21/12/2011 10h02 - Atualizado em 21/12/2011 12h39

Maior favela do país, Rocinha discorda de dados de população do IBGE

Segundo Censo 2010, há 69.161 habitantes no local.
Associação de moradores afirma que há mais moradores na favela.

Bernardo TabakDo G1 RJ

O Censo Demográfico 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) constatou que a comunidade da Rocinha é a mais populosa do país, com 69.161 habitantes, distribuídos em 25.352 domicílios (média de quase três moradores por residência). Para a Associação de Moradores, no entanto, o número é muito maior.

“A Rocinha tem entre 180 mil e 220 mil habitantes”, afirma o presidente da União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha (UPMMR), Leonardo Rodrigues Lima, mais conhecido como Léo, 49. Ele conta que está na favela há 32 anos, e preside a associação há dois.

“Ô, Chico: alguém do IBGE passou na sua casa para perguntar alguma coisa? Ô, Madalena: você recebeu alguém do IBGE na sua casa?”, pergunta Léo para o vice-presidente e para uma funcionária da UPMMR. "Não", respondem.

Um trator da Comlurb tenta recolher uma grande quantidade de lixo espalhada na rua (Foto: Bernardo Tabak/G1)Lixo é levado por trator da Comlurb na Rocinha (Foto: Bernardo Tabak/G1)

“Na minha casa, também não foi ninguém do IBGE. Há alguns anos, uma empresa fez um censo na Rocinha e disse que havia uma população de 110 mil pessoas”, conta Léo, que diz não se lembra qual empresa ou instituição foi responsável pela pesquisa.

“Uma vez, em uma reunião com 300 pessoas, menos de 10 disseram ter sido entrevistadas pelo IBGE”, recorda. O IBGE afirmou que a pesquisa do Censo Demográfico 2010 segue uma metodologia rigorosa do instituto, que não emite opiniões sobre outras pesquisas. A metodologia do censo está disponível no site do instituto.

A Rocinha foi ocupada em novembro pelas forças de segurança do estado para a implantação de uma UPP (Unidade da Polícia Pacificadora). Antes da pacificação, a favela era controlada pelo tráfico.

Mesmos problemas
Em março de 2010, a Secretaria de Estado da Casa Civil do Rio de Janeiro concluiu o Censo Domiciliar na Rocinha, e afirma que a população efetivamente recenseada chega a 73.410 habitantes. Ainda de acordo com este censo, uma “estimativa populacional, considerando os recenseados na Rocinha, as recusas e as residências com moradores ausentes, chega a 98.319 pessoas”.

Independentemente do tamanho da população da Rocinha, a favela sofre com os mesmos problemas que o restante das comunidades pobres brasileiras, de acordo com o censo do IBGE: falta de saneamento básico, de coleta de lixo e de abastecimento de água. “O lixo é a pior desgraça, pois atrai ratos, baratas e mosquitos, que provocam doenças como leptospirose e dengue”, diz Léo.

'Triatlo'
Raquel de Freitas, de 31 anos, 16 deles vividos na Rocinha, é exemplo de uma típica moradora da comunidade. Separada, divide uma casa de apenas um quarto com o casal de filhos adolescentes. Na segunda-feira (19), após um temporal de fim de tarde, ela encarou um "triatlo" para superar os obstáculos que surgiram nas vielas que levam à casa dela e que foram evidenciados no Censo do IBGE.

Desviar do lixo, da enxurrada que desce pelas escadas quando chove, e dos bueiros: o 'triatlo da pobreza' (Foto: Bernardo Tabak/G1)Desviar do lixo, da enxurrada que desce pelas escadas quando chove, e dos bueiros: o 'triatlo da pobreza' (Foto: Bernardo Tabak/G1)

“As tampas de esgoto estouraram com a força da água. Tive que pular por três bueiros que ficaram destampados. Além disso, tinha que subir a escadaria contra a correnteza, pois se formou uma verdadeira cachoeira vinda do alto do morro. E ainda tinha que desviar do lixo, que estava jogado no chão e foi todo espalhado pela enxurrada”, disse Raquel, citando os três obstáculos do “triatlo”.

Caminhando pelas vielas da Rocinha, pode-se ver outro problema muito comum nas favelas brasileiras, também relatado no censo do IBGE: a instalação elétrica inadequada, os populares “gatos de luz”. Um emaranhado de fios quase esconde a fachada de algumas casas e, em alguns becos, passam a centímetros das cabeças dos passantes. “Uma das poucas coisas que me levam a ficar na favela é não ter que pagar impostos, nem taxas”, admite Raquel.

Um emaranhado de fios quase cobre a fachada das casas, construídas trepadas umas sobre as outras (Foto: Bernardo Tabak/G1)Um emaranhado de fios quase cobre a fachada das casas, construídas trepadas umas sobre as outras (Foto: Bernardo Tabak/G1)

Com relação ao lixo, que o IBGE trata como um dos serviços mais acessíveis, em muitos pontos da favela não há coleta. Catadores informais, sem uniformes, passam com as típicas caçambas laranjas, do mesmo tipo usado pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), e recolhem o lixo de quem paga uma taxa mensal a eles. “Cobram entre R$ 10 e R$ 15”, conta Raquel. Quem não paga, sofre com o acúmulo de sujeira. E mesmo quem paga, pode ter que encarar o lixo dos outros pela frente.

Lotação
Ao redor de Raquel, sete vizinhos, de sete apartamentos diferentes, a uma distância de menos de cinco metros. “Se você der um espirro, ou usar a descarga do banheiro, o vizinho escuta”, conta Raquel. Segundo o IBGE, uma das características dos aglomerados urbanos é a falta de planejamento habitacional.

Raquel tira o sustento mensal dos quadros que pinta, inspirados na vista que a Rocinha tem para vários pontos turísticos do Rio, como o Cristo Redentor, a Lagoa Rodrigo de Freitas e a Praia de São Conrado. “Mais de 95% dos turistas que passam por aqui são gringos. Eles que compram meus quadros”, conta ela, acrescentando que os brasileiros têm medo e preconceito em relação à favela.

Raquel posa ao lado dos quadros, inspirados na paisagem que se vê de mirantes da favela (Foto: Bernardo Tabak/G1)Raquel ao lado dos quadros inspirados na paisagem vista de mirantes da favela (Foto: Bernardo Tabak/G1)

A pintora confessa que gostaria de sair da Rocinha, mas não sai porque não teria condições de comprar outro imóvel. “Paguei R$ 30 mil pelo meu apartamento. Por esse valor, não consigo comprar nada em outro lugar”, conforma-se.

Já em outro ponto da Rocinha, atendido pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, uma viela de 80 centímetros de largura foi transformada em rua. “Os prédios no entorno foram rebocados e pintados. É uma prova de que, quando o governo quer, transforma a paisagem da favela”, afirma Léo, presidente da UPMMR.

“O poder público tem uma dívida impagável com todas as comunidades, e não só com a Rocinha, pelos anos e anos de abandono. Entre a riqueza de São Conrado e da Gávea, é inaceitável pessoas viverem na miséria, morando ao lado de valas a céu aberto, entre ratos e baratas”, diz Léo.

As obras do PAC deram um visual novo à Rua 4, que tinha 80 cm de largura (Foto: Bernardo Tabak/G1)As obras do PAC deram um visual novo à Rua 4, que tinha 80 cm de largura (Foto: Bernardo Tabak/G1)


 

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