Política Lava-Jato

Fachin afirma que foro privilegiado é ‘incompatível com princípio republicano’

Relator da Lava-Jato no STF afirmou que é preciso debater alteração no mecanismo
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, durante evento com presidente da Corte Suprema Argentina Foto: Carlos Moura/STF
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, durante evento com presidente da Corte Suprema Argentina Foto: Carlos Moura/STF

RIO — O ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta sexta-feira que o foro privilegiado é “incompatível com o princípio republicano”. De acordo com o Fachin, é necessário realizar um debate para determinar se o mecanismo pode ser alterado por uma nova interpretação constitucional ou se depende de uma ação do Legislativo.

— Eu, já de muito tempo, tenho subscrito uma visão crítica do chamado foro privilegiado, por entendê-lo incompatível com o princípio republicano, que é o programa normativo que está na base da Constituição brasileira. A questão que se coloca é saber se essa alteração pode ser feita por uma mudança de interpretação constitucional, ou se ela demanda, da parte do Poder Legislativo, uma alteração — declarou o ministro.

Fachin explicou que o Supremo poderia adotar a interpretação de que o foro só abrangeria crimes patricados no exercício do mandato, mas ressaltou que defende uma “maior contenção” do tribunal.

— Este é o debate que o Supremo vai enfrentar para saber se há espaço para interpretação, como a proposta feita no sentido de que o foro compreenderia apenas eventuais ilícitos praticados no exercício da função, e não abrangeria os ilícitos praticados anteriormente. Eu, na corte, de um modo geral, tenho me inclinado por uma posição de maior contenção do tribunal, mas nós vamos examinar a proposta e, no momento certo, iremos debater.

Pela Constituição Federal, deputados, senadores, ministros de Estado e o presidente da República devem ser processados e julgados no Supremo. Governadores têm direito ao foro no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Prefeitos, por sua vez, têm foro nos Tribunais de Justiça.

BARROSO CRITICOU MECANISMO

Na quinta-feira, o ministro Luís Roberto Barroso, também do STF, defendeu uma interpretação mais restritiva da regra do foro privilegiado, que teria se tornado uma "perversão da Justiça".

Em despacho, Barroso lembrou que, hoje, tramitam no STF cerca de 500 processos contra parlamentares, de acordo com as estatísticas da Corte. Para o ministro, a regra resulta em impunidade porque, quando uma autoridade deixa o cargo, o processo muda de instância, dificultando a conclusão das investigações. Para o ministro, a regra do foro se tornou uma “perversão da Justiça”.

“O foro por prerrogativa é causa frequente de impunidade, porque dele resulta maior demora na tramitação dos processos e permite a manipulação da jurisdição do tribunal”, escreveu o ministro.

A crítica foi feita no despacho no qual o ministro decidiu levar ao plenário do STF uma ação penal contra o atual prefeito de Cabo Frio, Marcos da Rocha Mendes (PMDB), por crime eleitoral. Ainda não está marcada data para o julgamento. Isso depende de decisão da presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia.

No texto, Barroso afirma que o caso do prefeito é exemplo da “disfuncionalidade prática do regime de foro privilegiado”. O político é suspeito de ter dado dinheiro e distribuído carne a eleitores na campanha de 2008. A prática configuraria compra de votos. A Justiça Eleitoral do Rio de Janeiro abriu a ação penal. Quando terminou o mandato de Mendes, o caso foi transferido para a primeira instância da Justiça Eleitoral local.

Mendes era suplente de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e assumiu o mandato na Câmara dos Deputados no ano passado, depois que o titular da cadeira foi cassado. Com isso, o processo foi transferido para o Supremo Tribunal Federal.

“O sistema é feito para não funcionar. Mesmo quem defende a ideia de que o foro por prerrogativa de função não é um mal em si, na sua origem e inspiração, não tem como deixar de reconhecer que, entre nós, ele se tornou uma perversão da Justiça. No presente caso, por exemplo, as diversas declinações de competência estão prestes a gerar a prescrição pela pena provável, de modo a frustrar a realização da justiça, em caso de eventual condenação”, concluiu o ministro Luís Roberto Barroso.

Para Barroso, o foro privilegiado “dá privilégio a alguns, sem um fundamento razoável”. Ele explicou que, no caso do STF, os processos criminais consomem tempo exagerado de uma Corte que deveria se ocupar apenas com assuntos constitucionais. Segundo o ministro, o prazo médio para recebimento de uma denúncia pelo Supremo é de 565 dias.