Por G1 DF

Catadores que atuam no lixão da Estrutural, no Distrito Federal – o maior da América Latina, segundo a ONU – temem que a criminalidade e o desemprego na região se tornem ainda mais severos a partir desta terça-feira (17), quando o governo do DF deve inaugurar a primeira parte do aterro sanitário de Samambaia. O governo afirma que a desativação do espaço será "gradual", mas ainda não tem um plano claro para realocar moradores e trabalhadores do atual lixão.

“Quase todo o dinheiro da cidade, de uma forma ou de outra, passa por aqui. Como é que a Estrutural vai sobreviver assim. Me diz: como não vamos passar fome?”, questiona a catadora Suzy Souza, de 43 anos, que cata recicláveis no local há 17 anos.

Catadora Suzy Souza no lixão da Estrutural, no DF — Foto: Wellington Hanna/G1

Ela é uma das 2 mil pessoas que, segundo a associação de catadores, trabalham no Lixão. Por mês, a junção dos recicláveis rende cerca de R$ 1,2 mil para a trabalhadora.

“Tudo que eu sei é que com a abertura daquele aterro, parte do material que era despejado aqui vai para lá. Isso, só no começo. Vai ser uma luta continuar tirando o sustento. Uma briga por cada latinha reciclada."

A Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos do DF informou que o lixão da Estrutural será desativado pelo menos daqui um ano e seis meses. Neste prazo o governo informa que os galpões de triagem de lixo estarão prontos e os catadores poderão trabalhar na separação do material reciclável.

Medo do futuro

Enquanto os profissionais de coleta reviravam o entulho despejado na Estrutural, nesta segunda (16), o medo do futuro dominava as conversas dos catadores, ouvidas entre as batidas das latinhas de metal. O principal assunto era o destino dos moradores de uma região que, segundo os catadores, "se ergueu do lixo".

O representante do Movimento Nacional de Catadores Roney Alves diz que quem trabalha no Lixão não é contra o fechamento do local, e sim, contra a forma utilizada pelo governo para tocar o projeto.

“Estão abrindo o aterro sem o que prometeram. Os galpões de reciclagem que iam fazer aqui para os catadores não foi feito e o auxílio que estão dando… não dá para nada."

O auxílio citado por Alves se refere ao programa Agentes de Cidadania Ambiental. Criado no mês passado, o programa compõe as ações do governo para a desativação do aterro e fornece R$ 300 aos profissionais que participarem de cursos sobre coleta seletiva. Ao todo, 900 vagas foram ofertadas. De acordo com GDF o tempo de permanência no programa é de até 12 meses, prorrogável por mais um ano.

Nesta segunda, a lista de beneficiados estava afixada no muro do conselho comunitário. Ouvidos pelo G1, catadores que consultavam a relação de nomes reclamavam de não terem sido incluídos no programa. Mais que isso, relatavam o medo de não conseguirem dinheiro para seguir até o fim do mês.

“Vou ser sincero. Nós vamos passar fome”, desabafou Orleir Viana, de 56 anos. Se o lixão fechar e os atuais ocupantes não foram remanejados, segundo ele, a maioria dos catadores não sabe o que vai fazer. “Só sei catar lixo. Só sei fazer isso. Muitos só sabem fazer isso”, disse.

Catadores conferindo a lista de beneficiários do Programa Agentes da Cidadania Ambiental — Foto: Wellington Hanna/G1

No comércio

As incertezas sobre o futuro do lixão da Estrutural ultrapassam os muros que separam a estrutura do resto da região, e atingem também o comércio local. Como 5% dos 39 mil moradores da Estrutural são catadores, os comerciantes reconhecem o lixão como um motor da economia.

Dono de uma pequena mercearia na entrada da cidade, o vendedor Carlos Alexandre se diz “muito inseguro” com uma possível desativação do espaço.

“Da última vez que o Lixão ficou fechado por uma semana, minhas vendas caíram 50%. Isso em uma semana. Imagina se acabarem com isso. A cidade morre."

O secretário-geral do Conselho Comunitário da Estrutural, Paulo dos Santos, vê com preocupação o iminente fechamento do lixão. Ele reclama que o governo ofereceu poucas alternativas para quem só vive do Lixão. "Queremos a garantia de distribuição de renda e empregos. Se o lixão fechar, a cidade vai sofrer com o caos".

Segundo ele, com o desemprego, a tendência é de que a criminalidade na Estrutural aumente. "Do comerciante ao catador. Todo mundo vai sofrer. Seja com a criminalidade, com queda de vendas ou desemprego", afirma.

Etapas

Com a entrega da primeira etapa, o aterro de Samambaia começa a receber 900 toneladas de lixo doméstico por dia. Segundo o SLU, esse volume se refere aos "rejeitos da coleta domiciliar", ou seja, o que não pode ser reciclado pelos catadores.

O cronograma prevê que, mesmo com a inauguração, o GDF ainda precisará construir sete galpões de triagem e contratar catadores para trabalhar no local, separando todo o material reciclável. Segundo o SLU, os editais estão abertos e as obras devem começar no segundo semestre.

Montanha de entulho no lixão da Estrutural, no DF — Foto: Wellington Hanna/G1

O órgão também promete "contratar mais seis cooperativas de catadores para fazer a coleta seletiva e outras para fazer a triagem do material reciclável", mas não informa prazo para que isso aconteça. Em 2016, contratos foram celebrados com quatro cooperativas. Ao todo, o governo diz que vai incluir 1,6 mil catadores no sistema, "com a remuneração devida".

Aterro

O novo Aterro Sanitário começou a ser construído em 2011 e custou mais de R$ 110 milhões. Ele terá 760 mil metros quadrados — incluindo 320 mil destinados a receber rejeitos (materiais não reutilizáveis) — e será construído em quatro etapas. A primeira tem 110 mil metros quadrados, divididos em quatro células de aterramento. A conclusão de apenas uma célula é suficiente para ativar o aterro.

De acordo com o governo, o aterro deve funcionar por 13 anos, a partir do início das atividades, e receber uma média diária de 2,7 mil toneladas de rejeitos. O novo destino para o lixo do DF fica na DF-180, próximo a Samambaia.

Um aterro e um lixão funcionam de modo diferente. No aterro, os resíduos sólidos urbanos que não podem ser reciclados são "enterrados", de modo a evitar danos à saúde pública e à segurança. Segundo o governo, isso minimiza os impactos ambientais no solo, no ar e na água. Ao contrário dos lixões, os aterros são certificados por licenças ambientais de instalação e de funcionamento.

Para que o lixo enterrado não invada os lençóis freáticos e contamine a água, as plantações e o solo, a construção do aterro envolve uma série de técnicas de engenharia. É preciso impermeabilizar o solo com uma manta protetora, cercar a área e afastar os catadores do local.

Além disso, sistemas têm de ser construídos para captar e queimar os gases tóxicos, drenar e tratar o chorume (líquido que escorre das pilhas de lixo) e drenar a água das chuvas que caem na região. Essas técnicas, segundo o projeto, ajudam a "confinar rejeitos à menor área possível e reduzi-los ao menor volume permissível".

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