Política

Censo inédito mostra que presídios federais de segurança máxima reúnem 25 facções

Estudo mostra que 41% dos detentos são de dois grupos, que atuam em Rio e SP

A penitenciária de Catanduvas, no Paraná, é um das quatro unidades federais de segurança máxima, que totalizam 832 celas: distribuição é feita buscando distanciar o grupo criminoso do local de origem ou de domínio
Foto: Marizilda Cruppe/7-12-2010
A penitenciária de Catanduvas, no Paraná, é um das quatro unidades federais de segurança máxima, que totalizam 832 celas: distribuição é feita buscando distanciar o grupo criminoso do local de origem ou de domínio Foto: Marizilda Cruppe/7-12-2010

BRASÍLIA — Morada dos detentos mais perigosos do país, os quatro presídios federais de segurança máxima têm presos associados a 25 diferentes grupos organizados. É o que mostra o “Mapa de ocupação por facção criminosa”, documento inédito do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da Justiça, a que O GLOBO teve acesso. Juntas, uma facção que atua em São Paulo e outra do Rio de Janeiro respondem por 41% dos encarcerados, mas há nomes menos conhecidos, de associações ligadas a cárceres das regiões Norte, Nordeste e Sul.

O relatório oficial aponta que os grupos, não mais restritos ao eixo Rio-São Paulo, espalham-se nas cadeias do país como um reflexo de problemas históricos do sistema prisional: superlotação que dificulta o controle e baixa oferta de educação e trabalho. Embora o tamanho e a importância dessas facções no mundo do crime sejam desconhecidos, a história mostra que ignorá-las, reduzindo-as a um mero folclore no enredo da violência urbana, não é a saída mais sensata, sobretudo no momento em que o governo prepara um plano de segurança pública.

Não à toa, as informações sobre as facções são estudadas pela área de inteligência penitenciária do Ministério da Justiça na hora de distribuir os presos entre as quatro unidades federais de segurança máxima: em Catanduvas (PR), Mossoró (RN), Campo Grande (MS) e Porto Velho (RO). Marco Antônio Severo Silva, diretor-geral do Depen, explica que o objetivo, em linhas gerais, é distanciar o grupo criminoso do local de origem ou de domínio, conforme a disponibilidade de vagas. São 208 em cada presídio, totalizando 832 celas individuais.

— Se o grupo do preso tem origem em São Paulo, procuramos deixá-lo o mais longe possível de lá. Se são facções do Nordeste, não dá para colocar em Mossoró. E assim por diante — explica Severo. — Não vou deixar numa mesma ala, em que pese serem celas individuais, presos de facções rivais. Isso tudo tem que ser levado em conta.

“COLETIVOS CARCERÁRIOS”

Boa parte dos grupos listados no relatório, alguns com apenas um preso no sistema federal, não é necessariamente uma organização criminosa altamente organizada, com hierarquia, mensalidade, metas e até estatuto. Muitos podem ser definidos como uma espécie de “coletivos carcerários”, explica Emanuel Queiroz, coordenador de defesa criminal da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, com 18 anos de experiência na área. Funcionam como uma forma de os presos reivindicarem direitos sem serem individualizados, nos moldes de um sindicato, mas não devem ser subestimados, diz o defensor.

— Mesmo os grupos organizados não são tão orgânicos como muitas pessoas imaginam. Está longe da máfia italiana retratada em “O poderoso chefão”, mas é algo extremamente perigoso, que só cresce devido às condições precárias do sistema, arregimentando pessoas que não guardam nenhuma relação com essas facções — lamenta Queiroz.

O defensor cobra uma política de oferta de emprego e educação aos presos, que somam cerca de 622 mil pessoas alocadas em 371 mil vagas, segundo balanço mais recente do Ministério da Justiça. Apenas 11% dos detentos estudam e 20% trabalham. Queiroz não nega a existência de distúrbios ocasionados por brigas entre as facções, mas afirma que muitas autoridades colocam na conta das disputas entre os criminosos o motivo de rebeliões causadas, na verdade, por condições desumanas, comida estragada e até tortura.

Uma onda recente de rebeliões e mortes vem ocorrendo em presídios do Norte e Nordeste. Em Roraima, que registrou 11 homicídios nos últimos dez dias, o secretário de Justiça, Uziel de Castro, garante que a razão é a briga entre duas facções. Segundo ele, outros motins já ocorreram por condições inadequadas das cadeias, mas não as últimas:

— Nosso setor de inteligência verificou aumento significativo de pessoas batizadas nessas duas facções, neste ano de 2016, dentro dos presídios do estado. Em agosto, veio o alerta de que uma ordenou a morte de quem se batizasse na outra, tendo início todas essas rebeliões.

Uziel não faz cerimônia para mencionar os nomes das facções que atuam dentro dos presídios que administra. O tema é controverso entre as autoridades públicas e também na imprensa. Para o vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária (Consej), André Luiz de Almeida e Cunha, tratar publicamente os grupos pelas denominações ou siglas com que elas se autoidentificam seria uma “forma de induzir ou fortalecer” os próprios bandos:

— É um assunto que temos por obrigação manter intensamente sobre monitoramento constante, mas não podemos criar elementos indutores a essas práticas criminosas. Isso não significa ignorar a existência das facções.

Para Castro, secretário de Roraima, evitar pronunciar os nomes das facções não tem qualquer efeito sobre fortalecê-las ou não.

— Não há como tapar o sol com a peneira. São grupos que agem dentro, mas também fora das cadeias, ordenando ataques a ônibus, incêndios. É a realidade — rebate.

Daniel Oliveira Valente, secretário de Justiça do Piauí, que registrou rebeliões com mortes, no primeiro semestre do ano, tem raciocínio semelhante. Sem rodeios, ele diz que o setor de inteligência do sistema prisional já verificou que facções de fora estão tentando se estabelecer nas cadeias do estado. De acordo com o secretário, o Piauí é uma das poucas unidades da Federação em que as maiores organizações criminosas do país ainda não exercem comando sobre presídios. Mas já existem grupos locais que tentam se organizar, diz Valente. Ele prega uma política nacional para enfrentar o problema:

— Enquanto os estados não compartilharem informações, sob um comando nacional, com estratégias de inteligência, não será possível conter essa expansão de facções. Não só na área prisional, mas na segurança pública de forma geral.

SUPERLOTAÇÃO PREJUDICA APLICAÇÃO DA LEI

As estratégias para debelar as facções passam também pela melhoria do sistema carcerário, defende Valente. O secretário usa o exemplo de duas unidades prisionais no estado que não sofrem com superlotação. Segundo ele, nunca houve rebelião em nenhuma delas, nem indícios de bandos organizados, ainda que pequenos. Ele aponta que ter presos acima da capacidade prejudica ou até mesmo impede uma série de políticas públicas e procedimentos padrões de segurança, inclusive a adequada separação dos presos por perfil, como manda a Lei de Execução Penal. A rotina de revistas para barrar entrada de celulares e drogas também fica ameaçada.