Você já viu esse show. No palco, um homem de cartola acorrentado é lançado em um tanque com tubarões sem ter como escapar. Após alguns segundos de tensão, ele ressurge, do outro lado do teatro, molhado e seguro. A plateia respira aliviada, mesmo que todos soubessem que o mágico nunca esteve em perigo realmente. É assim com “Doutor Estranho”, novo filme da Marvel que estreia nesta quinta-feira (3) no Brasil. A 14ª adaptação dos quadrinhos pela editora é muito competente em divertir, mas o público pode perceber que em nenhum momento a produção corre riscos de verdade. Assista ao trailer no vídeo acima.
Acompanhado de outros dois roteiristas, o diretor Scott Derrickson (“A entidade”) até adiciona alguns elementos novos, mas a espinha dorsal do longa não consegue fugir muito da velha história de origem de super-heróis. Stephen Strange é um neurocirurgião bem sucedido que busca uma cura após perder a habilidade com as mãos em um acidente de carro.
Em um templo no Nepal, ele deve engolir o próprio orgulho e seguir a tutelagem da Anciã, uma poderosa feiticeira imortal que promete ao arrogante americano não apenas a chance de ganhar o controle sobre sua vida, mas sobre as artes místicas. E toma-lhe montagem com rápidas cenas de treinamento entrecortadas por momentos de humor e de superação.
Benedict Cumberbatch em cena de 'Doutor Estranho' (Foto: Divulgação/Marvel)É uma estrutura bem familiar ao fã de longa data da Marvel, acostumado a personagens egocêntricos, como Tony Stark, ou que buscam a redenção, como o herói de “Homem Formiga”, mas com novidades suficientes para não soar repetitivo.
Difícil condenar o estúdio por relutar em mudar muito a fórmula que tem dado tão certo. Afinal, as 13 produções anteriores arrecadaram mais de US$ 4 bilhões (R$ 12 bilhões). Mesmo assim, a introdução de magia ao universo cinematográfico da editora merecia uma ambição que fosse além do belo uso da tecnologia 3D e das dimensões psicodélicas que infelizmente aparecem pouco -- mas que deixariam o criador Steve Ditko orgulhoso.
Magia e prestígio
A maior inovação está no investimento ao contratar o elenco, o mais prestigiado de todos os filmes até o momento. São três indicados a Oscar e uma vencedora da estatueta no núcleo principal.
Tilda Swinton e Benedict Cumberbatch em cena de 'Doutor Estranho' (Foto: Divulgação/Marvel)Benedict Cumberbatch (“O jogo da imitação”) prova que sua escolha foi acertada por motivos além da mera semelhança física com a versão das HQs, ao construir um protagonista arrogante ao extremo, mas também surpreendentemente humano -- nada muito surpreendente para quem acompanha seu trabalho em “Sherlock”.
A mudança da Anciã, de homem asiático dos quadrinhos para uma mulher britânica no longa, também se mostra correta. Tilda Swinton (“Conduta de risco”) confere ao papel o equilíbrio entre o zen de mestre budista e a força de uma guardiã do planeta. Já Chiwetel Ejiofor (“12 anos de escravidão”) consegue transmitir em seu Mordo, o colega/instrutor de Strange, o conflito interno que moldará o personagem nos próximos filmes.
Mads Mikkelsen (“Hannibal”) e Rachel McAdams (“Spotlight: Segredos Revelados”) sofrem com papéis mais rasos, mas ainda conseguem manter suas dignidades. Kaecilius segue a tradição de antagonistas genéricos da Marvel, mas é enriquecido pelo charme do dinamarquês.
Parte do problema do personagem é seu pouco tempo de tela no filme, que se preocupa mais em construir um outro vilão mais digno para o futuro -- e consegue. É cedo para dizer se a editora encontrou seu novo Loki, mas as inevitáveis sequências são promissoras.
Chiwetel Ejiofor e Benedict Cumberbatch em cena de 'Doutor Estranho' (Foto: Divulgação/Marvel)
Tilda Swinton e Chiwetel Ejiofor em cena de 'Doutor Estranho' (Foto: Divulgação/Marvel)
