• André Jorge de Oliveira
Atualizado em
Concepção artísticas do septeto planetário de TRAPPIST-1: três dos mundos estão na zona habitável e todos podem contem água em abundância (Foto: NASA/JPL-Caltech)

Concepção artísticas do septeto planetário de TRAPPIST-1: três dos mundos estão na zona habitável e todos podem contem água em abundância (Foto: NASA/JPL-Caltech)

Na coletiva de imprensa que anunciou a descoberta de sete mundos rochosos orbitando uma estrela a meros 40 anos-luz da Terra, no dia 22 de fevereiro, os cientistas da NASA pareciam empolgados. Alguém que acompanhava a transmissão pelas redes sociais perguntou se eles já sabiam que nome dar aos novos planetas. Michaël Gillon, líder da pesquisa, respondeu com convicção: “Até agora, só pensamos em nomes de cervejas belgas.” Todos riram.

Quem gosta de cerveja vai entender a piada: o estudo extremamente empolgante foi conduzido pelo projeto TRAPPIST — o termo lembra a cerveja trapista, um tipo feito sob supervisão dos monges da Ordem Trapista—, da Universidade de Liège, na Bélgica, que conta com um telescópio no Chile e outro no Marrocos para detectar e caracterizar planetas de outros sistemas solares. Em maio do ano passado, pesquisadores anunciaram a descoberta de três planetas em torno da mesma estrela, chamada TRAPPIST-1, detectados através da oscilação que seus trânsitos provocavam na luz da anã superfria.

Para obter dados mais concretos, os astrônomos recorreram ao telescópio espacial Spitzer, da NASA, que analisa objetos na radiação infravermelha — justamente a faixa que esse tipo de estrela, entre as mais comuns da galáxia, emite em abundância. Ele passou 500 horas de olho naquele sistema planetário distante. Qual não foi a surpresa de todos ao notar que a estrelinha, pouco maior que Júpiter, abriga não só três exoplanetas, mas sete? “Foi a descoberta mais empolgante do Spitzer em seus 14 anos de operação”, disse Sean Carey, que coordena o telescópio espacial a partir do Caltech, na Califórnia.

Concepção artística da superfície de um dos exoplanetas (Foto: NASA/JPL-Caltech)

Concepção artística da superfície de um dos exoplanetas (Foto: NASA/JPL-Caltech)

O anúncio ocorreu simultaneamente com a divulgação do artigo que detalha a descoberta, publicado na revista Nature. É certo que não se trata do primeiro sistema solar com sete planetas que descobrimos. Mas é o único em que todos eles são rochosos, com tamanho comparável ao da Terra e em que três destes mundos estão na zona habitável de sua estrela — onde não é nem tão quente nem tão frio, e água no estado líquido pode existir.

Falando em água, tudo indica que os admiráveis mundos novos possam contê-la em abundância. Isso porque os estudos atuais (ainda bastante preliminares) apontam indícios de que os exoplanetas se formaram em regiões mais distantes da estrela e só depois migraram para perto dela. E é justamente lá longe que as moléculas de água gostam de ficar. Outra característica peculiar do septeto fantástico é que eles estão todos amontoados a uma distância da estrela-mãe menor que a de Mercúrio até o Sol.

Comparação das órbitas do sistema TRAPPIST-1 com as do Sistema Solar e as de Júpiter e suas luas (Foto: ESO/O. Furtak)

Comparação das órbitas do sistema TRAPPIST-1 com as do Sistema Solar e as de Júpiter e suas luas (Foto: ESO/O. Furtak)

Isso faz com que os planetas orbitem a estrela freneticamente: no mais interno deles, o TRAPPIST-1b, o ano dura um dia e meio. No h, o mais externo dos planetas, você faria aniversário a cada 20 dias. O mais promissor de todos em termos de potencial de habitabilidade é o TRAPPIST-1e, cujo raio equivale a 92% o da Terra e recebe quantidade parecida de luz solar, o que sugere temperaturas também semelhantes. Uma consequência da proximidade com a estrela é a chance alta de que sejam gravitacionalmente travados, ou seja: em uma das faces é sempre dia, e na outra é sempre noite. O que pode não ser muito propício para a vida.

Por estarem próximos um do outro, alguém que esteja hipoteticamente na superfície de um destes mundos poderia enxergar nuvens e até padrões geológicos dos demais. Em determinadas circunstâncias, eles podem adquirir o tamanho da Lua Cheia no céu. Outra consequência é que eles exercem forças de maré entre si, em um padrão muito semelhante ao de Júpiter e suas luas. Essas interações podem criar ambientes propícios para a existência de água no estado líquido — cuja presença ainda não foi confirmada. Há apenas fortes indícios de que ela exista.

Detalhes técnicos de cada exoplaneta (Foto: NASA)

Detalhes técnicos de cada exoplaneta (Foto: NASA)

É uma descoberta fascinante pois, agora, muitos dos maiores telescópios vão apontar para a constelação de Aquário, onde fica a TRAPPIST-1, para fazer o acompanhamento, refinar os dados e revelar maiores detalhes. Um que já está de olho é o Hubble, que no ano passado analisou quatro planetas do sistema (inclusive os três na zona habitável) e descartou a presença de hidrogênio e hélio em suas atmosferas — características dos gigantes gasosos. As influências gravitacionais também permitiram inferir a massa e densidade dos planetas, apontando para que sejam rochosos, aquáticos ou congelados. Mas não gasosos.

A grande expectativa agora gira em torno do telescópio espacial James Webb, sucessor do Hubble, que chega ao espaço no fim do ano que vem para, entre outras coisas, determinar com precisão a composição das atmosferas de exoplanetas. Se ele descobrir, por exemplo, oxigênio, metano ou ozônio neste sistema planetário, teremos evidência de atividade biológica. São os chamados biomarcadores.

Capa da revista Nature ilustra os sete exoplanetas e seus potenciais de abrigar água em forma de gelo, líquida ou de vapor (Foto: NASA/R. Hurt/T. Pyle)

Capa da revista Nature ilustra os sete exoplanetas e seus potenciais de abrigar água em forma de gelo, líquida ou de vapor (Foto: NASA/R. Hurt/T. Pyle)

O fato é que, agora, a TRAPPIST-1 e seus planetas se tornarão um grande laboratório para estudos sobre a evolução e caracterização de planetas extrassolares (que ficam fora do nosso Sistema Solar). E se há uma certeza no universo é que, normalmente, nada é tão raro a ponto de não se repetir. Por isso, a descoberta nos coloca um passo mais perto de encontrar uma segunda Terra no espaço — e responder se estamos ou não sozinhos no cosmo. “Estou empolgada com esse sistema incrível porque sabemos que deve haver muitos outros com mundos potencialmente habitáveis esperando para serem achados”, disse a cientista planetária Sara Seager, do MIT.

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