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Iranianas questionam uso do hijab com campanha na internet

Mulheres podem enfrentar a prisão e chibatadas públicas pela ousadia no Facebook

sMulheres no Irã tiram a jihad para protestar contra opressão em página no Facebook.
Foto: Reprodução
sMulheres no Irã tiram a jihad para protestar contra opressão em página no Facebook. Foto: Reprodução

RIO —  Elas vão para a universidade e até dominam determinadas áreas, como Medicina e Engenharia. As taxas de natalidade também diminuíram nos últimos anos, outro sinal de que as iranianas estão exercendo o poder de dizer não. Mesmo assim, desde a Revolução Islâmica, há 35 anos, não podem sair às ruas sem o hijab, véu que cobre parte de seus cabelos — e, segundo o islamismo, “separa o homem de Deus”. Algumas delas, no entanto,  decidiram se arriscar e expor publicamente na internet imagens suas sem o véu — e podem enfrentar a prisão e chibatadas públicas pela ousadia.

Criadora da página no Facebook “My stealthy freedom” (minha liberdade furtiva, em português), com mais de 460 mil seguidores, a jornalista Masih Alinejad explica que, por mais três décadas, os problemas das mulheres tinham sido empurrados para o fim da fila no Irã. O que está mudando, segundo ela.

— Coloquei fotos minhas na página pública que tenho no Facebook e recebi vários comentários de mulheres iranianas dizendo que eu tinha sorte de viver em um país onde poderia andar sem o véu — conta Masih, que vive no Reino Unido, ao GLOBO. — Então perguntei se elas se importariam de tirar fotos de si mesmas e compartilhar comigo aquelas imagens. Minha expectativa era publicá-las na minha página. Mas a caixa de entrada do meu e-mail foi inundada. Sem publicidade alguma, comecei a receber mais de 50 fotos por dia, de iranianas comuns, que não eram ativistas ou dissidentes. Foi então que decidi que essas mulheres precisavam ser vistas e ouvidas em um local separado, próprio para isso.

Ela explica que, nos últimos anos, as mulheres no país têm lutado e conseguiram, de fato, mais liberdade do que as mulheres na Arábia Saudita, por exemplo. Mesmo assim, ainda são menos livres do que as libanesas.

— A linha entre público e privado no Irã ainda é muito tênue. O que as pessoas fazem no âmbito particular é ditado por aquilo que é publicamente permitido ou aceitável. O hijab é um exemplo. Muitas mulheres têm que cobrir a cabeça em casa, assim como em público. O que mudou é que essas mulheres que publicamente declaram sua oposição ao uso obrigatório do véu estão sendo apoiadas por suas famílias, até por membros do sexo masculino.

REVOLUÇÃO SEXUAL EM ANDAMENTO

Para Pardis Mahdavi, professora de antropologia na Pomona College, na Califórnia, a mudança é parte de um grande movimento que vem sendo costurado desde o início do século. Ela é autora do livro “Levantes apaixonados: a revolução sexual no Irã”, publicado em 2008.

— Vai além de um movimento feminino em si, é um movimento de todos os iranianos. O que elas fazem é desafiar o governo. Dizem: “Olha, vocês pensam que podem controlar até nosso corpo, mas não podem”. É sim sobre o poder das mulheres, mas é também sobre os direitos das pessoas. São iranianos respondendo a um governo com o qual eles não necessariamente concordam, pelo menos com este governo islâmico — explica ao GLOBO.

Pardis nasceu no ano da revolução, em 1979, nos Estados Unidos — sua mãe estava grávida quando deixou o Irã. E apesar de não ter ido ao país até os 21 anos, seu interesse pela terra dos pais nunca ficou esquecido. Dos 21, quando começou a pesquisa para o livro, em 2000, até os 28 anos, ela viajou anualmente para o país. As visitas duravam entre um e oito meses. Mas, após publicar a obra, não voltou mais.

— A revolução sexual em si faz parte de um grande movimento social para uma mudança social. E está em construção. Nós vimos um movimento parecido em 2009, o Movimento Verde (uma série de protestos que contestavam o resultado da eleição presidencial daquele ano, que manteve o então presidente Mahmoud Ahmadinejad no cargo). Esses valores eram precursores. O que essas jovens estão fazendo é empurrar um pouco para cima esses limites, principalmente por causa do novo presidente (Hassan Rouhani). Para elas, atitudes sociais como dançar e cantar são realmente atitudes políticas — conta ela, hoje com 35 anos.

Há três semanas, a polícia iraniana proibiu que as partidas da Copa do Mundo, que serão transmitidas em vários cinemas, sejam projetadas para públicos mistos de homens e mulheres. Poucos dias depois, a atriz iraniana Leila Hatami chocou conservadores do país ao beijar no rosto o presidente de Cannes, Gilles Jacob. Membro do júri do festival de cinema, ela se desculpou em uma carta pelo cumprimento, gesto considerado “inadequado” pelas autoridades da República Islâmica.

À época, o próprio vice-ministro da Cultura, Hossein Nushabadi, defendeu que os iranianos que participam de eventos internacionais “deveriam levar em conta a credibilidade e a castidade dos iranianos para não mostrar uma imagem ruim das mulheres”.

MOVIMENTO A PASSOS LENTOS

Segundo a lei islâmica, em vigor no país desde a Revolução de 1979, uma mulher não pode ter contato físico com um homem estranho à sua família. De acordo com o site do líder supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, é permitido, porém, apertar a mão de um não muçulmano — desde que de luvas e sem fazer pressão durante o cumprimento. O que para Masih mostra como o movimento feminino ainda é lento.

— O presidente Rouhani ganhou a eleição com a promessa de maior liberdade e se comprometeu a defender os direitos do povo. Mas a promessa de mudança não se concretizou, principalmente devido aos conservadores linha-dura, e em parte devido ao complexo sistema político — conta Masih, que apesar de ser conhecida por sua oposição ao governo, defende que sua página não é uma iniciativa política.

Mesmo assim, foi recentemente alvo de ataques velados do governo. Um dia depois de Gholam-Ali Haddad-Adel, assessor do líder supremo, defender em um popular programa de televisão que o governo iraniano estaria perdendo o controle sobre uso do véu, a TV estatal transmitiu uma notícia falsa de que Masih havia sido estuprada em Londres por três homens.

“A notícia é completamente falsa. Não houve nenhum ataque contra Masih Alinejad. O fato de as emissoras usarem o estupro dessa maneira mostra a contínua campanha contra a mulher feita pela República Islâmica, que tem pouco respeito pela verdade”, diz uma nota publicada pela jornalista.

As mulheres que decidiram acabar com sua “liberdade furtiva”, pelo menos no mundo virtual, correm o risco de receber chibatadas em público — já que, apesar de a grande maioria esconder parte do rosto ou preferir imagens tiradas em outros países, muitas postaram fotos dentro do território iraniano.

— Até agora, o governo não fez nada contra elas por causa da tempestade de publicidade que seria criada. Mas em vez disso, os dançarinos de um vídeo (”Happy”, de Pharrell Williams) foram presos e mais oito ativistas do Facebook receberam 120 anos em sentenças de prisão. São avisos para que as mulheres se comportem.

Avisos que ainda não surtiram efeito.