RIO — O musical “La la land: cantando estações” já ganhou diversos prêmios e ainda vai receber muitos mais até o dia 26 de fevereiro, quando forem definidos os destinos de 14 estatuetas na noite de entrega do Oscar. E com o sucesso veio também a reação mal-humorada de amantes dos musicais clássicos, que implicam com a forma como o gênero é tratado pelo diretor Damien Chazelle, que vem de outro sucesso também ligado à música, o drama “Whiplash” (2014).
De fato, “La la land” tem um problema: Emma Stone canta razoavelmente, mas dança mal, e Ryan Gosling dança direitinho, mas não sabe cantar. Logo num gênero que foi, desde os anos dourados do
star system
hollywoodiano (décadas de 1930 a 1950), território de cantores e dançarinos primorosos. Nos filmes atuais, os números de dança mudaram, e muitos atores nem tentam disfarçar os desafinos, como Pierce Brosnan em “Mamma mia!” (2008). Ou ainda há abordagens como a de “Les Misérables” (2012), que trouxe Hugh Jackman (um dançarino e cantor fantástico) cercado de um elenco irregular em que as performances foram capturadas no momento da filmagem e recebiam acertos técnicos limitados. Mas por que os musicais no cinema foram ficando tão... informais?
Uma das respostas pode estar na intensa mistura de influências a que qualquer cidadão do século XXI é submetido. Na TV, surgiram diversos seriados musicais: “Glee” durou seis temporadas, e seus protagonistas, um grupo de estudantes secundaristas, revisitaram diversas facetas do pop internacional. A comédia “Crazy ex-girlfriend” ganhou prêmios e está em sua segunda temporada, com paródias de clichês da cultura pop e das comédias românticas.
A última década contou com diversas competições musicais (“The voice Brasil” e “Superstar” ou ainda “American idol” e “X-Factor”) e a proliferação da interação com a música e seu estilo de vida no YouTube e no Instagram ou em redes como o musica.ly, em que as pessoas interagem e cantam de forma lúdica. Milhões de jovens brincam de dançar juntos em games como Just Dance, que ganha novas versões a cada ano, como se fosse uma espécie de FIFA da dança.
Sebastian (Ryan Gosling) é pianista de jazz. As músicas que ele toca no filme foram gravadas por Randy Kerber, que já trabalhou com Michael Jackson, Leonard Cohen e Rod Stewart, mas na hora do vamos ver, foi Gosling que interpretou as canções, dispensando dublê. Para isso, passou três meses ensaiando duas horas por dia, cinco dias por semana.
Ryan Gosling, aliás, é músico
Essa não foi a primeira vez que o ator precisou aprender um instrumento no susto. Para gravar o disco de sua antiga banda, Dead Man’s Bones, ele precisou se virar no violoncelo depois que dois músicos contratados decepcionaram na atuação. Ele ainda canta, toca violão, baixo e já tocava piano antes de 'La la land'.
Cenas de dança
As coreografias foram criadas por Mandy Moore (não aquela Mandy Moore, mas uma homônima) e só a cena inicial envolveu 30 dançarinos, cem figurantes e 60 carros. Para treinar Emma Stone, Mandy usou músicas do Haim. Já com Ryan Gosling a inspiração foi Frank Sinatra. Os dois aprenderam o básico de dança de salão, sapateado e jazz.
Participação mais que especial
Uma participação especial meio discreta não escapou aos olhos mais atentos. O ator que interpreta o marido de Mia (Emma Stone) é Tom Everett Scott. E sua escalação não foi por acaso. Ele é protagonista de "The Wonders", filme cult de Tom Hanks sobre uma banda alçada ao estrelato nos anos 1960 – Damien Chazelle, Emma Stone e Ryan Gosling são fãs.
Longa parceria
Essa é a 3ª vez que Emma e Ryan atuam juntos. Além de "La La Land", os dois dividiram a cena em "Caça aos gângsteres" (2013) e "Amor à toda prova" (2011). Mas quase que isso não acontece novamente: o papel de Mia seria de outra Emma, a Watson, que largou o longa por "A Bela e a Fera". Já Gosling trocou "A Bela e a Fera" por "La La Land".
Pianista clássico, o músico John Legend, que também participa do filme, disse ter ficado com "ciúmes" da facilidade com que Ryan Gosling aprendeu seu instrumento do coração. Ele também precisou ter aulas para tocar guitarra no filme.
Antes de 'Whiplash'
"La la land" vinha sendo planejado desde a época em que Damien Chazelle estudava em Harvard — o roteiro estava pronto desde 2010. Depois de muitos 'nãos', o diretor só conseguiu fazer o filme exatamente do jeito que queria depois de "Whiplash", seu primeiro longa, ter feito o sucesso que fez: acabou indicado para cinco Oscars e venceu três.
Recorde no Globo de Ouro
"La la land" foi indicado a sete Globos de Ouro e bateu recorde ao vencer os sete, ultrapassando "Um estranho no ninho" (1975) e "O expresso da meia-noite" (1978), com seis estatuetas cada.
Quem é o compositor?
Vencedor de dois Globos de Ouro – melhor canção original e melhor trilha sonora original – por "La la land", Justin Hurwitz só trabalhou com Damien Chazelle em sua carreira toda. Os dois fizeram juntos "Guy and Madeline on a park bench" (2009), "Whiplash" (2014) e agora "La la land".
Namorada de Damien Chazelle participa
Sabe a consumidora que pede reembolso na cafeteria onde Mia (Emma Stone) trabalha, por ter comprado um salgado com glúten? É Olivia Hamilton, atriz, roteista, diretora e namorada de Damien Chazelle. Na vida real, assim como a personagem de Emma, Olivia busca seu lugar ao sol.
Considerado uma declaração de amor a Los Angeles, com tantos pontos turísticos e icônicos retratados com amor e deferência, o filme foi pensado originalmente para se passar em Boston. Chazelle mudou de ideia para refletir sua própria mudança para a Califórnia após a faculdade, em busca de um lugar ao sol em Hollywood.
Obviamente, não foram só os musicais que mudaram. Outros gêneros sofreram as influências do tempo. Os filmes de ação ganharam uma visão mais crua e realista, como na série do agente Jason Bourne. O terror foi intensamente influenciado pelos reality shows e pelos vídeos capturados com celulares e webcams, registrados de forma descuidada e casual.
Então, da próxima vez que você ouvir alguém reclamar que bons mesmo eram os musicais de antigamente (se não for você mesmo dizendo isso), lembre-se de que um detalhe saboroso e importante dos bons livros, filmes, músicas, da arte em geral, é a forma como estão ligados ao momento em que foram criados. “Cantando na chuva” representa lindamente os anos 1950, assim como “Hair” é um retrato emocionante dos anos 1970. E um dia será a vez de os fãs de “La la land” falarem como eram incríveis seus youtubers e aquele inesquecível Just Dance lá das distantes lembranças de 2017.
A abertura em que motoristas saem de seus carros em plena freeway foi inspirada no engarrafamento que abre “8 ½” (1963), de Fellini. O balé seguinte combina a energia de “Sete noivas para sete irmãos” (1954), de Stanley Donen, com os movimentos de “Duas garotas românticas” (1967) , de Jacques Demy, também entre automóveis.
“Epilogue”
As referências a outros musicais se sobrepõem umas às outras na última sequência. Há referências a cenários pintados de “Cantando na chuva” (1952), à valsa de Eleanor Powell e Fred Astaire contra um fundo estrelado em “Melodia da Broadway” (1940), e aos balões de gás de Audrey Hepburn em “Cinderela em Paris” (1957).
“Someone in the crowd”
O número em que as roommates de Mia a convencem a ir à festa começa em tom brincalhão, no apartamento, como em “I feel pretty”, de “Amor, sublime amor” (1961), de Robert Wise e Jerome Robbins. Na festa, convivas dançam passos “congelados” em torno da piscina, como em “Rich man’s frug”, de “Charity, meu amor” (1969), de Bob Fosse.
“Planetarium”
Boa parte das danças de Sebastian e Mia evoca filmes com Fred Astaire e Ginger Rogers. Isso fica evidente na cena dentro do Observatório Griffith em que os dois flutuam entre as estrelas do planetário, como sugerido em “Ritmo louco” (1936), de George Stevens.
“A lovely night”
O meio giro de Sebastian no poste de luz é uma referência direta ao gesto de Gene Kelly em “Cantando na chuva” (1952), de Kelly e Stanley Donen, mas o número de sapateado da dupla é inspirado nos balés de Fred Astaire em “A roda da fortuna” (1953), de Vincente Minnelli, ou “Vamos dançar?” (1937), de Mark Sandrich, em dueto com Ginger Rogers.