Política

Análise: Serra foi de odiado por bolivarianos a interlocutor com EUA

Chanceler, que pediu exoneração do ministério, defendeu mudanças no Mercosul
O ministro das Relações Exteriores, José Serra, durante entrevista Foto: Jorge William / O Globo
O ministro das Relações Exteriores, José Serra, durante entrevista Foto: Jorge William / O Globo

BRASÍLIA — A vida de José Serra como chanceler não foi fácil, principalmente no começo. Assim que assumiu a função de ministro das Relações Exteriores, logo após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em maio do ano passado, Serra enfrentou a ira dos chamados países bolivarianos. Venezuela, Cuba, Nicarágua, Equador e Bolívia insistiam em dizer que houve um golpe de Estado no Brasil. A Bolívia, por exemplo, chegou a chamar seu embaixador em Brasília de volta a La Paz.

As desavenças não terminaram e tiveram consequências que são sentidas até hoje. Por exemplo, o presidente Michel Temer não conseguiu o "agreement" - espécie de sinal verde - de Havana para emplacar um embaixador brasileiro no país caribenho. Após meses de espera, o diplomata foi encaminhado para outra função há poucos dias.

Para pessoas próximas, a impressão que o ministro passava era que ele havia levado para a nova função sua experiência como negociador parlamentar. Serra foi um dos grandes responsáveis pela expulsão da Venezuela do Mercosul. Desde que tomou posse, assumiu uma posição crítica ao governo do presidente Nicolás Maduro, ao governo do gestão petista. Comprou a briga e teve como aliados o Paraguai e a Argentina. Teve dificuldade para convencer o Uruguai, que acabou aderindo à ideia de tirar os venezuelanos do bloco.

Uma das propostas de José Serra em relação ao Mercosul dizia respeito a uma maior liberalização no bloco. Por exemplo, ele sempre defendeu que os sócios pudessem negociar acordos de livre comércio em separado. Avaliava que o Brasil não poderia perder tempo e oportunidades.

Houve momentos em que enfrentou manifestações e protestos agressivos em outros países, como em Buenos Aires, em dezembro do ano passado. Mas fez uma série de viagens consideradas bem sucedidas. Foi à China, à Índia, ao Japão, entre outros países. Em uma visita em setembro, Serra assinou nove acordos com os chineses em áreas como agricultura, aviação e siderurgia.

Em novembro , fez três viagens: Espanha, Cuba e Colômbia. Neste último país , participou de homenagem aos jogadores do Chapecoense mortos em acidente aéreo.

Em janeiro último, Serra desaconselhou o presidente da República a ir a Davos, na Suíça, para participar da reunião do Fórum Econômico Mundial. Temer optou por enviar seus ministros, tendo à frente o titular da Fazenda, Henrique Meirelles.

A última viagem que fez, no mês passado, foi a Bonn, na Alemanha, na semana passada. Lá, ele teve o primeiro encontro com o secretário de Estado americano, Rex Tillerson. Entre os temas da conversa, destacou-se a aproximação, em nível técnico e diplomático, entre os governos dos dois países. A ideia de Serra era assinar dez acordos com os EUA, incluindo uma oferta da Base de Alcântara, no Maranhão, para o lançamento de satélites.

Serra dizia a interlocutores próximos que o protecionismo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tende a beneficiar o Brasil. E estava acertando em seu prognóstico. Maltratado pelo novo governo dos EUA, o México mandou emissários ao Brasil, semanas depois da posse de Trump, para negociar um acordo de livre comércio.

Durante a campanha de Trump, o então chanceler brasileiro disse uma frase que foi bastante comentada.

— Treino é treino, jogo é jogo.

Nisso, o ex-ministro errou. Donald Trump tem colocado em prática o que prometeu durante sua campanha para a presidência dos EUA.