Cultura Artes visuais

Rivane Neuenschwander cria obras a partir dos medos das crianças

Artista mineira exibe no MAR 32 capas e desenhos

Rivane Neuenschwander veste a capa “Fim do mundo/Fim de semana”; exposição nasceu a partir de oficinas com 198 crianças
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Ana Branco
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Agência O Globo
Rivane Neuenschwander veste a capa “Fim do mundo/Fim de semana”; exposição nasceu a partir de oficinas com 198 crianças Foto: Ana Branco / Agência O Globo

Rio — Uma menina tem medo de formiga vermelha. Outra, de filme de terror. Um menino, de pessoa bêbada. Há quem tenha medo do irmão. Do fim do mundo. E também do fim de semana. De tsunamis, vulcões, terremotos. E de cobras, cangurus e tubarões. Durante três meses do ano passado, 198 crianças de 6 a 13 anos, vindas de escolas públicas, privadas e abrigos do Rio, participaram de 12 oficinas conduzidas pela artista mineira Rivane Neuenschwander em que citaram seus medos. Em seguida, fizeram desenhos sobre eles e, com a ajuda de educadores, confeccionaram capas que os representassem. Foi inspirada nesse material que a artista, com a colaboração do estilista e artista visual Guto Carvalhoneto, produziu as 32 obras-vestimentas que compõem a exposição “O nome do medo”, com inauguração nesta terça-feira no Museu de Arte do Rio (MAR).

— Não foi um trabalho para as crianças nem um trabalho que remetesse ao universo da infância. Foi um trabalho com elas — frisa Rivane. — Elas também são coautoras.

Os desenhos e as capas produzidas nas oficinas — cada um pôde levar a sua para casa, depois de fotografada — forneceram o material, imagético e simbólico, para a mostra. No processo, Rivane, Carvalhoneto e Lisette Lagnado, curadora da exposição, decidiram associar sempre dois medos a cada


Guto Carvalhoneto, colaborador da artista, com a capa que criou para enfrentar o medo da saudade; e Lisette Lagnado, curadora da mostra: medo de repetir de ano
Foto: Ana Branco / Agência O Globo
Guto Carvalhoneto, colaborador da artista, com a capa que criou para enfrentar o medo da saudade; e Lisette Lagnado, curadora da mostra: medo de repetir de ano Foto: Ana Branco / Agência O Globo

obra, “para tentar dar conta dos cerca de 80 que apareceram”, diz Lisette.

“Saudade/aranha”, por exemplo, foi criada a partir do medo de “sentir saudade” citado por uma criança. Ela desenhou um quadrado com um coração no meio, de onde saíam dois braços. Estes fizeram com que Guto e Rivane os associassem ao medo de aranha. O estilista imaginou uma capa com oito braços, de um tecido usado na fabricação de mantas.

— A menina era de um abrigo, pediu ajuda a um monitor para escrever “saudade”. Fiz uma capa que abraça, para dar conforto — conta ele.

— É importante dizer que a capa não é necessariamente a corporificação do medo — observa Lisette. — Ela pode ser um antídoto. A criança que disse ter medo de anúncio de TV desenhou uma antena para bloquear o sinal. E essa antena está na capa.

— Há uma ambiguidade do medo — acrescenta Rivane. — Ele pode paralisar, dependendo da proporção, mas também pode te proteger. A capa tem essa função, de abrigar ou de combater o medo.

As capas da mostra são sedutoras, todas têm uma solução que encanta, mesmo que o tema seja por vezes pesado, como o “estupro” citado por uma garota — associado, por eles, a “escuro”. Algumas estão penduradas em cabides, no centro da sala de exibição, e poderão ser vestidas pelas crianças. Outras, de caráter mais plástico, a curadora optou por deixar nas paredes — caso de “pessoa bêbada/faca”, em que facas bordadas cintilam sobre o tecido vermelho.

O LADO SOMBRIO DO DESEJO

O processo de criação da mostra está atrelado a um outro trabalho de Rivane, “Eu desejo o seu desejo” (exibido pela primeira vez em 2013, no Palais de Tokyo, em Paris), com milhares de fitinhas do Bonfim que recobrem as paredes da galeria. Nelas, a artista imprimiu desejos coletados junto ao público.

— O desejo é uma coisa esperançosa, voltada para o futuro. Mas ali percebi que havia algo mais sombrio por trás dele, como na frase “Eu desejo não morrer sozinho” — conta ela, que também fez, no período, uma “imersão na psicanálise”.

Decidiu então trabalhar com o tema ao receber, em 2015, um convite da galeria londrina Whitechapel para que desenvolvesse um projeto no setor educativo. Foi o embrião da mostra que exibe agora, uma parceria entre a Escola do Olhar do MAR e a EAV Parque Lage, com recursos de um prêmio que ganhou em 2013 da fundação sul-coreana Yanghyun. Nesta terça, às 16h, Rivane, Carvalhoneto e Lisette participam de uma Conversa de Galeria no Pavilhão de Exposições do museu.