Política

MPF denuncia 22 pessoas e quatro empresas pelo desastre de Mariana

Ao todo, 19 pessoas morreram com o acidente em novembro de 2015
O Ministério Público Federal em Minas Gerais denunciou 22 pessoas e quatro empresas pelo desastre de Mariana no fim do ano passado. Uma delas é a mineradora Vale, que repudiou a denúncia - AFP
O Ministério Público Federal em Minas Gerais denunciou 22 pessoas e quatro empresas pelo desastre de Mariana no fim do ano passado. Uma delas é a mineradora Vale, que repudiou a denúncia - AFP

RIO - O Ministério Público Federal (MPF) denunciou 22 pessoas, sendo 21 por homicídio qualificado com dolo eventual, quando se assume o risco de cometer o crime, pela tragédia ocorrida com o rompimento de uma barragem, em novembro de 2015, em Mariana, Minas Gerais. Na ocasião, 19 pessoas morreram. Quatro empresas (Samarco, Vale, BHP Billiton e VogBR) também foram denunciadas. A conclusão das investigações foi apresenta nesta quinta-feira, em Belo Horizonte.

Entre os denunciados por homicídio estão Ricardo Vescovi, diretor-presidente licenciado da Samarco, Kléber Terra, diretor-geral de operações, três gerentes operacionais da empresa, 11 integrantes do Conselho de Adminsitração da Samarco e cinco representantes da Vale e BHP Billiton, donas da Samarco, na governança da mineradora. Eles também estão sendo acusados pelos crimes de inundação, desabamento e lesões corporais graves, todos com dolo eventual previstos pelo Código Penal, informou o MPF.

A Samarco, a Vale e a BHP Billiton vão responder por nove tipos de crimes contra o meio ambiente, que envolvem crimes contra a fauna, a flora, crime de poluição, contra o ordenamento urbano e patrimônio cultural. Samarco e Vale são acusadas, também, de três crimes contra a administração ambiental. As três empresas, juntas, vão responder por 12 tipos de crimes ambientais.

Já a consultoria VOGBR Recursos Hídricos e Geotecnia LTDA e o engenheiro sênior da empresa, Samuel Santana Paes Loures, são acusados de apresentação de laudo ambiental falso. De acordo com o MPF, eles emitiram laudo e declaração enganosa sobre a estabilidade da barragem de Fundão. Apenas o engenheiro não foi acusado de homicídio com dolo eventual. Além de homicídio, os demais acusados responderão ainda por crimes de inundação, desabamento, lesão corporal e crimes ambientais.

INFOGRÁFICO : Saiba tudo sobre a tragédia em Minas Gerais

Em entrevista coletiva, o procurador da República José Adércio Leite Sampaio afirmou que a investigação se baseia em três eixos, entre eles a penal, com a responsabilização das pessoas consideradas responsáveis pelas mortes e pelo dano ambiental provocado com o acidente. A omissão, segundo ele, foi levada em consideração:

— A barragem de fundão apresentava sinais claros de que poderia se romper. Esse rompimento se tornou cada vez mais indicativo no final de 2014.

O procurador da República afirmou também que o MPF pediu a reparação dos danos causados às vítimas. O valor será apurado durante a instrução processual, que deve ser feito pela Justiça.

— Havia sempre a busca pela exploração de mais minério, sempre em busca de aumentar os lucros e dividendos para a Samarco e suas detentoras. Houve um sequestro da segurança em busca do lucro — criticou José Adércio Leite Sampaio.

Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana. A enxurrada de lama destruiu centenas de imóveis, em 05 de novembro de 2015 Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo / Arquivo / 06/11/2015
Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana. A enxurrada de lama destruiu centenas de imóveis, em 05 de novembro de 2015 Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo / Arquivo / 06/11/2015

Os acusados podem ir a júri popular. Segundo o Ministério Público federal, eles podem ser condenados a até 54 anos de prisão, além do pagamento de multa, de reparação dos danos ao meio ambiente e daqueles causados às vítimas da tragédia. A ação penal, assinada pelos procuradores da República José Adércio Leite Sampaio, Jorge Munhós de Souza, Eduardo Henrique Almeida Aguiar, Eduardo Santos de Oliveira e Gustavo Henrique Oliveira, foi protocolada na Justiça Federal em Ponte Nova (MG), nesta quarta-feira.

Em nota, a Vale afirmou que “repudia veementemente a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, que, optando por desprezar as inúmeras provas apresentadas, a razoabilidade, os depoimentos prestados em quase um ano de investigação que evidenciaram a inexistência de qualquer conhecimento prévio de riscos reais à barragem de Fundão pela Vale por seus executivos e empregados, tenta, injustamente e a todo custo, atribuir-lhes alguma forma de responsabilidade incabível”. A empresa acrescenta que “adotará firmemente as medidas cabíveis perante o Poder Judiciário para comprovar sua inocência e de seus executivos e empregados e acredita, serenamente, que a verdade e a sensatez irão prevalecer, fazendo-se a devida Justiça”.

Já a Samarco afirmou, também por meio de nota, que “refuta  a denúncia do Ministério Público Federal, que desconsiderou as defesas e depoimentos apresentados ao longo das investigações iniciadas logo após o rompimento da barragem de Fundão e que comprovam que a empresa não tinha qualquer conhecimento prévio de riscos à sua estrutura”. A empresa acrescentou que a barragem era regularmente fiscalizada. “Segurança sempre foi uma prioridade na estratégia de gestão da Samarco e  reitera que nunca houve redução de investimentos nesse tema por parte da empresa”.

A BHP Billiton, por sua vez, informou que “está ciente da declaração emitida pelo Ministério Público Federal, que apresentou denúncia criminal perante a Justiça Federal de Ponte Nova, Minas Gerais, contra a BHP Billiton Brasil LTDA, determinados empregados e ex-empregados”. A empresa afirmou que aguarda receber notificação formal. “A BHP Billiton Brasil repudia veementemente as acusações contra a empresa e os indivíduos denunciados e irá apresentar sua defesa contra as denúncias oferecidas, prestando também todo o suporte na defesa dos indivíduos denunciados”, acrescenta a nota.

O GLOBO entrou em contato com a VogBR, mas não obteve resposta.

MAIOR DESASTRE AMBIENTAL DO BRASIL

O acidente ocorrido no dia 5 de novembro de 2015 é considerado o maior desastre ambiental do Brasil. A barragem do Fundão, da mineradora Samarco, se rompeu por volta das 16h. O resultado foi o vazamento de 62 milhões de metros cúbicos de lama de rejeitos de minério. As imagens de destruição ganharam o mundo. Milhares de pessoas ficaram desabrigadas. Outra consequência foi a poluição do Rio Doce e danos ambientais que se estenderam aos estados do Espírito Santo e da Bahia.

Os rejeitos despejados equivalem a dez lagoas Rodrigo de Freitas, um tsunami de lama. O distrito de Bento Rodrigues, vizinho à barragem, foi a área mais atingida. O local foi devastado em apenas 12 segundos. Cerca de 80% das 257 construções da região foram destruídas. A água do Rio Doce foi contaminada pelo rompimento, e sua coleta precisou ser suspensa quando a colocaração ficou mais escura.

O Ministério Público Federal destacou, nesta quinta-feira, alguns números que dimensionam a tragédia de Mariana. Entre eles, a força-tarefa do MPF que investiga o caso afirmou que o rompimento da barragem deixou 29.300 carcaças de peixes coletadas ao longo dos rios Carmo e Doce, correspondendo a 14 toneladas de peixes mortos. A degradação, de acordo com o MPF, atingiu 240,88 ha de Mata Atlântica e 45 ha de Mata Atlântica com eucalipto. Além disso, das 195 propriedades rurais atingidas em Minas Gerais, 25 foram completamente devastadas.

LISTA DOS DENUNCIADOS PELO MPF

Empresas: Samarco Mineração S.A., Vale S.A., BHP Billiton Brasil LTDA., VOGBR Recursos Hídricos e Geotecnia LTDA.

Pessoas físicas:

1- Ricardo Vescovi de Aragão, diretor-presidente afastado da Samarco, brasileiro;

2- Kleber Luiz de Mendonça Terra, diretor de Operações e Infraestrutura da Samarco, brasileiro;

3- Germano Silva Lopes, gerente geral de Projetos Estruturantes da Samarco, brasileiro;

4- Wagner Milagres Alves, gerente geral de Operações de Mina da Samarco, brasileiro;

5- Daviely Rodrigues Silva, gerente de Geotecnia e Hidrogeologia da Samarco, brasileira;

6- Stephen Michael Potter, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da Vale, britânico;

7- Gerd Peter Poppinga, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da Vale, brasileiro;

8- Pedro José Rodrigues, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da Vale, brasileiro;

9- Hélio Cabral Moreira, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da Vale, brasileiro;

10- José Carlos Martins, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da Vale, brasileiro;

11- Paulo Roberto Bandeira, representante da Vale na Governança da Samarco, brasileiro;

12- Luciano Torres Sequeira, representante da Vale na Governança da Samarco, brasileiro;

13- Maria Inês Gardonyi Carvalheiro, representante da Vale na Governança da Samarco, brasileira;

14- James John Wilson, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da BHP Billiton, sul-africano;

15- Antonino Ottaviano, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da BHP Billiton, australiano;

16- Margaret MC Mahon Beck, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da BHP Billiton, estadunidense;

17- Jeffery Mark Zweig, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da BHP Billiton, francês;

18- Marcus Philip Randolph, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da BHP Billiton, estadunidense;

19- Sérgio Consoli Fernandes, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da BHP Billiton, brasileiro;

20- Guilherme Campos Ferreira, representante da BHP Billiton na Governança da Samarco, brasileiro;

21- André Ferreira Gavinho Cardoso, representante da BHP Billiton na Governança da Samarco, brasileiro;

22- Samuel Santana Paes Loures, engenheiro sênior da VOGBR, brasileiro.