Brasil Educação

Relator da MP do ensino médio permite educação a distância

Instituições "com notório reconhecimento" poderão ser contratadas por governos estaduais, segundo texto de senador, que é dono de escola privada; ele nega haver conflito de interesses
Para o período noturno, relator substituiu a ampliação da carga horária por um sistema de créditos Foto: Marcia Costa / Agência O Globo
Para o período noturno, relator substituiu a ampliação da carga horária por um sistema de créditos Foto: Marcia Costa / Agência O Globo

BRASÍLIA — Relator da MP que reforma o ensino médio, o senador Pedro Chaves (PSC-MS) criou a possibilidade de “instituições de educação a distância com notório reconhecimento”, a ser comprovado até por “demonstração prática”, serem contratadas pelos sistemas estaduais de ensino médio para cumprir o currículo. A medida consta no relatório apresentado nesta terça-feira por Chaves, que fez fortuna no mercado do ensino privado no Brasil.

O senador, que foi dono de uma grande universidade com sede em Campo Grande e vários campi descentralizados, depois vendida ao Grupo Anhanguera, é hoje proprietário de uma escola de educação básica na capital sul-mato-grossense. Ele nega haver qualquer conflito de interesse entre a função de relator da reforma do ensino médio e a ligação que tem com o mercado da educação.

Questionado se as mudanças apresentadas não seriam uma forma de abrir oportunidades de negócio para instituições de ensino a distância pouco reconhecidas, com prejuízo da qualidade da educação ofertada, Chaves negou. E disse que caberá às secretarias estaduais de Educação, responsáveis pelo ensino médio, credenciar essas instituições dentro de regras próprias:

— Todas as instituições que funcionam a distância, talvez isso não esteja muito explícito no texto, precisam ser credenciadas. Então, os conselho de educação, as secretarias estaduais vão verificar se elas são idôneas, se têm qualidade. A ideia da reforma é descentralizar o ensino para os estados — afirmou Chaves ao GLOBO. — Não vejo (conflito de interesse). A escola que minha mulher, que é pedagoga, cuida é tão pequenininha. Não há nenhum conflito.

A escola, segundo o próprio senador, tem 3 mil alunos na educação básica e funciona em Campo Grande. Chaves disse que, se dependesse do negócio para viver, estaria em má situação, porque cada vez mais os alunos têm deixado a rede privada e migrado para o ensino público.

Para o educador Cesar Callegari, integrante do Conselho Nacional de Educação, a medida incluída no projeto pelo relator tem dois problemas: além do risco de se trabalhar com instituições de qualidade duvidosa nas escolas, a educação a distância é proibida no ensino médio, segundo as diretrizes curriculares nacionais.

— Esse tema foi muito debatido e a proibição da educação a distância no ensino médio tem como argumento o direito dos jovens à aprendizagem, mas também à convivência entre os pares, no desenvolvimento dos processos afetivos, sociais, entre outros — afirma Callegari. — A maneira como essa previsão está escrita no relatório cria um vale-tudo que pode trazer para o mesmo saco instituições sérias e reconhecidas e instituições sem qualquer tradição.

O relator incluiu também outros pontos que não estavam na MP relacionados à formação de professores. De acordo com o texto que ele propôs, graduados em qualquer área poderão se tornar professores da educação básica, desde que façam uma complementação pedagógica. Isso já é permitido, mas, segundo resolução do Conselho Nacional de Educação, o profissional precisa fazer 1.400 horas de estudos para aprender a dar aula.

Chaves defende que esse tempo seja de 360 horas, embora não tenha explicitado essa duração no texto da MP. Ele faz um paralelo em relação ao graduado que faz especialização e pode lecionar em faculdades:

— Por que um engenheiro tem que fazer uma complementação de 1.400 horas para dar aula na educação básica, se para lecionar no ensino superior basta fazer um curso de 360 horas (especialização)? Quem pode mais não pode menos? — questiona.

Apesar do raciocínio, no parecer apresentado junto com as mudanças, Chaves diz que a ideia é garantir “uma formação pedagógica mínima” para enfrentar o “deficit de professores devidamente preparados no país”. A medida, ainda segundo ele, “desafoga e incrementa no espaço escolar as possibilidades de atuação e de atendimento às necessidades do aluno”.

Callegari diz que exigir 360 horas como complementação pedagógica, para habilitar profissionais a serem professores, é “improvisar”:

— Sob vários aspectos, é mais fácil dar aula para a educação superior que para a educação básica. Em educação básica, não se improvisa.

Chaves também retirou da Lei de Diretrizes e Bases da Educação a obrigatoriedade de que a formação dos profissionais ocorra em universidades e institutos superiores, expressa na legislação. De acordo com ele, a mudança se deu apenas para adequar a norma à realidade, já que “faculdades isoladas”, não ligadas à universidades ou institutos, já formam professores há décadas, desde credenciadas pelo Ministério da Educação.