Política

Senado desobedece STF e mantém Renan na presidência

Casa vai aguardar a decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal

BRASÍLIA — Um ato da Mesa Diretora, presidida pelo próprio senador Renan Calheiros (PMDB-AL), determinou o descumprimento da decisão judicial proferida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, que obrigava Renan a se afastar imediatamente da presidência do Senado. De acordo com o texto, divulgado no início da tarde desta terça-feira, o Senado vai aguardar a decisão do plenário do STF, agendada para ser tomada amanhã , sobre a manutenção ou não da liminar do ministro.

A decisão da Mesa é assinada pelo próprio Renan, pelos vice-presidentes Jorge Viana (PT-AC) e Romero Jucá (PMDB-RR), e pelos senadores Sérgio Petecão (PSD-AC), Zezé Perrella (PTB-MG), Vicentinho Alves (PR-TO), João Alberto (PMDB-MA) e Gladson Cameli (PP-AC). Dos integrantes da Mesa Diretora, apenas Elmano Férrer (PTB-PI) e Ângela Portela (PT-RR) não assinaram o documento.

O vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), disse que só assinou o ato da Mesa depois de uma mudança no final do texto que deixava claro que o Senado apenas esperaria a decisão do pleno do STF, marcada para amanhã. O texto final diz que o Senado decide que "vai aguardar a deliberação final do Pleno do STF".

Na versão anterior, o embate com o Supremo em defesa de Renan era mais explícito e deixava margem para haver um descumprimento de fato. "Aguardar a deliberação final do Pleno do STF, anteriormente à tomada de qualquer providência relativa ao cumprimento de decisão monocrática em referência".

Segundo o colunista Jorge Bastos Moreno, Viana esteve no Supremo hoje pela manhã onde negociou a solução para o impasse . Viana conversou com vários ministros da corte, inclusive com a presidente Cármen Lucia. Só depois dessa conversa é que a mesa do Senado divulgou nota reasaltando a sua recusa em cumprir a decisão de Mello que era temporária, ou seja, valeria apenas até a decisão final do plenário do Supremo.

Logo após a divulgação da nota, Renan concedeu uma curta entrevista coletiva e fez duas críticas ao ministro Marco Aurélio, afirmando que a democracia não "merece esse fim". Nos bastidores, Jorge Viana estava ao lado de Renan na reação e tinha dito a colegas que não aceitaria assumir nessa situação atual.

— Há uma decisão da Mesa que tem que ser observada, porque é tomada em relação à separação e à independência dos Poderes. E vamos aguardar a decisão do STF. Há uma decisão da Mesa Diretora que precisa ser observada do ponto de vista da separação dos Poderes e do ponto de vista do afastamento, a nove dias, do término do mandato de um presidente de um poder, por decisão monocrática. É isso que tem que ser observado. Com equilíbrio, responsabilidade, isenção e pensando no país, há uma decisão da Mesa do Senado que precisa ser observada — disse Renan.

Renan ainda fez críticas ao ministro Marco Aurélio, que o afastou liminarmente do cargo.

— Já como presidente do Senado me obriguei a cumprir liminares piores do ministro Marco Aurélio. Uma delas, a qual fiz questão de cumprir, citando um a um, foi decisão do ministro Marco Aurélio que impedia que acabássemos com os super salários no Legislativo. Ele concedeu uma liminar e me obrigou a citar um a um, e eu citei os 1.100 servidores do Senado que ganhavam acima do teto. E desfiz o super salários no Senado. Em outras palavras, toda vez em que ele ouve falar em super salário, ele parece tremer na alma. E ao tomar uma decisão de afastar um presidente do Senado, o chefe de um Poder, por uma decisão monocrática, a democracia, mesmo no Brasil, não merece esse fim.

Texto da Decisão da mesa do Senado que mantém Renan Calheiros na presidência da Casa Foto: Reprodução
Texto da Decisão da mesa do Senado que mantém Renan Calheiros na presidência da Casa Foto: Reprodução

A decisão da Mesa concede a Renan um prazo para que ele apresente defesa no próprio Senado para que só depois a direção da Casa tome providências em relação à liminar de Marco Aurélio. O texto afirma que a decisão do ministro afeta "gravemente o funcionamento das atividades legislativas, em seu esforço para deliberação de propostas urgentes, para contornar a grave crise econômica sem precedente que o país enfrenta".

Um dos membros da Mesa que articulou o documento, o presidente do Conselho de Ética da Casa, senador João Alberto de Souza (PMDB-AM), disse que a Constituição lhes dá poderes para repelir atos de intromissão de um Poder no outro. O senador maranhense acusou o ministro Marco Aurélio Mello de “exagerar” na decisão de afastar Renan do comando do Senado um dia depois de manifestações pedindo sua cabeça que “foram um fracasso total”.

- O ministro Marco Aurélio adotou uma medida exagerada, midiática. A manifestação contra Renan nas ruas foi um fracasso total. Aquele barulho todo, a gente esperava 150 mil pessoas aqui, 200 mil acolá. Mas acabou tendo cinco mil, três mil. Em São Luis, não tinha 100 pessoas na rua - protestou João Alberto.

O aliado de Renan fez questão de ressaltar que a opção pelo documento foi uma decisão unânime dos membros da Mesa, e não um enquadramento do presidente afastado para mostrar força.

- Renan pouco falou. Mas estávamos todos revoltados, não havia urgência para, com uma liminar, o ministro Marco Aurélio afastar o presidente de um poder. Qualquer jurista sabe que a Constituição nos dá todos os poderes para respaldar Renan até que o pleno decida. É uma violência um poder se intrometer no outro poder - disse João Alberto.

‘CHÁ DE CADEIRA’

Após marcar para 11h de hoje o recebimento da notificação, Renan deu um 'chá de cadeira' no oficial de Justiça, que chegou ao Senado por volta das 9h saiu por volta das 15h. Ao final de uma espera a pão e água no gabinete da presidência do Senado, o oficial de Justiça do STF recebeu, de um assessor de Renan, cópia do documento com a decisão da Mesa diretora do Senado de não assinar a notificação e não tomar qualquer atitude até que o pleno do STF decida sobre os recursos impetrados para anular a decisão monocrática do ministro Marco Aurélio Mello.

A ideia inicial era que o documento fosse submetido ao plenário, mas diante da possibilidade de derrota , Renan optou apenas pelo respaldo não unânime dos membros da Mesa. A quarta secretária Ângela Portela (PT-RR) se negou a participar da articulação do documento ou assiná-lo. O oficial saiu do gabinete de Renan balançando a cabeça demonstrando incredulidade , com a notificação sem assinar dentro da pasta.

— Não sei o que vai acontecer agora, mas Renan não vai ser preso. Isso ás vezes acontece no meu trabalho — disse o oficial, que não quis revelar o nome, e ontem também bateu á porta de Renan e não foi atendido.

— Ele ficou numa salinha reservada, mas foi bem tratado — disse um dos assessores de Renan.

Renan foi afastado da presidência do Senado por liminar concedida pelo ministro do Supremo Marco Aurélio Mello , que concordou com os argumentos da Rede Sustentabilidade, autor da ação, de que quem é réu não pode fazer parte da linha de sucessão do presidente da República - no caso, os presidentes da Câmara e do Senado e o presidente do STF. O STF abriu na semana passada ação penal para investigar Renan por peculato — ou seja, desviar bem público em proveito particular. O processo apura se a empreiteira Mendes Junior pagou pensão alimentícia à jornalista Mônica Veloso, com quem o parlamentar tem uma filha.


Senado desobedece STF e mantém Renan na presidência
Foto: Givaldo Barbosa / Agência O Globo
Senado desobedece STF e mantém Renan na presidência Foto: Givaldo Barbosa / Agência O Globo