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Trump e Hillary se atacam, e magnata ameaça rejeitar resultado de eleição

Em último debate, bilionário foca acusações contra rival democrata e sistema eleitoral
Trump encara Hillary ao final de debate, sem cumprimentos Foto: MIKE BLAKE / REUTERS
Trump encara Hillary ao final de debate, sem cumprimentos Foto: MIKE BLAKE / REUTERS

WASHINGTON - O terceiro e último debate entre Hillary Clinton e Donald Trump, transmitido na quarta-feira de Las Vegas, foi mais polido que as edições anteriores, mas ainda assim marcado por fortes ataques entre os candidatos. Houve muito menos interrupções e momentos tensos e, muitas vezes, coube ao mediador fazer as perguntas polêmicas. De acordo com a pesquisa realizada pela CNN após o debate, 52% dos entrevistados consideram que Hillary venceu o confronto.

O clima menos pesado abriu espaço para a comparação de propostas — principalmente sobre economia —, algo que quase não ocorreu nos dois primeiros embates. Os dois, no entanto, não se cumprimentaram em nenhum momento do encontro. Questionado se aceitaria o resultado das eleições, Trump manteve o suspense e disse que “iria decidir na hora”.

As ofensas aconteceram do meio para o fim do debate e começaram a esquentar quando o mediador, Chris Wallace, da Fox News, questionou Trump sobre as mulheres que o acusaram de molestá-las sexualmente:

— Essas histórias foram amplamente desmascaradas. Talvez elas quisessem fama — rebateu o republicano, aproveitando para atacar Hillary: — Tenho a sensação de que sua campanha que fez isso.

“Se você seguir o que Hillary está dizendo, você pode pegar o bebê no nono mês e rasgar para fora do útero da mãe”

Donald Trump
sobre aborto

Trump afirmou que “ninguém” respeita mais as mulheres que ele, provocando risos na plateia. No fim do encontro, ele ainda chamou a adversária de “uma mulher desagradável”.

— Toda vez que Donald é pressionado, ele nega sua responsabilidades, nunca pede desculpas. E isso não é apenas com as mulheres.

Na pergunta sobre a Fundação Clinton — suspeita de tráfico de influência por receber doações de empresas e países enquanto Hillary era secretária de Estado — Trump foi à forra:

— Ela fala que defende os direitos dos gays, das mulheres, mas sua fundação recebeu recursos da Arábia Saudita, Qatar e de países que punem os gays, que matam as mulheres. Por que você não devolveu este dinheiro? Seria um grande gesto.

Hillary Clinton e Donald Trump mostraram suas diferenças em discussões sobre aborto, economia, política externa, imigração e dívida pública no último debate antes das eleições americanas. Ataques pessoais também marcaram o encontro. Chamou a atenção a atitude de Trump, que ameaçou rejeitar o resultado das eleições.
Hillary Clinton e Donald Trump mostraram suas diferenças em discussões sobre aborto, economia, política externa, imigração e dívida pública no último debate antes das eleições americanas. Ataques pessoais também marcaram o encontro. Chamou a atenção a atitude de Trump, que ameaçou rejeitar o resultado das eleições.

A democrata lembrou que sua fundação tem projetos como o tratamento de HIV, enquanto a Fundação Trump “pegou o dinheiro das pessoas para comprar um grande retrato de Donald”.

— Tudo o que fiz como secretária de Estado foi em prol do interesse de nosso país e de nossos valores — disse, tentando se esquivar da resposta: — Mas estou feliz de falar sobre a Fundação Clinton, uma instituição de caridade de renome mundial.

Em um dos momentos polêmicos, questionado se aceitará o resultado das eleições, Trump afirmou que “vai ver isso no momento”, e passou a atacar a mídia, que segundo ele persegue sua campanha. Hillary disse que é “horripilante” que qualquer revés seja classificado por ele como uma fraude. E aproveitou para dizer que o republicano era contra Ronald Reagan nos anos 1980, tentando atrair parte do voto conservador, que vê no ex-presidente um ídolo.

Os ataques começaram quando discutiam o aborto. Trump diz que indicará juízes “pró-vida” para a Suprema Corte:

— Se você seguir o que Hillary está dizendo, você pode pegar o bebê, no nono mês, e rasgá-lo para fora do útero da mãe. Não é OK para mim.

Hillary contra-atacou explicando que não é o que acontece nestes casos:

— Utilizar este tipo de retórica do medo é terrivelmente infeliz. Você deve conhecer algumas das mulheres que foram afetadas. Ele nem mesmo sabe o que acontece, ele pensa que os médicos são uns monstros.

Confira: O QUE COBRIMOS DURANTE O DEBATE

Partiu do mediador Chris Wallace questionar Hillary sobre o vazamento de suas palestras, feitas pelo WikiLeaks. E citou um trecho que de uma palestra privada a um banco brasileiro, quando disse que “sonhavam com um continente americano sem fronteiras”. Na campanha, a candidata tem se posicionado contra os tratados comerciais.

— Eu estava falando de energia. Nós comercializamos mais energia com os nossos vizinhos do que o resto do mundo junto — rebateu, criticando a espionagem que permitiu a divulgação de seus textos.

Trump voltou a defender a construção de um muro na fronteira com o México e disse que recebeu o apoio de mais de 200 generais e almirantes. Foi a deixa para Hillary tratar da relação do republicano com a Rússia.

— Você é um fantoche de Putin — acusou, reafirmando que ele não é preparado para ser presidente.

O magnata, por sua vez, disse que o russo “a enganou” sobre a guerra na Síria e que “claro” que condena qualquer interferência da Rússia.

— Eu nem conheço Putin, nunca me encontrei com ele, mas posso dizer que ele é mais esperto que você e que (o presidente Barack) Obama. Vladimir Putin não tem respeito por esta pessoa.

Mais calmo que nos outros encontros, e sem interromper com tanta frequência sua oponente, ele ainda ressaltou que é orgulhoso de receber o apoio da Associação Nacional de Rifles (NRA, na sigla em inglês) e afirmou que é contra qualquer restrição às armas, citando o caso de Chicago — cidade que tem algumas das leis mais restritivas para armas e, mesmo assim, é uma das mais violentas do país.

Hillary reiterou que apoia a Segunda Emenda — que garante o direito ao porte de armas — mas que não se pode esquecer que há por ano 33 mil mortes por tiros nos EUA, e que precisa haver algum tipo de restrição, como melhorar a pesquisa sobre antecedentes criminais e proibir a venda para pessoas que estejam na lista de suspeitos de ligação com o terrorismo.

Hillary e Trump se interrompem em debate em Las Vegas Foto: David Goldman / AP
Hillary e Trump se interrompem em debate em Las Vegas Foto: David Goldman / AP

Democratas temem ‘já ganhou’

As horas que antecederam o debate foram de boas notícias para os democratas. Novas pesquisas indicavam que a vantagem de Hillary sobre Trump cresceu, tanto em nível nacional quanto nas simulações em estados até então indefinidos, além das projeções do Colégio Eleitoral. Nacionalmente, Hillary apareceu no levantamento da Bloomberg com 47% das intenções de voto, nove pontos a mais que Trump (38%), seguidos pelo libertário Gary Johnson (8%) e pela verde Jill Stein (3%). A Universidade Quinnipiac deu vantagem de sete pontos para a democrata. Na média de pesquisas calculadas pelo Realclearpolitics, ela tem 6,2 pontos sobre o magnata.

Mas as sondagens estaduais foram mais comemoradas. No Arizona, tradicionalmente republicano, Hillary apareceu 5 pontos à frente de Trump. Na Carolina do Norte, duas pesquisas davam a ela dois pontos de vantagem. Em New Hampshire, a democrata tem oito pontos a mais; sete em Wisconsin; e quatro na Pensilvânia. Segundo a CNN, Hillary teria, hoje, 307 delegados, 37 a mais que os 270 mínimos para eleger-se. E Trump, apenas 179 votos do Colégio Eleitoral. Ainda há 52 em disputa, em Ohio, Arizona, Utah e Carolina do Norte. À exceção do primeiro estado, os outros três eram considerados votos certos para os republicanos no início da campanha.

Estes resultados têm ampliado o clima de “já ganhou”, que assusta e preocupa o Partido Democrata. Como o voto não é obrigatório nos EUA e o índice de rejeição a Hillary é de mais de 50%, há o temor de que muitos, ao acreditarem que Trump está fora do jogo, não compareçam às urnas. O que pode ser decisivo em estados onde a margem da candidata não é tão grande. As pesquisas mostram, ainda, que os eleitores de Trump são mais empolgados, com mais chance de irem votar, do que os de Hillary. Em entrevistas, a democrata afirma que a eleição ainda está aberta e pede aos americanos que votem. O mesmo têm feito os integrantes de peso do partido, como o presidente Barack Obama.

Trump passou o dia de ontem tentando fazer pegar, pelo Twitter, seu novo bordão: “Vamos drenar o pântano”, referência à “reforma ética” que promete fazer, controlando o lobby em Washington e criando um limite de mandatos que um congressista pode ter. Nesta reta final, além de se declarar vítima, ele tem se colocado, novamente, como um outsider , estratégia que funcionou no ano passado, no início do processo de primárias republicanas.

Trump e Hillary se confrontam em debate de Las Vegas Foto: Mark Ralston / AP
Trump e Hillary se confrontam em debate de Las Vegas Foto: Mark Ralston / AP