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Uma empresa de formaturas faturou R$ 15 milhões com a Copa na Arena Corinthians

Uma empresa de formaturas faturou R$ 15 milhões com a Copa na Arena Corinthians

Levada ao estádio por Andrés Sanchez, a Stillo’s foi responsável por “integrar pessoas” nas obras de estruturas provisórias. A Odebrecht recebeu R$ 20 milhões e não explica por quê. A conta prejudicou o estádio

RODRIGO CAPELO
09/11/2016 - 09h19 - Atualizado 09/11/2016 10h10
Arena Corinthians na Copa do Mundo de 2014 (Foto: Getty Images)

Fogos de artifício do lado de fora do estádio. No palco montado de frente para a arquibancada de uma Arena Corinthians ainda inacabada, Ivete Sangalo, de camisa e saia pretas e cabelos presos por um enfeite branco, canta o hino do clube alvinegro. “Vocês podem saber que na Bahia tem uma baiana arretada que é: vai, Corinthians!” Os torcedores batem palmas e gravam a cena com seus smartphones. Naquele sábado, 9 de agosto de 2013, a cantora se apresentou na festa dos 103 anos corintianos. Aquele foi o primeiro grande evento da Stillo’s, empresa especializada em formaturas e casamentos de alto luxo que faturaria alto no estádio em 2014.

Andréa Palumbo, dona da Stillo’s em sociedade com os pais, Vera Lúcia Palumbo e Oswaldo Aliende Palumbo, já tinha organizado eventos sociais menores no Parque São Jorge. A Stillo’s foi levada para a Arena Corinthians pelo ex-presidente corintiano Andrés Sanchez para a festa dos 103 anos. Os negócios em conjunto aumentaram. Muito. Às vésperas da Copa do Mundo, em março de 2014, a Stillo’s foi escolhida pelo Corinthians para ser a “integradora’ das instalações de estruturas provisórias no estádio. A Fifa chama essas instalações temporárias de overlay. Isso não inclui as arquibancadas temporárias construídas para elevar a capacidade durante a Copa, mas áreas para imprensa e convidados e outras exigências da federação internacional.

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O overlay corintiano saiu muito mais caro que o de outros estádios da Copa. O Mineirão, palco do 7 a 1 entre Brasil e Alemanha em uma semifinal, gastou R$ 22 milhões com estruturas temporárias. A informação foi enviada a ÉPOCA pela Secretaria de Estado de Esportes de Minas Gerais. Casa da outra semifinal, entre Argentina e Holanda, a Arena Corinthians gastou R$ 90 milhões. Quatro vezes mais. É claro que, como sede da abertura da Copa, o estádio corintiano recebeu mais chefes de estado e precisava ter mais instalações provisórias que o Mineirão. Mas o tamanho da diferença não se justifica. Sobretudo se os gastos forem detalhados.

ÉPOCA obteve a planilha com o detalhamento dos gastos do overlay da Arena Corinthians. Aparecem nela 75 empresas diferentes, que prestaram serviços desde a locação de equipamentos e mobílias até a instalação de lixeiras, carpetes e cabos. Há empresas que se saíram melhor que as outras. A Stillo’s, principalmente. A planilha aponta R$ 15 milhões em notas fiscais e recibos emitidos em nome da empresa de formaturas. A descrição, tanto no documento quanto na ata do fundo que rege a Arena Corinthians sobre as estruturas provisórias, aponta para o mesmo serviço: “integradora do overlay”.

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Os pagamentos à Stillo’s começaram em junho de 2014 e acabaram só em dezembro daquele ano. O mais alto foi efetuado em 3 de junho, R$ 6,6 milhões, sob a observação de que se tratava de “assessoria”. Outra parcela de R$ 2,4 milhões foi depositada em 8 de agosto pelo “serviço de integradora”. Em 11 de dezembro mais R$ 1 milhão foi pago a título de “evento para a Copa do Mundo”. A soma de todos os 50 recibos e notas fiscais em nome da Stillo’s chega a R$ 15 milhões.

Andréa minimiza a própria participação no evento. Em 20 minutos de entrevista por telefone a ÉPOCA a empresária explicou o que significa integrar as pessoas no overlay da Arena Corinthians. “Você imagina numa obra desse tamanho se cada um chegar a hora que quiser, fazer o que quiser. Ninguém se entende. Meu papel era alinhar pessoas. Você entra tal hora, o outro sai tal hora, credenciar as pessoas, garantir que todo mundo entrasse com equipamentos de segurança, sabe? Minha responsabilidade era mais com as pessoas.”

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Em outro trecho, a empresária voltou a exemplificar o que fez no overlay. “É meio que uma organização pessoal de todos eles. Para que as pessoas se respeitem, cumpram com os prazos, não atrapalhem o trabalho do outro. Porque eram muitas pessoas trabalhando ao mesmo tempo. Teve dia em que teve 2 mil pessoas trabalhando. Foi muita gente. Precisa estar todo mundo vestido de acordo porque não pode trabalhar de shorts, de chinelo, sabe? Por questões de segurança. Imagina logo no início, uma Arena Corinthians, ter algum problema? A gente não teve nenhum problema de pessoal.”

A dona da Stillo’s afirma que a responsável por gerenciar as obras do overlay foi a Tecnotrade, uma empresa carioca comandada por Jorge Luís Borja. “Eles, quando a gente chegou lá, tinham todos os projetos, tinham todas as obras, tudo o que precisaria ser feito de acordo com especificações da Fifa. Eles fizeram todas as cotações (de preço com prestadores de serviço) e cotaram com a gente também”, diz Andréa. A Tecnotrade, segundo a planilha obtida por ÉPOCA, recebeu R$ 3,6 milhões, pagos em quatro parcelas, para desempenhar a função. A Stillo’s, portanto, recebeu quatro vezes mais dinheiro que a gerenciadora de projetos que a contratou e a quem respondeu.

Odebrecht
O maior pagamento do overlay foi efetuado em nome da Odebrecht. A planilha aponta dois repasses à empreiteira, um de R$ 14,6 milhões em 7 de julho e outro de R$ 6,1 milhões em 22 de outubro. Ambos, na soma de R$ 20,7 milhões, são descritos como “reembolso” no documento. ÉPOCA procurou a Odebrecht para que explicasse do que se tratava o reembolso. A construtora preferiu não se pronunciar.

A Odebrecht, nas palavras de Andréa, participou do overlay com o acompanhamento de assuntos correlatos à engenharia do estádio. “Como a obra não estava totalmente acabada, a gente precisou fazer muito a parte do piso, carpete, sabe? Dar uma maquiada. A gente precisou fazer teto de tecido. Tinha de passar pela aprovação dos arquitetos. Não era uma coisa das mais fáceis porque havia muita gente para comandar. A Tecnotrade cuidava dos projetos, a gente chamava as pessoas, tinha engenheiros da Odebrecht, todo mundo junto”, diz a dona da Stillo’'s. Borja, da Tecnotrade, afirma que a Odebrecht “apoiou de forma técnica a execução de alguns serviços”.

A consequência
O overlay é uma das razões para o custo da Arena Corinthians ter disparado. A construção em si custou R$ 985 milhões, mas a conta a ser paga também engloba juros sobre financiamentos e os R$ 90 milhões do overlay. Andrés Sanchez diz que tinha um acordo com Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo, para que a prefeitura conseguisse patrocínios e bancasse as estruturas provisórias. Fernando Haddad, eleito em seguida, durante as manifestações populares em 2013, desfez a promessa. Sanchez afirma que brigou com a Fifa e o Comitê Organizador Local (COL) da Copa do Mundo para reduzir o valor das estruturas provisórias de R$ 130 milhões para R$ 90 milhões. A conta continuou cara para o Corinthians.

O custo das estruturas temporárias foi repassado para a operação do estádio, fato registrado nos balanços financeiros do fundo que comanda a Arena Corinthians. Isso tem um efeito negativo em todos os envolvidos na administração do estádio. O Corinthians, clube, tem de arcar com os prejuízos decorrentes da falta de receitas e do excesso de gastos. A Caixa Econômica Federal, agente financeira do financiamento de R$ 400 milhões feito pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), não recebe as parcelas devidas pelo Corinthians desde fevereiro de 2016. Tanto o clube quanto o banco estatal dependem da saúde financeira do estádio, por sua vez prejudicada pelos gastos excessivos com o overlay.

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