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Por Bruno Cassucci — São Paulo


Gravação de 1h23 de duração mostra em detalhes uma negociação de suborno para a escalação de um jogador nas categorias de base do Corinthians. Há indícios de que a prática se repetiu com outros atletas. O áudio ao qual o GloboEsporte.com teve acesso com exclusividade é de 8 de maio de 2016 e envolve três pessoas:

  • Carlos: homem que diz influenciar nas escalações da base do Corinthians. Apesar de utilizar este nome, ele é apontado como Wilson Zaponi Gomes da Silva, pai de Marcio Zanardi, ex-técnico da equipe sub-17 do clube (veja detalhes abaixo);
  • David Lopes Rodrigues: pai do jogador Felipe, então na equipe sub-17;
  • Luiz: interlocutor não identificado pela reportagem.

Na reunião, realizada no Rio de Janeiro, Carlos diz exercer influência nas comissões técnicas da base do Timão. Ele pede R$ 50 mil para que Felipe passe a ter "um pai" dentro do clube e, assim, ganhe chances de atuar. Esse dinheiro seria dividido com cinco funcionários da equipe.

– Precisa dar o dinheiro, senão não temos como prosseguir lá. Não é sacanagem o que estou falando, estou falando a verdade. Você precisa fazer uma forcinha para que as coisas caminhem direitinho, para que as coisas sejam boas. Não tem outra maneira de ser – diz Carlos enquanto é gravado.

Ouça abaixo um trecho das tratativas:

Gravação mostra negociação de suborno na base do Corinthians

Gravação mostra negociação de suborno na base do Corinthians

  • PSEUDÔNIMO?

Segundo o pai de Felipe, embora o homem que promete benefícios em troca de dinheiro se identifique como Carlos, ele seria Wilson Zaponi, pai do técnico Marcio Zanardi. O GloboEsporte.com obteve um comprovante bancário de uma transferência de R$ 20 mil da empresa de David à conta de Zaponi.

Além disso, Carlos afirma no áudio ser pai de Caio Zanardi, irmão de Marcio que também é técnico de futebol. Atualmente ele comanda a equipe B do Atlético Mineiro.

Comprovante de transferência favorecendo o pai do técnico Marcio Zanardi — Foto: Arquivo pessoal

Procurado, Wilson nega envolvimento no caso. Marcio Zanardi, demitido do Timão em outubro passado e hoje no sub-20 da Portuguesa, afirma que desconhece qualquer negociação do tipo.

Por meio de nota, o presidente do Corinthians, Roberto de Andrade, afirmou:

– Lógico que não tenho conhecimento deste tipo de prática dentro do clube. Se tivesse, teria tomado as devidas providências, pois jamais admitiria isso.

Fausto Bittar, ex-diretor do departamento de formação de atletas, também negou conhecer o esquema de suborno. Ele justificou o desligamento Zanardi em novembro de 2016 alegando que "o ciclo dele e de grande parte da comissão técnica da equipe sub-17 havia acabado e era necessário mudar."

No primeiro contato com o GloboEsporte.com, David alegou que Carlos e Wilson são a mesma pessoa. Ele disse, porém, que não gostaria de falar sobre o caso e pediu para a reportagem telefonar novamente depois. No dia seguinte, o pai de Felipe mais uma vez se negou a dar entrevista, temendo que isso prejudicasse o filho.

  • O ESQUEMA

Logo no início da gravação, Carlos resume como funcionam os negócios no futebol em que ele participa:

– Se você não der um dinheirinho, você se f...

Em diversos momentos o negociador reforça que exerce influência na comissão técnica e não na diretoria alvinegra. Segundo ele, os funcionários do clube chegam a se irritar pois apenas os dirigentes recebem dinheiro em troca de vantagens:

– A própria comissão técnica fica bronqueada porque não ganhou nada e os outros estão ganhando tudo. E eles que têm que trabalhar!

Marcio Zanardi, ex-técnico do sub-17 do Corinthians, e Wilson Zaponi, pai dele — Foto: Reprodução/Facebook

Alguns trechos da conversa indicam que David já havia dado dinheiro a outras pessoas do Corinthians para que Felipe fosse contratado. Ele se mostra arrependido, mas disposto a fazer esforços para tornar o filho um jogador profissional.

– O garoto, na idade que está, ele está cheio de esperança, de sonho – comenta.

Carlos afirma que não tem interesse em saber qual foi o montante nem a quem foi destinado. Contudo, em vários momentos da gravação o pagamento de suborno no futebol é tratado com naturalidade:

– Vai no exército, você não conhece ninguém. Se não for amigo do capitão ou do sargento, está f... Vai comer o pão que o diabo amassou. É a mesma coisa no futebol, todo mundo quer, mas poucas pessoas conseguem.

Depois de aproximadamente 30 minutos a negociação avança. David, porém, afirma que não tem os R$ 50 mil para pagar à vista. Empresário do agronegócio, ele também se mostra desconfiado, com medo de ser obrigado a pagar ainda mais como suborno para que o filho jogue. Carlos tenta tranquilizá-lo:

Eu só ando de Mercedes, você não está mexendo com vagabundo

O operador do esquema declara que já havia dado R$ 20 mil a membros da comissão técnica (não identificados) para beneficiar Felipe e reforça a necessidade do pagamento de mais R$ 30 mil. Na sequência, o prazo para pagamento do suborno passa a ser o principal entrave da negociação, que termina sem uma definição sobre o assunto.

  • CONTRATAÇÃO CONTROVERSA

Esta não é a primeira polêmica envolvendo Felipe. Ano passado ele foi pivô de escândalo que culminou com a demissão do ex-diretor da base José Onofre. Em avaliação feita por Marcio Zanardi o garoto foi considerado “sem condições de fazer parte da categoria sub-17”. De 13 conceitos levados em conta nos testes, ele foi considerado "ruim" em dez e "regular" em três. Não teve nenhum "bom" ou "ótimo" sequer. Mesmo assim, o garoto, que é lateral-direito, foi contratado quatro meses depois.

O jogador foi levado ao clube de Parque São Jorge pelo conselheiro Manoel Evangelista, conhecido como Mané da Carne. Ele confirma a indicação, nega ter exercido qualquer influência para que Felipe fosse contratado e afirma que o relatório reprovando o atleta foi forjado. Segundo Evangelista, o papel foi preenchido com data retroativa.

Apesar da repercussão negativa do caso, o jovem seguiu no Timão, embora não venha sendo aproveitado nos últimos meses. O lateral tem contrato de formação com o clube até maio de 2019, mas no momento não está registrado na Federação Paulista de Futebol. A assessoria de imprensa corintiana informou que "sua inscrição se encerrou no dia 18 de maio de 2017 - foi feito (um contrato) apenas de um ano com possibilidade de renovação".

  • O QUE ELES DIZEM

Wilson Zaponi: disse não conhecer David ou Felipe. Negou qualquer encontro ou pedido de dinheiro para influenciar nas escalações do filho. "Não tenho nada, não fiz nada, não sei de nada, nem me interessa". Quando informado que sua voz teria sido gravada, ele disse: "Isso é um problema seu, não meu".

Marcio Zanardi: afirmou que nunca sofreu pressão ou influência do pai em suas decisões à frente do Corinthians. "Ele tem a vida dele, é empresário, trabalha com loteamento, não temos nada juntos". Declarou não saber se o pai já utilizou a alcunha de Carlos, nem de eventuais negociações.

Zanardi ainda detalhou a situação de Felipe na categoria sub-17 enquanto ele era treinador:

– Quando virou o ano, eu fiz um relatório de todos os atletas e havia alguns que não tinham condições técnicas de estar no grupo. Esse relatório, que vazou, reprovava o atleta. E aí o José Onofre (ex-diretor do departamento) me chamou e perguntou da condição desse atleta. Eu falei que ele era fraco. Mas foi pedido do Fábio Barrozo (ex-gerente geral da base) para deixar o atleta na categoria pois ele era indicado pelo Mané da Carne. Então, fiz o relatório, entreguei, e depois de uma semana ele me chamou e falou: "Marcio, esse atleta vai fazer parte do grupo pois eu fiz um contrato com ele". Eu aceitei, mas avisei que jogar ele não iria.

O treinador, que desde maio está na Portuguesa, lembra que Felipe teve poucas oportunidades sob seu comando. Segundo ele, por falta de opções, relacionou o lateral em dois jogos.

David Lopes: alegando temer represálias no Corinthians, o pai de Felipe não quis se pronunciar. No primeiro contato telefônico com a reportagem do GloboEsporte.com, porém, afirmou que Carlos seria Wilson Zaponi.

Corinthians: além da declaração do presidente Roberto de Andrade, clube se manifestou por meio do atual diretor do departamento de formação de atletas, Carlos Nujud. Via assessoria de imprensa, ele disse:

– Minha gestão começou em março de 2017, quando Marcio Zanardi já não trabalhava conosco. Na atual gestão, isso jamais vai acontecer e não tenho conhecimento de que possa ter ocorrido em outras gestões.

Nujud destacou medidas implementadas para coibir atos ilícitos na base do clube, algumas delas mostradas em reportagem recente do GloboEsporte.com.

Fausto Bittar: ex-diretor da base alvinegra, responsável por demitir Marcio Zanardi, negou saber do esquema. Ele afirmou ter ouvido ilações a respeito do técnico, mas garantiu nunca ter descoberto nenhum ato ilícito:

– Sempre tem comentários, a gente ouve essas coisas, mas se tivesse encontrado, eu teria comunicado ao presidente e até mesmo outras autoridades. Minha preocupação maior era com as categorias sub-17 e sub-15, pois é quando os atletas assinam contratos de formação e profissional. Tinha aquela história de empresários e a coisa toda. Nunca identifiquei nenhuma irregularidade nos sete meses em que fiquei no cargo.

Manoel Evangelista (Mané da Carne): conselheiro confirmou a indicação de Felipe, mas negou ter feito qualquer ação para que o garoto fosse contratado ou utilizado pelo clube. Falou que desconhece qualquer negociação para que o lateral fosse escalado.

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