Cultura

PF deflagra nova operação para investigar fraudes na Lei Rouanet

Foram expedidos 29 mandados nos estados de São Paulo e no Paraná

SÃO PAULO - A Polícia Federal deflagrou nesta quinta-feira a Operação Boca Livre S/A, que investiga grandes empresas suspeitas de realizar festas e eventos fechados com recursos públicos da Lei Rouanet. Trata-se de um desdobramento da Operação Boca Livre que, em junho, prendeu os proprietários do grupo Bellini Cultural, comandante do esquema, segundo o Ministério Público Federal (MPF). A investigação aponta que ao menos R$ 25 milhões de recursos foram desviados.

Ao todo, 29 empresas foram alvos de mandado de busca e apreensão nesta quinta-feira, entre elas Bradesco, a Volkswagen e Perdigão. Não houve prisões. O grupo Bellini apresentava projetos para captar verba pública e, após a aprovação do ministério, ia a empresas privadas interessadas em patrocinar essas iniciativas, em troca de isenção de impostos federais permitidas pela Lei Rouanet. Mas, de acordo com as autoridades, o objetivo das empresas não era patrocinar os projetos, mas obter contrapartidas ilícitas com uso de recursos públicos.

Entre 2003 e 2014, as companhias financiaram, por meio do esquema, diversos eventos restritos a convidados, como palestras, shows e festas, com base nos benefícios da Lei Rouanet. Com isso, além de promover suas marcas, elas foram beneficiadas pelos incentivos fiscais previstos na legislação. Segundo a delegada da PF Melissa Pastor, responsável pelas investigações, em alguns casos essa contrapartida já estava prevista nos contratos e, por isso, há fortes indícios de que a maior parte dos patrocinadores tinha conhecimento da fraude.

— Não podemos generalizar. Há fortes indicativos, de acordo com as provas colhidas até o momento, de que a maior parte dos patrocinadores que hoje nós estamos cumprindo mandados de busca e apreensão tinha conhecimento (das irregularidades). Encontramos já alguns contratos de patrocínio onde ficava explícita a cláusula de contrapartida. O que foi constatado ao longo das investigações é que ela era ora oferecida, ora exigida (pelos patrocinadores), ora oferecida — explicou.

Segundo a apuração das autoridades, recursos fornecidos via renúncia pelo Bradesco para um projeto da Bellini que consistia em apresentações da Orquestra Arte Viva “mesclando músicas erudita e instrumental” em São Paulo e no Rio custearam um show do cantor Roberto Carlos no Clube Esporte Pinheiros, na capital paulista, em comemoração aos 108 anos do local no ano de 2008.

Recursos da Volkswagen previstos para financiar quatro apresentações sinfônicas “aliando à música orquestrada à cultura nacional” foram usados, segundo a PF, para bancar a festa de 60 anos da empresa no Brasil, na Sala São Paulo em março de 2013 com coquetel e show da cantora Ana Carolina.

A partir dos mandados de busca e apreensão, a PF pretende identificar os responsáveis pelos contratos fraudados. O envolvimento de artistas no esquema foi descartado pelas investigações.

—Não restou comprovado o envolvimento dos artistas no desvio de recursos públicos. Nem o empresário do artista tinha conhecimento de qual era o valor daquele projeto, de onde saía o valor — esclareceu a delegada.

Em junho, quando a Operação Boca Livre foi deflagrada, a PF cumpriu 14 mandados de prisão e 37 de busca e apreensão. O Grupo Bellini, que atuava há 20 anos no mercado, foi o principal alvo das buscas. O dono da empresa, Antonio Carlos Bellini Amorim, e os filhos dele, Bruno e Felipe Amorim, que trabalhavam nela, chegaram a ser presos, mas atualmente respondem em liberdade. A Bellini é investigada por uma série de irregularidades nos projetos, como superfaturamento, apresentação de notas fiscais frias e projetos duplicados.

Em seus depoimentos Bruno e Felipe chegaram a dizer que oferecer shows e livros que beneficiam os patrocinadores das iniciativas culturais é “praxe” do mercado, uma espécie de “regra velada”. A colaboração, no entanto, foi insuficiente, segundo o MPF.

— Houve algumas confissões (da família Bellini), mas nós ainda esperamos que, com o agravamento da situação processual deles, possam colaborar ainda mais. Não entendemos como suficientes as contribuições dadas na fase investigatória — explicou a procuradora da República Karen Louise Kahn.

Além da PF e do MPF, a ação desta quinta-feira tem participação do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria Geral da União (CGU). Segundo o chefe da Controladoria Geral da União em São Paulo, Roberto Viegas, o órgão realizou um levantamento em 34 mil projetos e constatou problemas graves em quase 90% deles. Um relatório foi enviado ao Ministério da Cultura com diversas recomendações para que novas fraudes sejam evitadas.

— O objetivo da lei é excelente, ela é boa, o que precisa ocorrer é uma fiscalização da lei. Porque se os projetos forem fiscalizados enquanto estão sendo executados nós vamos evitar que fraudes ocorram e que recursos públicos sejam desviados — declarou a delegada da PF.

Em vigor desde 1991, a Lei Rouanet tem como um dos objetivos facilitar o acesso a fontes de cultura. O governo dá a permissão para que empresas ou pessoas físicas descontem valores do imposto devido, que são diretamente transferidos para produtores culturais.

OUTRO LADO

O Bradesco, por meio de sua assessoria de imprensa, divulgou nota na qual informa que “todos os seus patrocínios de projetos culturais sob os auspícios da Lei Rouanet foram rigorosamente realizados dentro das normas e regulamentos requeridos. As informações e documentos solicitados foram integralmente disponibilizados às autoridades solicitantes, o que, acreditamos, deverá embasar o esclarecimento dos fatos.”

A Volkswagen, também investigada, enviou nota dizendo que identificou, em 2014, incorreções em um processo realizado no ano anterior por uma agência prestadora de serviços de captação de incentivos fiscais via Lei Rouanet. “A partir disso, a empresa voluntariamente procurou o Ministério da Cultura e, em reunião realizada em 9 de dezembro de 2014, apresentou informações com o objetivo de regularizar tal processo, que desde então se encontra em avaliação e análise pelo órgão governamental. A Volkswagen do Brasil permanece inteiramente a disposição das autoridades para apresentar as informações necessárias para o esclarecimento do tema”.

Em nota, a diretoria do Clube Esporte Pinheiros informou que forneceu todos os documentos solicitados pelos agentes e que “reafirma seu irrestrito apoio às iniciativas oficiais que visam elucidar quaisquer circunstâncias que as autoridades constituídas entendam pertinentes, bem como reitera que continuará colaborando com as investigações, caso lhe seja novamente solicitado”.

Procurada pelo GLOBO, a Perdigão não se manifestou até a publicação desta reportagem. O GLOBO não conseguiu localizar a defesa do Grupo Bellini.