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Por Jorge Natan — Rio de Janeiro

Acostumados com os dias de glória de um gigante heptacampeão europeu, os torcedores do Milan vêm vivendo um período de agonia. Entre campanhas decepcionantes no Campeonato Italiano e o sumiço da Liga dos Campeões, apenas um troféu foi conquistado nos últimos sete anos: uma modesta Supercopa nacional. Mas o sonho de celebrar o título mais significativo desde o Campeonato Italiano 2010/11 pode ser concretizado nesta quarta-feira, na final da Copa da Itália, diante da Juventus, no Estádio Olímpico de Roma. E justamente sob o comando de um velho conhecido: Gennaro Gattuso.

"Rino", que conquistou nove troféus pelo clube como jogador, pode conseguir o primeiro título de sua carreira como técnico justamente na equipe onde virou ídolo. Uma conquista que seria simbólica para o rápido e consistente processo de evolução do time em menos de seis meses de trabalho do ex-volante. Visto inicialmene mais como aposta em um nome apaziguador do que alvo de total confiança da diretoria, ele conduziu uma mudança mental e também tática, sempre regida pelo espírito que acredita ser intrínseco ao clube.

Juventus e Milan se enfrentam nesta quarta às 16h (de Brasília), e o GloboEsporte.com acompanha a final em Tempo Real.

Ex-jogador está no comando do Milan desde o fim de novembro — Foto: Getty Images

O guardião do DNA rossonero

A trajetória que trouxe Gattuso de volta ao dia a dia do Milan começou de forma despretensiosa. O ex-jogador foi o escolhido, em maio do ano passado, para conduzir o Milan Primavera, equipe sub-19 que é o grande expoente das categorias de base do clube. E, na entrevista coletiva de sua apresentação, o diretor geral Marco Fassone deixou claro o objetivo ao promover o retorno do ex-jogador: "Implementar o DNA Rossonero nos jovens".

Gattuso, na mesma ocasião, abraçou o discurso e disse que sua grande missão era fazer os jogadores "entenderem o que significa vestir a camisa rubro-negra". Curiosamente, seis meses depois, quando foi promovido ao time principal diante da saída de Vincenzo Montella, não hesitou em posicionar-se novamente como o guardião do DNA rossonero - onde justamente ele se fazia mais fundamental.

"Há fotos no CT de Milanello que nos recordam que este clube tem uma grande história. Não podemos esquecer o DNA do Milan, o respeito pelas regras e a boa vontade para fazer sacrifícios".

O recado era claro. O novo técnico estava ali para tentar atender aos pedidos de uma torcida insatisfeita e tinha a seu favor o histórico de jogador visto como raçudo, daqueles que brigavam, literalmente, para que o Milan saísse vencedor. Gattuso queria uma mudança de postura e teve um sinal, logo na estreia, que a "entrega" não faltaria. Ainda desorganizado, o time só evitou uma derrota vergonhosa diante do lanterna Benevento por conta de um gol nos acréscimos.

- Gattuso ajudou o Milan de forma mental e física. Ele é um motivador acima da média, um técnico que fala muito com os jogadores, uma pessoa honesta. Talvez rude, talvez direto, mas honesto. Os jogadores gostam - avaliou Luca Bianchi, jornalista da "Gazzetta dello Sport".

Os atletas, de fato, tiveram motivos para ficarem mais satisfeitos com o ex-jogador no comando. A entrevista coletiva na qual protegeu Bonaventura de uma pergunta sobre uma possível transferência para a Premier League foi marcante - "Deixem-o em paz", disse o técnico, em tom bem humorado. O estilo mais "paizão" também ficou evidente em diversas comemorações, quando o técnico se juntou aos jogadores em roda e os levou para cumprimentar a torcida. E até mesmo deu a cara a tapa, literalmente, "para deixar os jogadores felizes".

Gattuso abraçado com os jogadores: técnico vem mostrando sintonia com o elenco — Foto: Getty Images

Mas, além da mudança de mentalidade, obviamente, a meta do trabalho de Rino era justamente evitar sufocos contra times modestos, conquistar vitórias e melhorar o desempenho de um time que ocupava a sétima colocação no Campeonato Italiano. E este era o momento de mostrar que era muito mais do que um motivador.

- É ridículo que tudo que as pessoas falem seja sobre meu comportamento. Eles não me deram minha licença de treinador, eu tive que estudar para consegui-la. Você não se prepara para os jogos apenas com desejo de lutar e vencer. É preciso conhecimento - disse o técnico quando foi apresentado.

E, nestes meses, Gattuso mostrou que cresceu nos trabalhos conduzidos à frente do Sion, da Suíça, onde atuou como jogador-treinador; no Palermo, como assistente técnico; no Creta, da Grécia, onde teve que driblar os atrasos salariais; e no Pisa, a quem ajudou a subir para a segunda divisão e caiu novamente na temporada seguinte.

Explosivo em campo, Rino também tem reações expressivas como técnico — Foto: Getty Images

Alterações e evolução

Para mudar a cara do Milan de Montella, Gattuso não fez grandes invenções, mas foi bem nas mudanças pontuais. Escolhendo um esquema de 4-3-3, logo definiu um time titular que gozava de sua confiança - em vez de buscar alterações a cada partida, como vazia seu antecessor. Sacando Abate, deu confiança a Calabria e melhorou as atuações de Bonucci, um dos reforços mais badalados da temporada. Romagnoli também melhorou seu desempenho, e o Milan passou a mostrar maior força defensiva.

Na frente, Cutrone tornou-se o homem-gol do time - superando André Silva, trazido com status de astro - e fez boa parceria com Suso, que passou a ser peça ainda mais fundamental na criação. No meio de campo, Kessie e Biglia deram segurança e equilíbrio ao time.

- Apesar de quase dois terços da temporada do Milan terem se transcorrido com Gattuso no comando, ainda não dá para dizer que a gente conseguiu ver muito do toque do treinador na parte tática. O fato de ele ser ídolo do clube e ter experiência nos bastidores do Milan (o que Montella não tinha) ajudou a dar mais tranquilidade ao grupo. Depois que ele chegou, o time também passou a ter mais confiança, até porque começou a jogar mais simples: em geral, um 4-3-3 que suporta bem as características de todos os titulares. Ele fez o feijão com arroz após a saída do Montella - opinou Nelson Oliveira, do site especializado Calciopedia.

Gattuso teve contrato renovado com o Milan até 2021 — Foto: Getty Images

Além da decisão desta quarta, Gattuso e o Milan terão mais dois jogos a disputar no Campeonato Italiano. Um título na Copa da Itália já garante a vaga na próxima Liga Europa - que também pode vir através da liga, caso o time garanta a sexta colocação, onde está no momento, com 60 pontos, um a mais que a Atalanta. Um passo pequeno perto da história europeia, mas importante para um time que vem se reconstruindo.

- A renovação com o Gattuso até 2021 é um indicativo de que este é o pensamento dominante no clube. Mesmo que o trabalho do ex-volante ainda não tenha enchido os olhos, teve seus pontos positivos. Ele merece pelo menos uma temporada inteira, com influência sobre reforços, métodos e logística de treinamentos na pré-temporada etc para poder mostrar os seus atributos. Não dá para um clube voltar a ser gigante de uma hora para outra, e um passo deve ser dado de cada vez - afirmou Nelson.

Com o contrato estendido e com a confiança da torcida que o tem como ídolo, Gattuso terá muito o que construir no Rossonero nos próximos meses. Entre as missões, está fazer os reforços renderem o esperado, aperfeiçoar as táticas e tornar o time mais consistente - sem estar sucetível a uma sequência de seis jogos sem vitória, como ocorreu no mês passado. O trunfo segue sendo o mesmo: defender o DNA vencedor do Milan acima de tudo.

"Eu não esperava nada quando cheguei. Eu só sabia que tinham me entregue uma batata quente. Eu gosto de sofrer, não gosto de coisas que são muito fáceis. Eu escolhi o Milan porque é minha casa. Eu usei esta camisa por 14 anos, é parte de mim. Trabalhar aqui é maravilhoso, e vamos ver como isso termina".

Gattuso no comando do Milan (31 jogos)

  • Aproveitamento de 58%
  • 15 vitórias
  • 9 empates
  • 7 derrotas
  • Saldo positivo de 5 gols
  • 37 gols marcados
  • 32 gols sofridos

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