Saúde

Exercícios devem vir antes do controle de colesterol e pressão, diz nova diretriz

Associação Americana recomenda prioridade à atividade física para cardiopatas
Depois de passar grande parte da vida sedentário, Marcio Bandeira de Mello, de 73 anos, conseguiu se recuperar de uma doença coronariana e interromper ciclo de internações fazendo exercício seis vezes por semana Foto: Guilherme Pinto
Depois de passar grande parte da vida sedentário, Marcio Bandeira de Mello, de 73 anos, conseguiu se recuperar de uma doença coronariana e interromper ciclo de internações fazendo exercício seis vezes por semana Foto: Guilherme Pinto

RIO — Cirurgia em alguma artéria, medicamentos e, se der, uma caminhada. Este é o tratamento receitado à maioria das pessoas que sofrem de alguma cardiopatia. Mas uma nova diretriz divulgada no último mês pela Associação Americana do Coração (AHA, na sigla em inglês) aspira mudar esse cenário, trazendo para a linha de frente, pela primeira vez, uma terapia que priorize a atividade física para tratar pacientes com problemas cardiovasculares. Na prática, isso significa que os exercícios devem vir antes mesmo do controle da pressão arterial, do colesterol e do nível de glicose no sangue, por exemplo. E não se trata apenas de atividade aeróbica, mas também de outros três importantes pilares: força, equilíbrio e cognição.

O documento de 25 páginas divulgado pela AHA evidencia como a capacidade funcional cai rapidamente durante a velhice, e o declínio é ainda mais acelerado quando o idoso tem doença cardiovascular — resultado da enfermidade, mas também dos muitos remédios que a pessoa passa a tomar e das costumeiras hospitalizações. A nova diretriz destaca que apenas o exercício regular é capaz de frear esse declínio, aumentando a qualidade de vida das pessoas mais velhas. Isso acontece porque, com o treinamento, elas adquirem mais força e equilíbrio, o que aumenta a mobilidade e diminui o risco de quedas, que muitas vezes causam complicações que levam o idoso à morte.

Além disso, a prática de exercícios estimula o corpo a produzir novos vasos sanguíneos, trunfo poderoso para evitar infarto e acidente vascular cerebral (AVC).

— É preciso receitar exercícios e só depois passar remédios — ressalta o cardiologista Claudio Gil Araújo, um dos maiores especialistas em medicina do exercício do país. — A medicação vai se fazer presente, porque em vários casos ela é mesmo necessária, mas como coadjuvante. Não é o remédio para o colesterol que vai fazer o indivíduo se sentir melhor depois de um infarto. É o exercício que consegue isso.

Cada idoso estará mais apto a fazer determinados tipos de atividades, dependendo do que ele já fez na vida e de qual é o seu condicionamento físico atual, mas o cardiologista garante que mesmo aos 80 ou 90 anos é possível começar a praticar algum exercício.

— Nunca é tarde para começar. Na realidade, quanto mais sedentário e debilitado o individuo é, mais chance de ganho ele tem, porque o pouco que ele conseguir fazer a mais já será um grande avanço e o ajudará a viver por mais anos. Costumo brincar que o difícil é fazer o Usain Bolt correr mais rápido — diverte-se Araújo.

Teste de sentar e levantar

Confira se seu condicionamento físico está adequado

Como se preparar:

Vista roupas confotáveis, que não limitem o movimento, e retire os sapatos

Fique de pé num ambiente com espaço ao redor, e, devagar, tente se sentar no chão e depois se levantar sem usar as mãos ou os joelhos

Faça o teste na companhia de pelo menos uma pessoa, para evitar quedas

O teste utiliza uma escala de

A cada apoio que a pessoa precisa usar para sentar ou para levantar, ela perde 1 ponto. A cada desequilíbrio, perde meio ponto

Para quem tem mais de 50 anos, o resultado ideal é tirar de 8 pontos para cima. Se alcançar menos do que isso, aconselha-se procurar um médico e se exercitar com mais frequência

10 pontos

Fonte: Dr. Claudio Gil Araújo

Teste de sentar e levantar

Confira se seu condicionamento

físico está adequado

Como se preparar:

Vista roupas confotáveis, que não limitem o movimento, e retire os sapatos

Fique de pé num ambiente com espaço ao redor, e, devagar, tente se sentar no chão e depois se levantar sem usar as mãos ou os joelhos

Faça o teste na companhia de pelo menos uma pessoa, para evitar quedas

10 pontos

O teste utiliza uma escala de

A cada apoio que a pessoa precisa usar para sentar ou para levantar, ela perde 1 ponto. A cada desequilíbrio, perde meio ponto

Para quem tem mais de 50 anos, o resultado ideal é tirar de 8 pontos para cima. Se alcançar menos do que isso, aconselha-se procurar um médico e se exercitar com mais frequência

Fonte: Dr. Claudio Gil Araújo

Além de atividades aeróbicas como corrida e caminhada, a musculação é recomendada — ainda que com pouca carga —, exercícios de equilíbrio e alongamento, para adquirir flexibilidade.

Esse conjunto faz, hoje, parte da rotina do advogado Marcio Bandeira de Mello, de 73 anos, e o ajudou a desenvolver um condicionamento físico muito melhor do que o que ele tinha aos 50 anos, quando se descobriu cardiopata. Na época, ele não sentia dor no peito, mas estava com 90% de entupimento em uma artéria e 70% em outras duas.

Ele fez cirurgia para colocar ponte de safena e, depois, implantou stents — dispositivos que impedem a obstrução total das artérias. Começou a praticar atividade física três vezes por semana — até então, era completamente sedentário —, mas vez ou outra voltava a ser internado por conta de alguma complicação. Essas hospitalizações só terminaram em 1996, quando ele passou a se exercitar seis vezes toda semana, a conselho de Claudio Gil Araújo, que trata dele desde então.

— Se eu não estivesse fazendo exercícios, já teria morrido — pontua Bandeira de Mello.

Um dos autores do documento da AHA, o americano Daniel Forman destaca que, embora em alguns casos seja recomendável que o idoso se exercite acompanhado de um médico que possa mensurar o aumento de sua pressão arterial e outros aspectos, em geral é possível praticar atividades por conta própria e fora de unidades de saúde. Mas é preciso começar devagar e, se algo doer, parar.

— Mesmo dez minutos de atividade física algumas vezes por dia já é muito saudável e, normalmente, esse tempo vai aumentando à medida que a pessoa se sente mais confiante. Mas é sempre importante ter alguém por per perto ou algum telefone nas proximidades enquanto se faz o exercício. E a atividade deve ser confortável, não pode doer. Muitos jovens consideram que o exercício tem que provocar dor para gerar algum benefício, mas a regra para os adultos mais velhos é fazer atividades que dão conforto e confiança — sublinha Forman, que é chefe da Divisão de Cardiologia Geriátrica da Universidade de Pittsburgh, nos EUA.

A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que todo indivíduo faça, pelo menos, duas horas e meia de atividades moderadas ou uma hora e 15 minutos de exercícios intensos por semana.

MENOS PRÓTESES, CADEIRAS DE RODAS E REMÉDIOS

O cardiologista do esporte Fabrício Braga, da Casa de Saúde São José, no Rio, também comemorou a nova diretriz da associação americana, destacada por ele como a primeira de tamanha magnitude a priorizar o exercício físico na rotinas desses pacientes.

— Este documento é um marco. No meu dia a dia de médico, percebo que o exercício é de fato a chave para o idoso diminuir o risco de precisar de uma prótese, de cadeira de rodas, necessitar ser cuidado por outras pessoas e fazer uma cirurgia bariátrica. Reduz, inclusive, o número de medicamentos que a pessoa toma — lista Braga.

Hoje, o sedentarismo é considerado um problema crônico no país: 46% dos brasileiros se declaram sedentários, de acordo com uma pesquisa do Ministério do Esporte divulgada ano passado. Braga salienta que, além de ser fundamental para evitar e tratar doenças coronárias, a atividade física tem benefício comprovado para 16 tipos de câncer e para lesões musculoesqueléticas, como bursite e artrite.

— De todo os fatores de risco para o desenvolvimento de doenças, o principal é o sedentarismo. O colesterol alto é um fator de risco, mas não tem esse impacto. A hipertensão arterial, idem. Não há outro fator que faça tão mal.

Um dado importante é que, entre indivíduos que colocaram prótese no quadril — algo recorrente após quedas provocadas por desequilíbrio e falta de força —, a taxa de mortalidade um ano após a cirurgia varia de 26% a 52%. Isto é, ao fim de um ano, pelo menos um a cada quatro que colocaram a prótese morreram, segundo estudo publicado na revista “Geriatric Orthopaedic Surgery & Rehabilitation”.

Outro aspecto interessante é que a força física cai, naturalmente, 1% a cada ano. E, a partir dos 80 anos de idade, ela passa a cair 3%.

— As pessoas comemoram muito quando a pressão, a glicose e o colesterol estão no lugar, mas isso de nada serve se elas não praticam exercício — enfatiza Braga.