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Morre Dib Lutfi, a 'câmera na mão' dos principais filmes do Cinema Novo

Ele trabalhou com nomes como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Ruy Guerra
Dib Lutfi, diretor de fotografia Foto: Camilla Maia / Agência O Globo
Dib Lutfi, diretor de fotografia Foto: Camilla Maia / Agência O Globo

RIO – Dib Lutfi, um dos principais diretores de fotografia da história do cinema brasileiro, morreu nesta quarta-feira, aos 80 anos. A notícia foi dada pelo irmão dele, o músico Sergio Ricardo, no Facebook. "Comunico com muito pesar o falecimento de meu irmão Dib Lutfi, considerado o grande poeta das imagens do Cinema Novo", diz Sergio Ricardo.

Dib morava no Retiro dos Artistas desde 2011 e sofria de mal de Alzheimer. Segundo a instituição, o seu estado de saúde piorou no sábado, quando foi diagnosticada uma pneumonia. Ele foi internado no Hospital Vitória, na Barra, mas não resistiu.

O velório e o enterro serão realizados a partir das 10h desta sexta-feira, no Cemitério da Cacuia, na Ilha do Governador.

Presente na ficha técnica de mais de 50 filmes, o diretor de fotografia trabalhou com grandes nomes do Cinema Novo — movimento cuja estética foi em grande parte moldada por ele —, como Nelson Pereira dos Santos ("Fome de amor", de 1968, e "Azyllo muito Louco", de 1969, pelos quais ganhou o prêmio de melhor fotografia no Festival de Brasília), Arnaldo Jabor ("Opinião pública", de 1967, "O casamento", de 1975, e "Tudo bem", de 1978), e Ruy Guerra ("Os deuses e os mortos", 1970).

Pioneiro no uso da câmera na mão no cinema brasileiro, chamou atenção de Glauber Rocha, que o convidou para trabalhar no clássico "Terra em transe", de 1967, como operador de câmera. Muito antes da invenção da steady cam , um artefato que estabiliza as câmeras cinematográficas e imprime às imagens captadas a sensação de flutuação, Dib Lutfi fazia isso apenas com a delicadeza de movimentos e um olhar apurado.

Na foto, Glauber Rocha, Lauro Escorel, Dib Lutfi e Luiz Carlos Barreto Foto: Arquivo
Na foto, Glauber Rocha, Lauro Escorel, Dib Lutfi e Luiz Carlos Barreto Foto: Arquivo

Basta assistir a filmes como "Terra em Transe", cujas imagens levam o espectador à vertigem sentida pelo personagem emblemático do jornalista e idealista Paulo Martins, vivido por Jardel Filho. Glauber, aliás, teria forjado a famosa frase "uma câmera na mão e uma ideia na cabeça" inspirado também por Lutfi.

— O Dib entra para a história do cinema universal, e não apenas brasileiro. Ele era a própria steady cam . A câmera na mão já era utilizada no cinema americano e francês, mas ninguém fez melhor do que o Dib. E isso influenciou muito a estética do Cinema Novo — diz Luiz Carlos Barreto, produtor e diretor de fotografia de "Terra em transe". — Nenhum plano do filme foi feito com tripé, e isso facilitou muito o trabalho, porque poupava tempo. Operando a câmera, o Dib conseguia andar, subir escada e pular muro. Nunca houve alguém igual.

Dib não foi o primeiro de sua geração a usar o recurso da câmera na mão como delineador estético de um filme, mas foi quem mais associou o nome a ela, adotando-a a partir de "Esse mundo é meu" (1964), dirigido por seu irmão, o compositor Sérgio Ricardo. Foi a estreia de Dib em longa-metragem e como diretor de fotografia.

— O Dib foi o maior diretor de fotografia do cinema brasileiro, ele inventou uma nova maneira de fazer isso, que permitiu a existência do nosso cinema — diz Cacá Diegues. — Ele não era só um grande cameraman, função pela qual sempre é reconhecido, mas também um fotógrafo de muita imaginação, e muito capaz de fazer um grande filme com as circunstâncias pobres da produção brasileira da época.

— Dib Lutfi é o mestre dos mestres. Com alegria, simplicidade e talento fenomenal ele revolucionou e transformou radicalmente nosso cinema. Dib concretizou teoria e ideias e transformou a efervescência intelectual de gerações em luz e movimentos inimagináveis — elogia Marcia Derraik, diretora de "Dib", sobre o fotógrafo (assista abaixo). — Antes do filme, ele nunca tinha aparecido antes na frente das câmeras, era muito tímido.

Lutfi nasceu em Marília, no interior de São Paulo, em 1936. No fim da adolescência se mudou para o Rio e, em 1957, começou a trabalhar como câmera da extinta TV Rio, onde o irmão trabalhava como ator.

— A inspiração para a câmera de meu primeiro filme, "Um céu de estrelas", veio dele. Dib Lutfi é um dos artista mais relevantes do cinema brasileiro — afirma a cineasta Tata Amaral.

Seu último trabalho foi "Profana", de João Rocha, lançado em 2011.

ASSISTA ABAIXO AO DOCUMENTÁRIO 'DIB', DE MARCIA DERRAIK