Brasil Conte algo que não sei

Marion Gray-Hopkins, ativista: ‘Se o policial fala em resistência, nada acontece’

Americana passou a militar pelos direitos humanos após filho ser morto; ela esteve no Rio para o lançamento de relatório mundial da Anistia Internacional
'Ele vem dizendo que chegou o momento de a lei e a ordem voltarem, e isso me parece ser um aval para que os policiais matem ainda mais', diz a ativista Marion Gray-Hopkins sobre o governo Trump. Foto: Barbara Lopes / Agência O Globo
'Ele vem dizendo que chegou o momento de a lei e a ordem voltarem, e isso me parece ser um aval para que os policiais matem ainda mais', diz a ativista Marion Gray-Hopkins sobre o governo Trump. Foto: Barbara Lopes / Agência O Globo

“Tenho 60 anos, nasci em Washington D.C. e moro no condado de Prince George, perto da capital. Sou mãe de três filhos vivos e de um que foi assassinado por policiais. Me aposentei como executiva em um banco e , desde então , sou 100% ativista — até morrer. Estou à frente da Coalização das Mães Preocupadas ”

Conte algo que não sei.

Onde vivo, no estado de Maryland, a população negra corresponde a 30%. Porém, em 2015, 81% dos assassinatos foram de negros desarmados. Antes de meu filho ser morto, em 2000, eu estava abstraída da realidade sobre a violência policial. Agora, eu quero trazer pessoas para a discussão e o esclarecimento sobre o problema. Na coalizão da qual sou presidente, trabalhamos não só com a violência policial, mas com a violência armada na comunidade: as pessoas de cor estão se matando.

Na coalizão, vocês precisaram prestar assistência a vítimas recentes da violência?

Sim. Recebemos na coalizão uma mãe que perdeu a filha, há cerca de um ano e meio. A moça estava no carro com o bebê e o pai da criança, quando começaram a ser seguidos pela polícia. Os agentes jogaram granadas e depois atiraram no carro, matando o casal. Os policiais alegaram que estavam buscando o namorado, porque ele tinha cometido algum crime, mas mataram ela também, mesmo com o bebê, que sobreviveu. Não houve acusação, nada aconteceu.

Houve punição no caso do seu filho?

Meu caso já foi julgado, com nenhum dos dois policiais punidos. Através de uma ação civil, recebi uma pequena indenização e uma carta de desculpas do Estado. Em 2000, Gary tinha acabado de perder o pai, de câncer. Ele foi a uma festa tentar espairecer, e um dos amigos se envolveu em uma briga. Após tentar apartar, policiais atiraram nele, quando todos já estavam indo embora. Ele tinha 19 anos.

Seu ativismo começou após sua tragédia familiar. É doloroso conciliar esses dois lados?

Meu filho e meu marido diziam que eu era uma batalhadora. E, quando lembro, isso me dá força. Para mim, falar de Gary tem poder de cura. E isso tudo é maior do que Gary, é um problema global, uma questão de direitos humanos. Acho que Deus o tirou de mim para colocar esse propósito em minha vida.

Você é religiosa?

Não, mas sou uma pessoa que acredita na espiritualidade, em um poder superior. Não vou à igreja todo domingo, mas rezo todos os dia.

A retórica de Trump coloca os policiais em um lugar especial, certo?

Eu o chamo de número 45 (NR: Trump é o 45º presidente americano), nem consigo chamá-lo de presidente. A chegada dele nos mostra que existe, agora, mais motivos para nos prepararmos. Ele vem dizendo que chegou o momento de a lei e a ordem voltarem, e isso me parece ser um aval para que os policiais matem ainda mais.

Como é a região do distrito federal americano em termos de segregação racial e violência policial?

Washington D.C. já foi uma região predominantemente negra até os anos 1970, 1980, mas com a gentrificação, há mais brancos entrando e negros saindo. Muitos negros vêm para condados como o que eu vivo, de Prince George, no subúrbio da capital. Conjuntos habitacionais em D.C. estão sendo fechados.

Você acha que figuras pop como Beyoncé e Obama são importantes na defesa do movimento negro?

Eles precisam ser fiéis a quem eles são, não podem fingir que nada está acontecendo.