste ano e defende o legado de 2004.

— Em 1996, o presidente Fernando Henrique nos liberou R$ 3,5 milhões para a confecção dos estudos e relatórios do projeto, que são a parte mais cara da candidatura. Boa parte desses estudos foi aproveitada em 2002, na vitória do Rio para sediar o Pan-Americano de 2007. É claro que a mudança do projeto para a Barra foi essencial e que as transformações feitas na cidade já são visíveis. Gosto da frase do Carlos Arthur Nuzman (presidente do COB) sobre as alterações: agora, vamos receber os visitantes na sala. A competição está fadada ao êxito — avalia.