Rio

Após arquivamento de processo, mãe de menino Eduardo vai ao STJ

Teresinha Maria de Jesus tenta reconstruir a vida, após criança ser assassinada no Alemão
Tristeza. Teresinha só dorme parte da noite e não esquece as imagens do filho baleado Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Tristeza. Teresinha só dorme parte da noite e não esquece as imagens do filho baleado Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

RIO - Teresinha Maria de Jesus leva sempre na bolsa a flauta amarela de Eduardo. Seu filho estava aprendendo as primeiras notas. Após a morte do menino, com um tiro de fuzil na cabeça disparado por um policial militar, Teresinha deu ao instrumento um novo significado: virou um elo entre ela e o caçula. Assim como o uniforme escolar da criança, mantido sempre cheiroso, que Teresinha também carrega sempre com ela, como um amuleto em seu périplo por justiça.

Se estivesse vivo, Eduardo teria 12 anos e estaria a caminho da sétima série no Ciep Maestro Francisco Mignone, na Rua Itapé, em Olaria, onde estudou a vida toda. O colégio fica perto do Complexo do Alemão, onde Eduardo foi alvejado enquanto brincava com o celular na porta de casa, na tarde de 2 de abril de 2015. Em pleno feriado da Páscoa, com a favela lotada de moradores em dia de folga, policiais abriram fogo no beco em que Teresinha e sua família viviam desde que tiveram a antiga casa desapropriada para a construção do teleférico nas favelas do Alemão.

— Hoje estou mais forte para lutar pelo meu filho. Mesmo com essa punhalada que acabei de receber, não vou desistir, nem que eu morra por isso — afirma, sentada na cama ao lado do neto Tiago, em sua casa em Guaratiba.

A punhalada a que se refere foi o arquivamento do processo contra os dois policiais acusados de matarem Eduardo, em decisão tomada semana passada pela 2ª Câmara Criminal. Um duro golpe no coração da mãe. Antes, a Divisão de Homicídios precisou de sete meses para concluir que o tiro que matou Eduardo a cinco metros de distância, segundo a perícia, foi “em legítima defesa”, e que ele havia sido atingido por estar no meio do caminho entre PMs e traficantes. O diretor da DH, delegado Rivaldo Barbosa, disse que não poderia comentar o caso, mas que “dorme com a consciência tranquila”.

“Quem morreu foi o filho de uma nordestina, pobre e favelada”

Teresinha Maria de Jesus
Mãe de Eduardo

NATAL SEM O FILHO

Teresinha não dorme bem. Passa metade das noites em claro, acorda e levanta várias vezes de madrugada, mas nunca toma calmantes (“deixam a gente boba, preciso de lucidez”, afirma). Trabalhando como cozinheira em um sítio ao lado de onde mora, ela conta ter passado três dias sem conseguir se alimentar, apenas bebendo água, quando soube do trancamento do processo. Vai voltar semana que vem a Correntes, no Piauí, onde nasceu e enterrou o filho. Pensa em vir para o Rio quando o defensor público Daniel Lozoya tiver novidades sobre o caso — a defesa irá recorrer da decisão no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.

— Esses desembargadores fizeram isso porque não foram obrigados a ver o crânio do filho deles no meio da sala. Quem morreu foi o filho de uma nordestina, pobre e favelada. Ninguém liga — critica Teresinha.

Sua força vem não apenas de si, mas também de outras mães, como Ana Paula de Oliveira, do jovem Jonathan de Oliveira, morto por policiais militares aos 19 anos em uma operação no Complexo de Manguinhos, em 2014. Elas trocam mensagens quase diariamente e estão sempre juntas em protestos e encontros pela memória de seus mortos. Na segunda-feira passada, quando a chacina de Costa Barros completou um ano, foram para a porta do Tribunal de Justiça pedir celeridade no processo contra os quatro policiais que deram 111 tiros nos amigos Wilton, Wesley, Cleiton, Carlos Eduardo e Roberto. De mãos dadas com parentes das vítimas, Teresinha e Ana Paula rezaram o pai-nosso e desabafaram.

Com o Natal se aproximando, Teresinha imagina Eduardo pedindo pernil e rabanada, como na última festa em que esteve presente. No Dia das Mães, recordou a vez em que o menino voltou da rua com uma rosa para ela. No Dia das Crianças, lembrou que ele já começava a dizer que não era mais criança, que já era um homem, embora não abrisse mão de ganhar presente.

— Penso nele todos os dias, todas as horas, todos os minutos. De vez em quando, sonho com ele. Acordo e o sinto como se ainda estivesse vivo.

Ao mesmo tempo em que luta por justiça, Teresinha tenta reconstruir a vida. Sozinha desde que o pai de seus três filhos a abandonou — após a morte de Eduardo, ele voltou para sua terra, no Ceará —, conheceu Luiz em uma seresta. O pedreiro a pediu em namoro. Agora, pretendem casar. Teresinha não vê a hora de voltar ao Piauí e reencontrar seu novo amor e também a filha Patrícia e o neto, de apenas dois meses, que se chama Eduardo.