30/11/2016 14h01 - Atualizado em 30/11/2016 14h50

Janot diz que Câmara colocou país em marcha à ré no combate à corrupção

Deputados aprovaram versão desfigurada de proposta enviada pelo MP.
Das dez medidas originais, só quatro foram mantidas, e com modificações.

Renan RamalhoDo G1, em Brasília

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, emitiu nota nesta quarta-feira (30) contrária à aprovação pela Câmara, de uma proposta diferente da formulada pelo Ministério Público com 10 medidas de combate à corrupção.

No texto, chefe do MP diz que a votação “colocou o país em marcha a ré”. Nesta quarta, também por meio de nota,

Após destacar o apoio popular recebido pela proposta original, que chegou ao Congresso com mais de 2,5 milhões de assinaturas, Janot disse que a Câmara “desperdiçou uma chance histórica de promover um salto qualitativo no processo civilizatório da sociedade brasileira”.

 

“O que havia de melhor no projeto foi excluído, e medidas claramente retaliatórias foram incluídas”, afirmou, acrescentando que uma das mudanças realizadas “objetiva intimidar e enfraquecer Ministério Público e Judiciário”, em referência à emenda de deputados que prevê possibilidade de punição por abuso de autoridade para promotores e juízes.

Entre outras mudanças, Janot também criticou a retirada da criminalização do enriquecimento ilícito, da facilitação para confisco de bens oriundos de corrupção e mudanças na prescrição de crimes.

“As 10 Medidas contra a Corrupção não existem mais. O Ministério Público Brasileiro não apoia o texto que restou, uma pálida sombra das propostas que nos aproximariam de boas práticas mundiais”, escreveu o procurador-geral.

Em vários trechos, Janot também diz que o Ministério Público vai continuar combatendo o crime, apesar de considerar a decisão da Câmara uma “rejeição violenta e irracional” ao trabalho do órgão e do Judiciário.

“Encareço aos membros do Ministério Público Brasileiro que se mantenham concentrados no trabalho de combate à corrupção e ao crime. Que isso não nos desanime; antes, que nos sirva de incentivo ao trabalho correto, profissional e desprovido de ideologias, como tem sido feito desde a Constituição de 1988. Esse ponto de inflexão e tensão institucional será ultrapassado pelo esforço de todos e pelo reconhecimento da sociedade em relação aos resultados alcançados”, diz nota.

Íntegra da nota
Leia abaixo a íntegra da nota divulgada pelo procurador-geral da República:

Foram mais de dois milhões de assinaturas. Um apoio maciço da sociedade brasileira, que também por outros meios se manifestou. Houve o apoio de organismos internacionais. Foram centenas de horas de discussão, de esclarecimento e de um debate sadio em prol da democracia brasileira. Foram apresentadas propostas visando a um Brasil melhor para as futuras gerações.

No entanto, isso não foi o suficiente para que os deputados se sensibilizassem da importância das 10 Medidas de Combate à Corrupção. O resultado da votação do PL 4850/2016, ontem, colocou o país em marcha a ré no combate à corrupção. O Plenário da Câmara dos Deputados desperdiçou uma chance histórica de promover um salto qualitativo no processo civilizatório da sociedade brasileira.

A Casa optou por excluir diversos pontos chancelados pela Comissão Especial que analisou as propostas com afinco. Além de retirar a possibilidade de aprimorar o combate à corrupção – como a tipificação do crime de enriquecimento ilícito, mudanças na prescrição de crimes e facilitação do confisco de bens oriundos de corrupção –, houve a inclusão de proposta que coloca em risco o funcionamento do Ministério Público e do Poder Judiciário, a saber, a emenda que sujeita promotores e juízes à punição por crime de responsabilidade.

Ministério Público e Judiciário nem de longe podem ser responsabilizados pela grave crise ética por que passa o país. Encareço aos membros do Ministério Público Brasileiro que se mantenham concentrados no trabalho de combate à corrupção e ao crime. Que isso não nos desanime; antes, que nos sirva de incentivo ao trabalho correto, profissional e desprovido de ideologias, como tem sido feito desde a Constituição de 1988. Esse ponto de inflexão e tensão institucional será ultrapassado pelo esforço de todos e pelo reconhecimento da sociedade em relação aos resultados alcançados.

Um sumário honesto da votação das 10 Medidas, na Câmara dos Deputados, deverá registrar que o que havia de melhor no projeto foi excluído e medidas claramente retaliatórias foram incluídas. Cabe esclarecer que a emenda aprovada, na verdade, objetiva intimidar e enfraquecer Ministério Público e Judiciário.

As 10 Medidas contra a Corrupção não existem mais. O Ministério Público Brasileiro não apoia o texto que restou, uma pálida sombra das propostas que nos aproximariam de boas práticas mundiais. O Ministério Público seguirá sua trajetória de serviço ao povo brasileiro, na perspectiva de luta contra o desvio de dinheiro público e o roubo das esperanças de um país melhor para todos nós.

Nesse debate, longe de qualquer compromisso de luta contra a corrupção, vimos uma rejeição violenta e irracional ao Ministério Público e ao Judiciário. A proposta aprovada na Câmara ainda vai para o Senado. A sociedade deve ficar atenta para que o retrocesso não seja concretizado; para que a marcha seja invertida novamente e possamos andar pra frente.

O conforto está na Constituição, que ainda nos guia e nos aponta o lugar do Brasil. Que seja melhor do que o que vimos hoje.

Rodrigo Janot
Procurador-Geral da República
Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público

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