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Na Serra do Caparaó, aventura e história do Pico da Bandeira

Movimento de turistas no parque cresceu substancialmente entre 2011 e 2015
Montanhas em torno do Pico da Bandeira Foto: Léa Cristina
Montanhas em torno do Pico da Bandeira Foto: Léa Cristina

SERRA DO CAPARAÓ - Por um dia e uma noite, você passeia pelo lado mineiro. Noutro dia e noite, fica pelo lado capixaba. Os aventureiros, com certeza, vão querer usar mais 24 horas em caminhadas e camping. Pronto, em dois ou três dias, o turista terá conhecido não só as trilhas que levam ao Pico da Bandeira, terceiro ponto mais alto do país, como o Parque Nacional do Caparaó e seu entorno, uma das belas regiões em que Minas e Espírito Santo se encontram.

E esse é só um dos roteiros possíveis. O que não faltam são opções na área ao redor do pico, que até recebeu uma bandeira na época do Império, quando se pensou que aquele era o ponto mais alto do país — mas hoje tem apenas um cruzeiro.

Pelas bandas de Minas, o visitante encontrará uma concentração maior de hotéis e restaurantes, um serviço turístico mais organizado. E, como consequência, preços mais altos. No Espírito Santo, onde o processo de recepção na Serra do Caparaó é mais recente, deverá optar, principalmente, por propriedades rurais — de cama&café a pousada-butique.

Seja de que lado for, o movimento de turistas no parque cresceu substancialmente entre 2011 e 2015: o número total passou de 29 mil para 54,5 mil nesses cinco anos, com as portarias mineira e capixaba respondendo, respectivamente, por 80% e 20%. Já na comparação dos sete primeiros meses de 2016 com igual período de 2015, registra-se uma redução de 35.449 para 32.623 visitantes, explicada, segundo os administradores, pela menor quantidade de feriados e por mais dias chuvosos.

Nascer do sol e cachoeiras

Agora, não se sabe por quê, quem escolhe acampar no parque e subir até o Pico da Bandeira, prefere a experiência do nascer do sol, do que a do pôr do sol. Sobe de tarde, desce de manhã. Neste caso, a melhor época para a visita é o inverno. Chove menos e os dias ficam mais cênicos. Já o verão é a estação mais indicada para quem estiver interessado nas várias cachoeiras do parque. Ou seja, o melhor período para a viagem depende da intenção de cada um.

E se dos dois lados da fronteira, a economia está fortemente voltada para o turismo com foco no parque, há outra atividade produtiva no entorno da serra que salta aos olhos até do turista menos atento: o café. São cafezais e cafezais, que não só fortalecem o turismo rural, como hoje já emprestam identidade à região.

Cruz. No Pico da Bandeira, não há uma bandeira; há um cruzeiro Foto: Sérgio Mourão/Setur Minas Gerais/Divulgação
Cruz. No Pico da Bandeira, não há uma bandeira; há um cruzeiro Foto: Sérgio Mourão/Setur Minas Gerais/Divulgação

— Por causa do café, o nome Caparaó está ganhando escala maior do que a área do parque: o café está funcionando como um carimbo, como identidade para a região — diz Anderson Nascimento, chefe do Parque Nacional do Caparaó, citando os prêmios de melhor café do Brasil obtidos por cafeicultores locais nos últimos anos.

A Guerrilha do Caparaó

Essa região na divisa dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo ganhou destaque no cenário político nacional no fim dos anos 1960, quando foi usada como ponto estratégico para revolucionários contra o regime militar, que se uniram em torno da chamada Guerrilha do Caparaó. A maioria era formada por militares que tinham sido cassados.

O grupo tentou criar no país uma espécie de Sierra Maestra, movimento em que, liderados por Fidel Castro, militantes cubanos derrubaram seu então presidente, Fulgêncio Batista, em 1º de janeiro de 1959.

A guerrilha brasileira, segundo livros de História, teria recebido apoio financeiro de Cuba, em negociações que teriam sido intermediadas por Leonel Brizola, que na época tivera seu mandato de deputado federal cassado e estava exilado no Uruguai.

O movimento guerrilheiro na Serra do Caparaó, uma ramificação da Mantiqueira, aconteceu entre fins de 1966 e o início do ano seguinte: no dia 1° de abril, seu pequeno grupo de combatentes foi acuado e preso pela polícia mineira.

Cenários que só a altitude produz

Você está subindo o Parque Nacional do Caparaó de carro e começa a ficar ansioso para chegar logo ao início de uma trilha ou a uma das cachoeiras. Mas, de repente, pede ao motorista para parar. A pressa some, porque já há muito a observar lá fora — das nossas fauna e flora a cenários que só a altitude consegue produzir.

Com 318 quilômetros quadrados, o parque, administrado pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio), tem mais ou menos oito vezes o tamanho da Floresta da Tijuca. E as duas entradas. A portaria de Minas está na cidade de Alto Caparaó. A do Espírito Santo, em Pedra Menina, distrito de Dores do Rio Preto.

Cachoeira dos Sete Pilões fica próxima ao camping da Macieira Foto: Léa Cristina
Cachoeira dos Sete Pilões fica próxima ao camping da Macieira Foto: Léa Cristina

Seja qual for o lado escolhido, o visitante encontrará atrações parecidas — e sem deixar de se surpreender. Caminhada e montanhismo, por trilhas de maior ou menor dificuldade é uma delas. Outra: banho de cachoeiras e em piscinas naturais. Mais: nascer ou pôr do sol.

Para se chegar próximo a essas áreas de lazer, roda-se, na maior parte do parque, por um bom calçamento de pré-moldados sextavados. Alguns trechos, entretanto, são de terra. Mas bem batida, ao menos no inverno.

Pelo lado de Minas, os destaques estão nas cachoeiras e nos poços naturais dos vales Verde e Encantado. O primeiro fica a 800 metros da portaria de Alto Caparaó. O segundo, a sete quilômetros, mas a apenas 500m de um dos dois acampamentos da porção mineira do parque, o da Tronqueira, onde um mirante te deixa de frente para o pôr do sol. O camping mais perto do Pico da Bandeira é o Terreirão, para onde, entretanto, o acesso é feito a pé, o que significa um total de seis quilômetros de caminhada.

Atravessando dois estados

Pelas bandas do Espírito Santo, há pelo menos três cachoeiras bastante frequentadas pelos turistas. São elas as do Farofa, do Aurélio e a Sete Pilões. As duas primeiras são alcançadas por trilhas de um quilômetro. Já a Sete Pilões fica a 200 metros do acampamento da Macieira, o primeiro de quem entra pela portaria de Pedra Menina.

O segundo camping, a nove quilômetros da entrada, é a Casa Queimada, distante 4,5km do Pico da Bandeira. Ou seja, a trilha a ser cumprida a pé é mais curta do que a mineira. Só que mais íngreme.

E há os visitantes que optam por caminhar de um estado a outro, por dentro do parque. Desde a Tronqueira até a Casa Queimada, trilhas que ligam o Pico da Bandeira de um lado a outro somam 11,4km e, em média, são vencidas em oito a nove horas, estima o chefe do parque, Anderson Nascimento.

— É a Travessia, roteiro que pode ser cumprido com ou sem acampamento. Você pode subir de manhã e estará de volta pelo fim da tarde. Ou subir por um estado, dormir lá em cima e descer pelo outro — diz Nascimento, que aposta muito na experiência do camping, por conta do amanhecer. — O nascer do sol é o espetáculo preferido.

Café e aconchego na região produtora

Há uma grande expectativa entre os cafeicultores desta área de fronteira entre Minas e Espírito Santo: está para sair o certificado de identidade geográfica para a produção do café no entorno da Serra do Caparaó. O registro, aliás, vai oficializar uma vocação que, em alguns casos, atravessa gerações.

Como a da Fazenda Ninho da Águia, localizada em Alto Caparaó, que recebeu nos dois últimos anos a chancela de melhor produtora de café artesanal (ou especial) — “Coffee of The Year” — da Specialty Coffee Association of America (SCAA). Para Clayton Barrossa Monteiro, da quarta geração da família, essa premiação se estende a todo o município.

— O prêmio transformou não só a propriedade da família como todo o Alto Caparaó em sinônimo de café especial — diz Clayton para turistas que chegam na casa da fazenda para degustar a iguaria, depois de terem conhecido a área de produção pelas mãos de seu pai, o didático Aides Gomes Monteiro, de 78 anos.

Do lado capixaba da divisa — área menos conhecida, mas não menos interessante da serra —, a Pousada Villa Januária também se destaca como um misto de produtor de cafés especiais e bom acolhimento. No caso dos cafés, encontram-se ali produtos de diferentes lavouras da região, que são cultivadas à altitude média de 1.050 metros e estão reunidas em torno da grife Caparaó Coffee.

Lavrador: cena comum durantea colheita em cafezais de altitude Foto: Léa Cristina
Lavrador: cena comum durantea colheita em cafezais de altitude Foto: Léa Cristina

Cecília Nakao, dona da Villa Januária, mora há 14 anos no sítio, que há 12 transformou em pousada. É ela a responsável pela escolha, seleção, torra e controle de qualidade dos produtos Caparaó Coffee. Quem chegar à lojinha da Januária tomará café preparado na prensa francesa, provavelmente por ela.

A pousada tem um suave aroma de café pairando no ar. A oito quilômetros da entrada do parque, é um lugar superagradável, sendo que a área principal de hospedagem está concentrada em um casarão do início do século XX, que fica de frente para o Vale do Paraíso.

A construção, aliás, é uma referência arquitetônica da região e foi totalmente restaurada. Para entrar nela, os hóspedes ou visitantes ganham chinelos macios: não é permitido usar sapatos nas seis suítes, nem nas áreas comuns do casarão — tudo em nome da preservação. No mesmo terreno, há ainda um chalé com duas suítes.

Fato é que, seja na vertente capixaba ou na vertente mineira da Serra do Caparaó, é impossível não perceber e apreciar a vitalidade da região formada por um cafezal atrás do outro. A colheita acontece no segundo semestre, incluindo-se aí a chamada colheita tardia, mais ou menos entre os meses de outubro a dezembro. Daí à degustação, essa é uma experiência de turismo rural já devidamente estruturada.