• Vanessa Lima
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Parto na água: cuidados para o bebê chegar com segurança (Foto: Artistic Captures/Getty Images)

Parto na água: cuidados para o bebê chegar com segurança (Foto: Artistic Captures/Getty Images)

Quando Manuela, 3 anos, nasceu, sua mãe, Carolina Tuller, 34, não ouviu o choro estridente, como esperava. Em todos os programas sobre partos a que ela assistiu antes e durante a gravidez (quem nunca, não é?), a equipe médica se desesperava quando a criança não gritava. Havia algo errado com sua primeira filha? “Fiquei por muito tempo tentando compreender por que ela não chorou. Hoje, entendo que Manu nasceu muito serena; não percebeu que já tinha nascido e, por isso, não chorou”, lembra a empresária, que deu à luz a filha em uma banheira em um hospital de São Paulo.

Essa vivência de Carolina tem explicação, segundo Alexandre Lopes Miralha, do Departamento de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP): “A água morna mimetiza o líquido amniótico no qual o bebê estava envolto no útero materno, o que pode tornar a transição para o ambiente externo mais suave”, diz. Apesar de relatos de nascimentos tranquilos assim, há grande receio sobre a segurança de trazer o filho ao mundo na água: “Será que a criança não vai se afogar?”, “E se ela pegar uma infecção?”. Esses são alguns dos medos mais comuns.

No entanto, uma pesquisa recente, publicada pelo Journal of Midwifery& Women’s Health, analisou dados de mais de 18 mil partos nos Estados Unidos, de 2004 a 2009, e concluiu: nascer dessa forma não é mais arriscado do que fora dela. Dados como taxa de internação do bebê na UTI, o Apgar (avaliação do recém-nascido feita logo após o nascimento) e ocorrência de infecções em cada uma das situações foram levados em conta para a pesquisa. “A imersão na água é uma técnica útil de controle da dor para mães em trabalho de parto”, afirma Marit Bovbjerg, uma das autoras da pesquisa e professora da Faculdade de Saúde Pública e Ciências Humanas da Universidade de Oregon (EUA), em entrevista à CRESCER. “Nosso estudo não mostrou um benefício de nascer na água, exceto pela habilidade de parir sem necessidade de outras intervenções para o alívio da dor,mas, conclusivamente, demonstrou que o parto na água não é mais perigoso que o em terra firme.”

SAIBA QUE...
...o parto na água só pode ser realizado em mulheres com gestação de baixo risco, quando o nascimento é a termo e sem intercorrências de mãe e bebê, como diminuição dos batimentos cardíacos da criança....nem todos os hospitais e centros de parto têm estrutura adequada para esse tipo de parto. Em alguns, dá para usar a alternativa: sentar em uma bola de pilates, que facilita os movimentos do quadril, embaixo de um chuveiro com água morna. A prática ajuda a aliviar a dor das contrações. Porém, se nem esse caminho for possível, tenha em mente que o importante é que o parto seja um momento bom para você e para o bebê. Nada de frustração!

E PARA A MÃE, É MELHOR?
“Para mim, a pergunta é: ‘Por que não?’”, diz a obstetriz Ana Cristina Duarte, coordenadora do Grupo de Apoio à Maternidade Ativa, de São Paulo (SP). Na opinião dela, o parto deve ser da maneira que for mais confortável para a mulher, pelo menos quando a gravidez é de baixo risco e enquanto não existirem intercorrências, como alteração nos batimentos cardíacos do bebê.

Conforto, aliás, também é a palavra-chave para o ginecologista e obstetra Alberto Guimarães, do Hospital e Maternidade São Luiz Itaim (SP). “Se estar na água é a vontade da mãe e se conseguimos oferecer essa liberdade, ela se sente mais confiante, mais relaxada, e a evolução, como um todo, é mais favorável”, afirma.

Assim como revelou o estudo norte-americano, a água morna alivia a dor porque a temperatura favorece o relaxamento muscular. Outro ponto é que, ao entrar na banheira, o corpo fica mais leve, o que possibilita maior variedade de posições e movimentos - o que colabora na hora de encontrar uma maneira de suportar melhor o desconforto quando as contrações chegam. Por conta disso, é menos provável que a mulher necessite de analgesia. “A imersão na água durante a primeira fase do trabalho de parto [período em que a dilatação está acontecendo] reduz em 18% a necessidade de analgesia espinhal”, diz o Manual de Assistência ao Abortamento, Parto e Puerpério, da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Essa redução é também um benefício para o bebê. “Com isso, elimina-se o risco de a medicação interferir no trato respiratório do recém-nascido, por exemplo”, diz Miralha, da SBP.

DENTRO OU FORA?
De acordo com Alberto Trapani Júnior, presidente da Comissão Nacional de Assistência ao Parto, Puerpério e Abortamentos da Febrasgo, a federação é favorável ao uso da banheira na primeira fase, mas mantém ressalvas quanto ao período expulsivo, quando, de fato, o bebê nasce. “A imersão na água nessa etapa inicial auxilia na redução da dor, sem alterar a duração do trabalho de parto e, tampouco, a incidência de parto cirúrgico e os desfechos neonatais desfavoráveis. Já o nascimento dentro da água é pouco estudado e não podemos avaliar adequadamente sua segurança e eficiência. O assunto está novamente em fase de discussão”, argumenta.

parto na agua (Foto: Crescer/ Editora Globo)

Por conta dessa recomendação, em alguns partos hospitalares a mulher permanece dentro da banheira no começo, mas, com frequência, é incentivada a sair quando o bebê está quase chegando.“Nem toda equipe está familiarizada com o parto na água. Então, muitas vezes, o próprio médico não estimula a paciente”, explica a obstetra Haydée Castro Neves, da maternidade Perinatal Barra (RJ).

Em contrapartida, a pesquisadora do estudo norte-americano é enfática: “Humanos e outros mamíferos têm o chamado ‘reflexo de mergulho’ quando muito jovens. Isso previne os recém-nascidos de inspirarem se o nariz e a boca estiverem submersos. Assim, os bebês não vão tentar respirar imediatamente se eles nascerem na água”, diz Marit.O obstetra Alberto Guimarães pondera: “Temos que lembrar que, dentro do útero, o bebê está imerso em água. Quando nasce, recebe a oxigenação pela placenta, enquanto o cordão estiver pulsando. Então, não vai se afogar”. Nem por isso ele precisa ficar muito tempo submerso.“O normal é nascer e ir para o colo da mãe”,explica. No entanto, reforça, esse mecanismo só pode ser confiável se a gestação foi saudável e o bebê estiver bem.

Por isso, uma das recomendações para o parto na água, segundo o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas e a Associação Americana de Pediatria, seguida pela Febrasgo, é sempre acompanhar os batimentos cardíacos do bebê.“O monitoramento das mães e dos fetos deve ser feito em intervalos apropriados enquanto imersos”, ressalta Trapani Júnior. “Se o batimento cardíaco do bebê está alterado e vai ter que ser monitorado, isso não pode ser feito dentro da água. Então, o parto deixou de ser de baixo risco”, exemplifica Ana Cristina.

De forma unânime, os especialistas ressaltam que o parto na água deve ser uma decisão da mulher em conjunto com o médico, que irá avaliar o melhor para a saúde de mãe e filho.

A imersão na água pode ajudar a reduzir a dor para a mãe (Foto: ArtisticCaptures/Getty Images)

A imersão na água pode ajudar a reduzir a dor para a mãe (Foto: ArtisticCaptures/Getty Images)



INFECÇÕES E AFINS
Escolha feita, o próximo ponto importante a ser considerado em um parto na água é a higiene da banheira. “Existem registros na literatura de infecções associadas ao parto na água quando ela não foi adequadamente desinfetada. No entanto, com medidas sanitárias em dia, a infecção não é mais recorrente nos nascimentos na água em comparação aos nascimentos comuns”, diz Marit.

LACERAÇÕES
As chances de lesões na vagina também são discutidas por obstetras que defendem ou argumentam contra o parto na água. O estudo da Universidade de Oregon revelou que, nos nascimentos que aconteceram dentro da água, houve um número ligeiramente maior de lacerações. Segundo Marit, uma das autoras da pesquisa, não há explicação para esse aumento, mas diz que não é necessária preocupação. “Uma das hipóteses é que o parto na água dificulta ao médico a proteção ao períneo e/ou o diagnóstico de algum problema. Pode ser também que a saída mais rápida do feto contribua para o aumento das lesões”, diz Trapani, da Febrasgo. Já a obstetra Haydée Castro Neves afirma que a chance de trauma está mais relacionada à liberdade da mulher. “Se ela estiver confortável e fazendo força de maneira gradual e espontânea, o risco é cada vez menor. Quanto mais manobras a equipe fizer, com o que chamamos de puxos orientados [quando o médico quer acelerar o parto], mais a mulher tem que fazer forças muito concentradas. Então, a possibilidade de laceração aumenta”, explica. Stella Torquato, que teve a filha, Lia, 6 meses, em casa, nem sentiu o bebê passar. “Foi até um susto quando ela saiu, porque não percebi. No vídeo, eu dou um gritinho, mas não é de dor, é de susto”, conta.

Para evitar riscos, o ideal é que seja uma banheira simples, com um único ralo de escoamento. “As de hidromassagem não são indicadas, porque a higienização desse tipo de encanamento é muito mais complexa”, pontua Ana Cristina. É importante, ainda, que ela ofereça liberdade de movimentos para a gestante e não seja cercada por paredes. Assim, a equipe médica tem acesso mais fácil à mulher,no caso de precisar ajudá-la. No caso dos partos domicilares, dá para usar uma piscina inflável (as de 300 litros, com 1,5 metro de diâmetro são suficientes), forrada com uma lona plástica descartável, própria para isso. O tamanho deve ser o que acomode melhor a grávida. A água usada deve ser tratada, da torneira ou do chuveiro, e estar em temperatura agradável – em geral, em torno de 36ºC a 38ºC – e não precisa ter nenhum tipo de substância extra. Para mantê-la aquecida, caso o trabalho de parto demore, é preciso que a equipe acrescente água quente aos poucos.

Mas e se, na força do trabalho de parto, a mulher evacuar? O bebê corre risco de infecção? Segundo os especialistas ouvidos pela CRESCER, não. “A equipe que assiste ao parto está acostumada e tem uma espécie de redinha, para tirar rapidamente as fezes. Além disso,o bebê já está acostumado às bactérias do corpo da mãe.Elas servem para colonizá-lo e funcionam quase como uma vacina. São bactérias do bem”, tranquiliza Guimarães.“Não é à toa que o canal vaginal fica próximo ao ânus. O bebê passa por ali justamente para ter contato com a flora materna. Essa é, inclusive,uma das grandes vantagens do parto normal”, explica Ana Cristina.

NASCEU E AGORA?
Assim que o bebê nascer, é preciso ficar atento para evitar que ele perca calor. “Ele sai da água molhado e pode esfriar rapidamente no colo da mãe. Então, um dos primeiros cuidados é aquecê-lo logo”, diz Ana Cristina. O que pode ser feito, a princípio, com uma toalha limpa encharcada na água morna, jogando delicadamente no corpo dele,mas, logo depois, é preciso tirá-lo da água para se vestir. A mãe também não deve permanecer por mais de dez minutos na água após o parto, para que o obstetra possa avaliar se há algum tipo incomum de sangramento. A água não aumenta as chances, mas dificulta a avaliação da quantidade de sangue. Então, fica a dica: Nasceu? É hora de dar colo e peito do lado de fora da banheira.

MUDANÇA DE PLANOS


Não é raro que as mulheres planejem e sonhem com as crianças chegando ao mundo dentro de uma banheira, mas, na hora do parto, não sintam vontade ou não possam fazer isso, por diversos motivos. Confira relatos:

"Gosto de estar dentro da água, relaxo melhor, me concentro no meu corpo e nos sentidos. Por isso, acreditei que o parto na água traria mais conforto e tranquilidade. Mas, na hora, nem cogitei montar a banheira. O parto me provou que é importante planejar, mas que saber aproveitar o momento do jeito que ele se apresenta e seguir o que é natural, é tão importante quanto.”"

BRUNA ESTELA, 28 ANOS, MÃE DE ÍRIS, 2 MESES

"A partir do momento que senti que a dor poderia ser um fator limitante para seguir a via que eu havia escolhido [o parto normal], resolvi pedir analgesia. Sair da água era frustrante, mas eu já tinha me preparado para adotar caminhos alternativos.” (Segundo Alberto Guimarães, após a analgesia, não é possível voltar para a banheira, já que o catéter pode molhar e levar a infecções.)""

SUELLEN PAZ, 35 ANOS, MÃE DE RAFAELLA, 4, E BRUNO, 1

"Procurei um obstetra que apoiasse esse meu sonho [do parto na água], mesmo que tivesse que ser particular. Até as músicas estavam escolhidas. Malas prontas. Tudo preparado. Só esqueci de combinar com a Bianca. Na 40ª semana de gestação, sentia que ela estava se mexendo menos que de costume e depois tive um sangramento, o que levou a uma cesárea de emergência. Não foi nada do jeito que imaginei, mas foi a experiência mais intensa da minha vida. Ela nasceu e eu renasci.""

FERNANDA GHISLOTI, 31 ANOS, MÃE DE BIANCA, 2

"Eu não conseguia achar uma posição confortável na banheira no meu primeiro parto. Tentei por diversas vezes me ajustar, mas acabei passando a maior parte do trabalho de parto me movimentando fora dela. Acho que o próprio formato da banheira, que era fixa, instalada no canto do banheiro, contribuiu para isso. De qualquer forma, se eu estivesse feliz ali, a equipe do hospital teria me pedido para sair porque era protocolo não permitir o nascimento na água. No fim, foi bom não ter me encontrado. No nascimento da minha segunda filha, optei por um parto domiciliar na banheira. A água ajudou bastante e pude sentir na pele o relaxamento e o alívio que ela traz; me trouxe tranquilidade. Deu certo!""

CAMILA SANTIAGO, 32 ANOS, MÃE DE BENÍCIO, 3, E DE AURORA, 1

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