Por G1


O ministro da Cultura, Roberto Freire, discursa durante cerimônia de entrega do Prêmio Camões ao escritor Raduan Nassar (centro). O escritor Raduan Nassar fez um discurso explosivo e antigoverno ao receber a premiação. O ministro reagiu a gritos de 'Fora Temer' vindos do público e discutiu com pessoas que se manifestaram — Foto: Marcos Alves/Agência O Globo

O escritor Raduan Nassar recebeu nesta sexta-feira (17) o Prêmio Camões por sua obra literária, no Museu Lasar Segall, em São Paulo. Em seu discurso, o escritor fez críticas ao governo Temer e à indicação do ministro licenciado da Justiça, Alexandre de Moraes, para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo Raduan, quando Moraes era secretário de Segurança Pública de São Paulo, teria sido responsável pela invasão de escolas ocupadas por estudantes e por ter agido com violência contra manifestações da oposição nas ruas. Raduan também chamou o governo Temer de repressor e de atrelado ao neoliberalismo, com sua "escandalosa concentração de riqueza". Disse também que o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff foi um golpe e lamentou que o atual governo seja amparado pelo STF e pelo MP. "Mesmo de exceção, o governo que está aí foi posto e continua amparado pelo Ministério Público e de resto pelo Supremo Tribunal Federal. Dois pesos, duas medidas."

Em resposta, o ministro da Cultura, Roberto Freire, sob vaias e gritos de "fora, Temer", rebateu as críticas do escritor. Freire disse que Raduan Nassar era um adversário recebendo um prêmio do governo que ele considerava ilegítimo. E acrescentou: "Quem dá prêmio a adversário político não é a ditadura". "É fácil fazer manifestação num governo democrático como este", disse.

Veja resumo do episódio:

  • Raduan fez críticas ao receber prêmio: "Governo é repressor".
  • Escritor disse que houve "golpe" e público gritou "fora, Temer".
  • Ministro discordou e disse que "momento é democrático".
  • Público riu, vaiou e ministro começou discussão.
  • Ministro disse que Raduan "desrespeitou a todos".
  • Ele disse que premiar "adversário" comprova democracia
  • Roberto Freire saiu vaiado e aplaudido.

Alguns dos presentes acusaram a organização do prêmio de inverter a ordem das falas, para que o ministro ficasse com a última palavra, mas isso foi rechaçado pela organização do prêmio.

O Prêmio Camões, no valor de 100 mil euros (cerca de R$ 330 mil), é considerado o mais importante da Língua Portuguesa. No ano passado, ao atribuir o prêmio ao autor de "Lavoura arcaica" (1975) e "Um copo de cólera" (1978), o júri destacou "a extraordinária qualidade da sua linguagem e da força poética da sua prosa". O prêmio é concedido pelos governos de Brasil e Portugal.

Raduan faz críticas

No discurso, Raduan Nassar disse que "vivemos tempos sombrios" no Brasil e que o governo é "repressor contra o trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra universidades federais de ensino gratuito, contra a diplomacia". O escritor criticou Alexandre de Moraes, indicado por Temer ao STF, por, segundo Raduan, ter um "currículo amplo de violência". Raduan diz que há no Brasil "violência contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua".

Raduan Nassar também criticou o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter tomado a decisão de manter Moreira Franco como ministro do governo Temer após "ter barrado Lula para a Casa Civil, no governo Dilma. Dois pesos e duas medidas", disse o escritor.

"Coerente com seu passado à época do regime militar, o mesmo Supremo propiciou a reversão da nossa democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados e réu na Corte, instaurasse o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Íntegra, eleita pelo voto popular, Dilma foi afastada definitivamente no Senado. O golpe estava consumado", finalizou Raduan. Ele foi muito aplaudido, e o público deu gritos de "fora Temer".

"Governo é repressor contra o trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra universidades federais de ensino gratuito, contra a diplomacia", disse Raduan Nassar.

Ministro rebate e discute

Roberto Freire se disse "perplexo" ao ver o discurso de "pessoas com idade em que viveram um efetivo golpe nos anos 1960", com "forças armadas reprimindo, torturando, fazendo desaparecer, criando exílio para muitos dos nossos patriotas", fazerem uma "confusão" da Ditadura Militar com o momento atual. "Vocês aqui presentes evidentemente são testemunhas de que não há nenhuma confusão do momento democrático que vive o Brasil", disse o ministro.

Neste momento, o público começou a interromper a fala com risos e vaias. "Quem dá prêmio a um adversário político não é a ditadura, a ditadura não reconhece", rebateu Roberto Freire. Ao dizer que o prêmio é "dado pelo governo democrático brasileiro", outras pessoas começaram a aplaudir o ministro, enquanto gritos negativos também continuavam.

"É fácil fazer manifestação em um governo como esse, como o atual, que permite momento de reconhecimento, porque aqui não vale a política ou o reconhecimento político, mas o valor do literário, o escritor", disse Roberto Freire, enquanto pessoas interrompem e discutem entre si.

"Nós respeitamos que o agraciado dissesse o que quisesse e imaginasse, e isso é próprio da democracia", disse o ministro. Um dos presentes protestou: "Hoje é dia do Raduan, não é seu". Roberto Freire rebateu: "Uma das coisas de parlamento que se preze é que as pessoas respeitem o orador na tribuna. E isso é próprio da democracia."

"Vocês estão aqui dando testemunho da democracia que vivemos. É um adversário político político do governo recebendo um prêmio do governo que considera ilegítimo, mas não é ilegítimo para o prêmio que ele recebeu". Raduan Nassar permaneceu em silêncio, sentado ao lado do ministro. Roberto Freire também disse que "a narrativa do golpe é de quem não conhece as Constituições brasileiras desde a Primeira República."

O público passou a gritar "viva Raduan", e Roberto Freire disse: "Ele desrespeitou a todos nós". Após um coro de presentes que discordavam da frase, o ministro continuou: "Por isso mesmo o ministro da Cultura do governo veio trazer o prêmio e ele aceitou, e vocês estão aqui querendo impedir que nós falemos. Esse histrionismo oposicionista evidentemente tem seus dias contados. Até porque não vai haver volta Dilma", disse o ministro.

"O Raduan, pela sua obra, não merecia isso de vocês. Merecia, sim, o prêmio que o governo brasileiro está dando junto com o governo português", finalizou Roberto Freire, antes de sair sob aplausos e vaias.

"É um adversário político político do governo recebendo um prêmio do governo que considera ilegítimo, mas não é ilegítimo para o prêmio que ele recebeu", disse Roberto Freire.

MinC divulga nota após episódio:

O Ministério da Cultura lamenta, mais uma vez, a prática do Partido dos Trabalhadores em aparelhar órgãos públicos e organizar ataques para tentar desestabilizar o processo democrático. Durante a cerimônia de entrega do Prêmio Camões de Literatura, em São Paulo, o ministro da Cultura, Roberto Freire, teve sua fala interrompida por manifestantes partidários, sinal de desrespeito à premiação oficial dos governos de Brasil e Portugal.

Considerada a mais importante distinção da Língua Portuguesa, o prêmio concedeu 100 mil euros (sendo 50 mil euros arcados pelo Ministério da Cultura) ao escritor brasileiro Raduan Nassar.

O agraciado foi respeitado por todos durante sua fala, ao contrário do que ocorreu com o ministro da Cultura, interrompido de forma agressiva. Apesar de ser um adversário político do governo, Raduan recebeu o prêmio, legitimando sua importância. Uma premiação literária com essa dimensão não merecia esse comportamento intolerante de alguns, que tentaram partidarizar o evento.

Nota de Alexandre de Moraes

O ministro licenciado da Justiça, Alexandre de Moraes, citado pelo escrito Raduan Nassar, afirmou em nota que o escritor demonstrou desconhecimento dos fatos. Segundo Alexandre de Moraes, durante a invasão estudantil de escolas, o governo de São Paulo negociou com os estudantes até que eles se retirassem, sem ingresso da polícia em nenhuma escola.

Alexandre de Moraes disse ainda que as declarações do escritor foram infelizes, demonstrando confusão.

Nota do PT

Citado pelo ministro da Cultura, o Partido dos Trabalhadores declarou, em nota, que lamenta que Roberto Freire se dedique à criação de teorias conspiratórias.

O PT disse ainda que Raduan Nassar e seus convidados demonstram sua opinião ao não transigir com o que consideram ter sido um golpe contra um governo legítimo.

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