Coluna
Cora Rónai

Clefairy, Jigglypuff, Cabify

Uma garrafinha num carro não quer dizer muita coisa, mas tem vários significados

O mundo está cheio de pokémons novos, e eu tenho me divertido muito correndo atrás deles enquanto vou de um lado para o outro resolvendo as várias pendências do dia. O trânsito carioca, que não transita, é perfeito para isso. Há pokémons que nascem de ovos, e eles precisam ser chocados em caminhadas de dois, cinco ou dez quilômetros. Não vale andar de carro ou bicicleta, porque o GPS percebe a velocidade do deslocamento, mas por enquanto o GPS é incapaz de distinguir entre alguém que anda a pé e alguém que está num táxi que mal se movimenta.

Um dos melhores trajetos, dentre os que faço, leva da minha casa, na Lagoa, à casa da minha irmã, em Botafogo. A Rua Voluntários da Pátria é uma perfeição, constantemente engarrafada e cheia de pokéstops — aqueles pontos virtuais onde nós, jogadores, nos abastecemos de munição, ovos, poções e frutas mágicas. A Rua Nelson Mandela, em frente a uma pequena praça, é um celeiro de criaturinhas. E o próprio prédio na São Clemente, onde também mora a Mamãe, tem uma família de Slowbros permanentes no jardim e eventuais Psyducks e Magikarps. Um dia encontrei na portaria um Gyarados, um pokémon bastante difícil que aumentou consideravelmente o meu prestígio junto ao meu neto.

Nesta semana fui jantar lá e cheguei cheia de novidades:

— Todos os pokéstops do caminho estão ativados com lures! Peguei um Mantine, um Skiploom, um Chikorita...

Laura deu um suspiro, Mamãe, que sempre se interessa pelo que estamos fazendo, seja lá o que for, deu os parabéns.

— Ah, esqueci de dizer: peguei um Cabify, pela primeira vez.

— E é bom, esse pokémon?

Caímos na gargalhada. Mamãe, que detesta aplicativos, ainda não sabia do Cabify, uma espécie de Uber espanhol que chegou há algum tempo ao Rio. Como pokémon, o Cabify não presta; como sistema de transporte está ótimo, comparável ao Uber dos primeiros tempos. Os carros são bons, os motoristas, atenciosos. A água é oficial, com rótulo Cabify e código de desconto para novos usuários, e é sempre oferecida, ao contrário da do Uber, que anda escassa ou inexistente.

Uma garrafinha num carro não quer dizer muita coisa, mas tem vários significados. Sempre sobrevivemos perfeitamente bem sem água nos coletivos, nos táxis e nos nossos próprios carros, mas há uma cortesia implícita no oferecimento que indica que aquele é um serviço que está se esforçando para agradar ao cliente. A água com rótulo próprio leva a cortesia um passo além, à esfera institucional — ela deixa de ser uma gentileza individual do motorista e passa a ser também uma gentileza da empresa. A gente aprecia, sem nem se dar conta de por que aprecia.

Tentei usar o Cabify algumas vezes assim que chegou, mas no começo fui vencida pela impaciência. Havia poucos motoristas, a demora era grande. Agora eles já vêm rápido. E me contam que se sentem mais protegidos no Cabify do que no Uber, sobretudo depois que o Uber passou a aceitar dinheiro para o pagamento de corridas. É que, com cartão, os passageiros são obrigados a sair do anonimato.

Enquanto isso, em Austin, no Texas, o RideAustin completou o primeiro milhão de corridas. Este é um caso de município versus aplicativos muito interessante, que foge ao que estamos acostumados a ver. Uber e Lyft interromperam os serviços na cidade abruptamente, depois de perder um processo em que questionavam a checagem municipal obrigatória dos motoristas. Ambas queriam continuar fazendo as suas próprias checagens, como no resto do mundo, e argumentavam que a interferência oficial inviabilizava o serviço.

A saída das duas empresas foi um transtorno para a população, que de uma hora para outra ficou a pé. Um grupo de empreendedores locais resolveu, então, criar um sistema próprio, “de Austin para Austin”. Como a cidade é um polo de tecnologia, não foi difícil encontrar desenvolvedores para levar a ideia adiante, e cinco semanas depois o RideAustin chegava às ruas e aos iPhones dos primeiros usuários. Sem fins lucrativos, ele ainda luta para equilibrar as contas, apesar de ter recebido US$ 7 milhões em doações da comunidade. Ao contrário de outras empresas de transporte, tenta ser o mais transparente possível, e publica relatórios com regularidade.

Para mim, a característica mais interessante do sistema é uma feature chamada RoundUp. Ela permite que os passageiros arredondem as corridas e escolham a instituição beneficente para a qual querem doar o dinheirinho a mais. Resultado: nesses oito meses de funcionamento, mais de US$ 100 mil foram recolhidos, centavo a centavo, e distribuídos entre 49 diferentes entidades, de sociedades artísticas a fundos de pesquisa sobre câncer, passando por nomes bem conhecidos, como Caritas e YWCA. As maiores beneficiadas foram duas associações de proteção animal, que ficaram com 25% do total. Um banco de alimentos regional também foi bem contemplado, obtendo o equivalente a 30 mil refeições.

Num longo texto postado há cerca de uma semana no blog austinstartups.com, dois de seus fundadores contam a saga da criação e da manutenção do RideAustin em detalhes. É uma ótima leitura para quem domina inglês e se interessa por transportes, startups e empreendedorismo. O link está em is.gd/Ay6KKk .

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