Coluna
Afonso Borges

Caminhos para combater a intolerância literária no Brasil

É um absurdo completo a não obrigatoriedade de livros literários para o Enem. Ou para qualquer vestibular

O tema da redação do Enem foi estimulante: “caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”. Para escrever sobre este assunto, os alunos precisam de uma coisa só: terem lidos livros. E será que isso foi feito? Querem apostar que a internet vai ficar recheada de teorias conspiratórias sobre a questão das igrejas evangélicas, eletrônicas e, principalmente, sobre os atentados terroristas?

É um absurdo completo a não obrigatoriedade de livros literários para o Enem. Ou para qualquer vestibular. Ou para qualquer prova classificatória para o ensino superior. Dou aqui sete motivos:

1. Muita gente tem birra da palavra “obrigatório”, aqui mal utilizada. A palavra certa deveria ser “selecionado”. E pronto. Normalmente, são dez livros. E é pouco. Só dez livros que devem ser lidos no curso de um ano, até a data de realização da prova. É pouco;

2. A maioria dos opositores à lista obrigatória alega que ninguém deve ser obrigado a nada. Esta teoria é covarde, porque transfere para um amigo imaginário, bem infantil, a eleição dos títulos que devem ser lidos para a prova do Enem. E pior: tira a responsabilidade do professor, em especial de literatura, de criar um método inteligente de abordagem e análise dos livros selecionados;

3. Está provado e comprovado que a lista de livros para o vestibular aumenta o índice de leitura no país. Muito a contragosto, os estudantes têm que ler. E quem lê, mesmo que obrigado neste momento, tem uma grande, imensa chance de ler outros, por vontade própria;

4. Vamos falar da literatura brasileira. A lista de livros para o vestibular é, tradicionalmente, um tremendo apoio aos autores brasileiros. Tem a lista dos clássicos, claro, sempre cai Machado de Assis, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Fernando Sabino, Rubem Braga. Mas a lista sempre inclui autores novos, e isso é um estímulo às vendas, ao mercado e à popularidade destes autores;

5. Para fazer o Enem não é necessário ler livro algum. Eles defendem a generalidade, que o estudante leia de tudo um pouco, porque pode cair qualquer coisa. Mas que teoria é esta? Se pode cair qualquer coisa, de preferência, o estudante não lê nada. Quando existe uma lista, existe critério, método, pesquisa e análise. Quando existe uma lista, cria-se um hábito. O estudante tem que ler estes dez livros;

6. Vamos falar dos critérios de escolhas dos livros. Olhem para o passado, vejam as listas. São todas, todas, ÓTIMAS. Os clássicos estão ali, mas sempre tem um Carlos Herculano Lopes, uma Lya Luft, um Moacyr Scliar, um Antonio Torres, um Luis Giffoni. Sem a lista, o que temos? Nada. Simplesmente nada. É a vitória da ausência de critério, da ausência de método, da frivolidade irresponsável com que o governo e o Ministério da Educação têm tratado a questão do livro nos últimos anos. Vai ver que é por isso que o governo parou de comprar livros para o ensino básico, coisa que vem sendo feita desde os tempos de Getúlio Vargas. Enfim, parei. Ah, falta o sétimo. O sétimo é cabal: a lista de livros obrigatórios formou leitores que, infelizmente — ou não —, começaram ali a sua vivência literária. Aqui é o Brasil, amigos, lembrem-se disso.

E fica aqui a minha sugestão para o tema de redação do ano que vem: “caminhos para combater a intolerância literária no Brasil”.

Afonso Borges é escritor e produtor cultural

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