Saúde Ciência

Cérebro de adolescentes é programado para aprender, diz estudo

Especialistas associam impulsividade juvenil com facilidade de absorver conteúdo
Cérebro de jovens ativou simultaneamente áreas ligadas ao aprendizado e à memória nos testes Foto: Washington Araujo/23-12-2014
Cérebro de jovens ativou simultaneamente áreas ligadas ao aprendizado e à memória nos testes Foto: Washington Araujo/23-12-2014

RIO — Os adolescentes são conhecidos por buscar prazeres imediatos sem se importar com as consequências de suas escolhas, mas este comportamento ávido por recompensas também estaria ligado à grande capacidade de aprendizagem do cérebro dos jovens. É o que indica um estudo publicado recentemente no periódico científico “Neuron”, segundo o qual, por trás destas escolhas por vezes prejudiciais, está uma ação coordenada única de duas regiões cerebrais de adolescentes que já não acontece em adultos — parte de uma adaptação evolutiva para que eles aprendam rápido a partir de pistas ambientais e uma característica essencial do processo de maturação do cérebro.

— Estudos do cérebro dos adolescentes frequentemente se focam nos efeitos negativos de seu comportamento de busca por recompensas — lembra Daphna Shohamy, pesquisadora do Instituto Mortimer B. Zuckerman para o Comportamento da Mente e do Cérebro da Universidade de Colúmbia e uma das principais autoras do estudo. — Usando uma combinação de tarefas de aprendizagem e exames de imagem dos cérebros de adolescentes e adultos, identificamos padrões de atividade de cerebral nos jovens que favorece o aprendizado, servindo para guiá-los com sucesso para a vida adulta.

No estudo, feito com 41 adolescentes entre 13 e 17 anos e 31 adultos de 20 e 30 anos, as cientistas inicialmente observaram uma região do cérebro chamada striatum, que pesquisas anteriores haviam mostrado como parte fundamental na coordenação de várias das funções mais sofisticadas do órgão, como planejamento e tomada de decisões. Mas um dos papéis mais bem conhecidos do stratium é justamente em um processo chamado reforço de aprendizagem.

— Nos termos mais simples, o reforço de aprendizagem é fazer um palpite, saber se estava certo ou errado e depois usar esta informação para realizar palpites melhores da próxima vez — resume Juliet Davidow, primeira autora do estudo, que completou a pesquisa quando fazia seu doutorado em psicologia na Universidade de Colúmbia e atualmente é pesquisadora na Universidade de Harvard. — Se você fez o palpite certo, o stratium mostra atividade que corresponde a um retorno positivo, reforçando assim a sua escolha. Essencialmente, é um sinal de recompensa que ajuda o cérebro a saber como repetir a escolha bem-sucedida de novo.

Assim, diante da tendência dos jovens para comportamentos de busca de prazer, as pesquisadoras imaginaram que pessoas desta faixa etária superariam os adultos em termos de reforço de aprendizagem, demonstrando uma maior afinidade com as recompensas. E, de fato, a hipótese foi confirmada quando ambos grupos do estudo realizaram uma série de tarefas de aprendizagem, em que, por exemplo, eram apresentados a uma imagem de uma borboleta e um par de fotos de flores, devendo adivinhar em que flor a borboleta pousaria. Em uma sequência de tentativas e erros, em que se selecionassem a flor certa apareceria na tela a palavra “correto”, ou se selecionassem a flor errada surgiria a palavra “incorreto”, os participantes do experimento poderiam discernir o padrão em que um determinado tipo de borboleta pousaria em uma flor específica, com os adolescentes se saindo melhor na identificação deste padrão.

Mas para saber o que estava acontecendo no cérebro dos voluntários, as pesquisadoras pediram ajuda a Adriana Galván, professora de psicologia e integrante do Instituto de Pesquisas do Cérebro da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), considerada uma das maiores especialistas em imageamento do cérebro de adolescentes. Juntas, elas escanearam os cérebros de cada participante com exames de ressonância magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês) enquanto realizavam as tarefas de aprendizagem, esperando ver a explicação para a capacidade superior dos adolescentes na maior atividade do stratium.

— Quando comparamos os cérebros dos adolescentes com os dos adultos, não vimos nenhuma diferença na atividade relacionada à recompensa no stratium entre os dois grupos — conta Juliet. — Descobrimos que a diferença entre adultos e adolescentes não está no stratium, mas em uma outra região próxima, o hipocampo.

Conhecido como o “quartel-general” da memória no cérebro, o hipocampo é importante na fixação de lembranças sobre eventos, lugares ou indivíduos, mas não tinha sido anteriormente relacionado com o reforço de aprendizagem. Os exames de fMRI do estudo, no entanto, revelaram que a atividade do hipocampo aumentava nos adolescentes, mas não nos adultos, durante as tarefas, e de uma forma coordenada com a atividade no stratium dos jovens.

PALPITE ESPECÍFICO SOBRE OBJETOS

Para avaliar esta conexão entre as duas regiões, as cientistas introduziram nas tarefas de aprendizagem imagens de objetos aleatórios e irrelevantes para os palpites e identificação dos padrões, como um globo ou um lápis. Estas imagens, que também não tinham nenhuma relação com o acerto ou erro do palpite, serviam como um “ruído de fundo” para as tarefas. E quando perguntados posteriormente se lembravam ter visto os objetos, tanto adultos quanto adolescentes se recordavam de alguns deles, mas só nos jovens a lembrança também foi associada a um palpite específico, indicando uma conexão entre a atividade do stratium e do hipocampo neles.

— O que podemos deduzir destes resultados não é que os adolescentes necessariamente têm uma memória melhor em geral, mas que a maneira que lembram é diferente — avalia Daphna. — Ao conectar duas coisas que não estão intrinsecamente ligadas, o cérebro do adolescente pode estar tentando construir uma compreensão mais rica do seu entorno durante uma fase importante de sua vida. Falando de uma forma mais ampla, a adolescência é uma época em que os jovens começam a desenvolver sua independência. E o que pode fazer o cérebro neste período que não mergulhar num “superaprendizado”? Talvez esta característica única do cérebro adolescente guie não só a maneira como eles aprendem, mas também como usam as informações para se prepararem para a vida adulta.

Agora, as pesquisadoras estão trabalhando para determinar que mudanças acontecem no cérebro entre a adolescência e a idade adulta que mudam o sistema de reforço de aprendizagem, assim como identificar outras situações que ativem a conexão entre o stratium e o hipocampo no cérebro dos jovens. Elas também esperam que os resultados do estudo ajudem no desenvolvimento de novas abordagens para o ensino de adolescentes.

— Se você contextualiza algo de forma positiva, pode ser que os adolescentes lembrem melhor das coisas em sua experiência de aprendizagem — conclui Juliet. — Na vida do dia a dia, eles estão prestando atenção no seu ambiente de uma forma diferente dos adultos.