Por Darlan Alvarenga, G1


Em 3 anos, menos de 40 mil daqueles que se aposentaram no Brasil contribuíram durante 40 anos ou mais para a Previdência Social, representando 4,2% de todas as aposentadorias por tempo de serviço concedidas no período, segundo levantamento do G1, a partir de dados do Anuário Estatístico da Previdência Social.

Se esse padrão se mantiver, um número ínfimo de brasileiros terá acesso a aposentadoria integral dentro das regras propostas na reforma da Previdência. A nova regra apresentada pelo governo federal determina que o brasileiro contribua por 49 anos para ter acesso ao benefício integral. A proposta ainda está em análise no Congresso.

De 2013 a 2015, foram concedidas no país 2,307 milhões de novas aposentadorias. Desse total, 41% foram por tempo de contribuição, 38,7% foram por idade e 20,3% por invalidez.

Os dados do INSS mostram que o tempo de contribuição padrão na hora de solicitar a aposentadoria atualmente é entre 30 e 35 anos, com 64% do total dos benefícios concedidos por tempo de serviço. Em seguida, está a faixa de 36 a 39 anos, com 18,7%, e a de 25 a 29 anos, com 12%. Veja quadro abaixo

— Foto: Arte G1

O que propõe a reforma

A proposta de reforma da Previdência enviada pelo governo ao Congresso estabelece idade mínima de 65 anos para a aposentadoria e passa a exigir 49 anos de contribuição para a concessão do chamado "benefício integral", sem descontos. Ou seja, um período bem superior ao da média atual.

Se aprovada, a reforma terá impactos não só na idade mínima como também no perfil do tempo de contribuição do brasileiro e no valor dos benefícios.

Pela texto enviado ao Congresso, a idade mínima de 65 anos só garantirá aposentadoria integral (valor que é limitado ao teto do INSS, atualmente em R$ 5.531,31) para quem tiver começado a trabalhar aos 16 anos, e isso se não tiver ocorrido durante o período nenhuma interrupção nas contribuições. Para aqueles que entraram no mercado de trabalho só depois de formado, aos 23-25 anos, a aposentadoria sem descontos só chegaria após os 70 anos.

“Na verdade, o que o governo fez foi encontrar uma outra maneira de baixar o valor do benefício, sem mexer no teto da aposentadoria. Quem quiser ter um benefício maior, vai ter que contribuir por um período maior”, afirma o economista Luis Eduardo Afonso, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP. "Como o país não foi capaz de fazer mudanças mais lentas lá atrás, a gente é quase que obrigado a fazer uma reforma tão dura quanto essa”, explica.

Simulações feitas a pedido do G1 mostram que, caso seja aprovada na forma como foi enviada, a reforma fará com que o brasileiro se aposente mais tarde e com valores de benefícios menores do que os garantidos pela lei vigente.

"Se de um lado o governo parece querer incentivar as pessoas a postergar suas aposentadorias, aproximando-as da idade mínima, por outro lado, quando se comparam os valores ao que elas receberiam pelas regras atuais, há perda na maioria dos casos", avalia o economista Fabio Klein, da Tendências Consultoria.

Para ele, a proposta é "ambiciosa" e contém "certa dose de gordura” para as negociações no Congresso. O especialista em contas públicas afirma, entretanto que eventuais cortes "devem ser apenas marginais", sob o risco de prejudicar o objetivo principal de garantir a sustentabilidade da Previdência no longo prazo.

Veja calculadora do G1 que estima idade de aposentadoria se nova regra entrar em vigor.

Tabela aposentadoria integral — Foto: Arte G1

Brasileiro se aposenta hoje aos 58 anos em média

O ponto central da reforma é a elevação da idade mínima para solicitar a aposentadoria. O presidente Michel Temer descartou negociar este ponto. "A idade é fundamental para esta reforma", disse.

A média de idade da aposentadoria no Brasil foi de 58 anos em 2015, uma das menores do mundo, sendo de 54,7 anos nos benefícios por tempo de contribuição e de 60,8 nas aposentadorias por idade. No caso dos benefícios requeridos por invalidez, a média de idade é ainda menor: 52,2 anos.

Entre os economistas, é praticamente consenso de que o brasileiro deveria se aposentar mais tarde.

“O que temos hoje é uma distorção porque as pessoas mais protegidas são aquelas que se aposentam mais cedo", diz Afonso. Para ele, a unificação dos regimes e o fim da diferenciação entre aposentadoria por idade e por tempo de contribuição, representará uma forma de maior justiça social. "A reforma irá afetar fundamentalmente os indivíduos de classe média-alta, tipicamente o trabalhador do setor formal, que ficou mais tempo com carteira de trabalho, com escolaridade e renda mais alta, aqueles que hoje se aposentam por tempo de contribuição”, explica.

Entenda a reforma da Previdência proposta pelo Governo

Entenda a reforma da Previdência proposta pelo Governo

O que diz o governo

O objetivo do governo ao propor novas regras paras as aposentadorias é buscar a sustentabilidade das contas públicas, diante de um déficit crescente do sistema previdenciário brasileiro – que resulta de regras atuais mais benéficas do que no resto do mundo, de um envelhecimento da população brasileira e de queda na taxa de natalidade no país.

Ao apresentar a proposta, o governo argumentou que regras de transição mais longas e fórmula de mudança de cálculo mais flexível limitariam o impacto da reforma, sobretudo no curto e médio prazo. O governo prevê economizar R$ 678 bilhões em 10 anos somente com o INSS, sendo R$ 4,6 bilhões já em 2018 e R$ 14,6 bilhões em 2019.

Questionado pelo G1 se a exigência de tempo mínimo de 49 anos de contribuição para ter direito a aposentadoria integral não estaria muito distante da realidade atual, o Ministério da Previdência respondeu que atualmente o brasileiro tem conseguido manter na aposentadoria uma fatia da renda que tinha maior maior do que a média registrada nos demais países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

"A taxa de reposição (em relação à renda média do trabalhador) no Brasil, em 2014 foi de 80,6% (último dado disponível). Esse número elevado, em comparação aos demais países da OCDE, por exemplo, deve-se ao fato de que dois terços dos benefícios previdenciários brasileiros serem de um salário mínimo, ou seja, casos em que os trabalhadores têm reposição integral, o que faz elevar a média", afirmou o ministério.

O G1 solicitou o número de aposentadorias concedidas pelo valor integral nos últimos anos, mas segundo a Previdência "não existe o dado". O ministério informou apenas que do total de aposentadorias por tempo de contribuição concedidas em 2015, menos de 1% (0,72%) foi pelo teto do INSS, e lembrou que pela lei em vigor o benefício é calculado a partir da média dos 80% maiores salários de contribuição.

Estimativas da taxa de reposição das aposentadorias concedidas em relação à renda média do trabalhador — Foto: Divulgação/Ministério da Previdência

Aposentadoria integral já é pouco comum

Mesmo sem um número oficial, os especialistas em Previdência afirmam que são poucos os que se aposentam hoje com o benefício integral, pois a maioria acaba preferindo trocar uma aposentadoria de valor maior lá na frente por uma de valor menor imediatamente.

"Hoje, as pessoas não se aposentam com o benefício perto do integral também. Quem se aposenta em torno de 55 anos, com 35 de contribuição, vai se aposentador certamente com uma taxa de reposição baixa, equivalente a 70%, porque o fator previdenciário comprime o valor do benefício", explica Afonso.

Para o economista Hélio Zylberstajn, professor da FEA/USP, a maioria acaba optando por pedir a aposentadoria imediatamente após completar o tempo de contribuição exigido, uma vez que a lei permite continuar a trabalhar e receber aposentadoria pelo INSS. "É uma violação do conceito básico do regime de repartição", afirma. "O sistema não suporta mais a precocidade da aposentadoria. É para mudar isso que a idade mínima tem que ser ampliada", completa.

Atualmente, para conseguir a a aposentadoria integral é preciso soma do tempo de contribuição e a idade superior a 95 no caso dos homens ou superior a 85 no caso das mulheres.

Pela proposta do Executivo, o cálculo do chamado benefício integral passa a considerar uma média de todos os benefícios e não mais a média dos 80% maiores salários de contribuição. A partir desse valor, será aplicado 51% mais 1% para cada ano de contribuição. Ou seja, para conseguir a aposentadoria integral, o trabalhador terá que contribuir por 49 anos.

— Foto: Reprodução/NBR

Risco de fuga de contribuintes

Para os críticos da reforma, a proposta de mudança de cálculo das aposentadorias é muito drástica diante das dificuldades de colocação no mercado de trabalho após os 65 anos. Estimativas do IBGE apontam os trabalhadores com mais de 65 anos ocupam menos de 1% das vagas formais no mercado de trabalho.

Há quem veja risco de fuga do número de contribuintes que contribuem espontaneamente ao INSS diante da perspectiva de uma aposentadoria por valores mais baixos.

"O raciocínio é simples: para que pagar, se eu não vou usar? Se eu preciso de 49 anos para receber os benefícios em sua integralidade, é melhor eu sair do sistema", afirma o economista e professor da Unicamp, Pedro Rossi. "Hoje em torno de 40% da população economicamente ativa não contribui com o INSS. O desafio seria incluir esse pessoal", destaca.

Já o especialista em direito previdenciário João Badari, sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, vê também risco de maior informalidade entre aqueles que já tiverem completado 25 anos de contribuição (mínimo exigido pela proposta de reforma).

"A proposta de emenda irá trazer 4 grandes consequências: número menor de benefícios concedidos, benefícios com valores reduzidos (pela dificuldade em atingir os 49 anos), um tempo menor de pagamento dos benefícios (em razão do aumento da idade para conseguir se aposentar) e isso irá contribuir com a informalidade, pois muitos trabalhadores passarão a não mais contribuir para o sistema", critica.

— Foto: Editoria/G1

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