Economia

Na hora de comer fora, cada um com a sua conta e não se fala mais nisso

Lei que, há quase dois anos, obriga bares e restaurantes cariocas a oferecerem comandas individuais é desrespeitada
Em boa parte de bares e restaurantes da cidade, apesar da lei, a comanda individualizada por cliente ainda não é oferecida Foto: Fabio Gonçalves/16-9-2018 / Agência O Globo
Em boa parte de bares e restaurantes da cidade, apesar da lei, a comanda individualizada por cliente ainda não é oferecida Foto: Fabio Gonçalves/16-9-2018 / Agência O Globo

RIO - Quem já não recorreu à calculadora no celular para dividir a conta do almoço com a galera do trabalho? Ou ficou no prejuízo ao fechar a dolorosa no bar porque o dinheiro deixado pelos amigos não era suficiente? Esse transtorno, que além de levar a alguns tostões a menos às vezes até abala amizades, poderia ser facilmente evitado se bares e restaurantes cariocas seguissem a lei e fornecessem comandas individuais . Em vigor desde dezembro de 2017, a lei municipal 6.237, que estabelece essa exigência, é frequentemente desrespeitada, como mostra levantamento feito em 11 estabelecimentos conhecidos de Norte a Sul da cidade.

Como um cliente qualquer, a repórter entrou em contato, por telefone, com vários restaurantes. Térèze e Aprazível, de Santa Tereza; Canastra Rosê e Irajá Gastrô, em Botafogo; Bistrô Villarino e Nova Capela, no Centro; Kimura Culinária Japonesa, na Tijuca; e Pobre Juan e Porto Frescatto, na Barra da Tijuca, informaram não trabalhar com comandas individuais. O Naga, também na Barra, afirmou oferecer comanda individual se a mesa tiver até seis clientes, e que o sistema “não suporta” mais do que isso. O Siri, na Tijuca, informou que não tem comanda individual, mas dispõe de cartão-consumo.

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Frequentadora do Aprazível, a economista Ludmila Cardoso, de 38 anos, diz que se sentiria mais à vontade com a comanda individual:

— Em aniversários, reuniões de amigos, é muito melhor a comanda individual, pois cada um fica sabendo exatamente o que consumiu, evitando que uma pessoa pague mais do que deveria. Se os restaurantes respeitassem a medida, facilitaria nossa vida.

A psicóloga Lívia Vale de Lima, de 25 anos, concorda:

— Quem nunca ficou até o fim de uma comemoração e pagou mais do que deveria, porque as pessoas foram embora e deixaram o valor que consideravam prudente, sem conferir o que consumiram? Muitos clientes podem ser lesados pelas comandas coletivas. É difícil medir o consumo de maneira fiel.

A advogada Denise Rocha, especialista em Direito do Consumidor, diz que bares e restaurantes têm que oferecer não somente a comanda individual, mas também exibir um cartaz com o aviso: “Estão disponíveis neste estabelecimento comandas individuais para o controle do consumo dos clientes, conforme legislação vigente.”

— No Rio, em caso de descumprimento, o estabelecimento infrator fica sujeito a notificação, com prazo de 30 dias para cumprir a lei; se insistir, pode ter a atividade suspensa por 90 dias e, no limite, a cassação do alvará de funcionamento.

De acordo com o também especialista em Direito do Consumidor Daniel Alves, o cartão-consumo é permitido, sendo direito do cliente consultar, a qualquer momento, o que já foi pedido:

—Condicionar a comanda individual ao número de pessoas na mesa é ilegal — diz.

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Autor da lei, o vereador Thiago K. Ribeiro (MDB) afirma que boa parte dos estabelecimentos no Rio a cumprem. Mas diz que vai tomar medidas contra as eventuais irregularidades:

— Farei um requerimento de informação à Secretaria de Vigilância Sanitária da Prefeitura para saber como está a fiscalização dos estabelecimentos e pedir a verificação dos casos mostrados pela reportagem.

Procurado, o Procon-RJ informou que fiscaliza bares e restaurantes com base em denúncias, mas que ainda não houve ação para averiguar esse tipo de problema, o que pode ser fruto do desconhecimento que os consumidores têm da lei. As queixas, orienta o órgão, podem ser registradas, via aplicativo Procon-RJ, diretamente no site site www.procononline.rj.gov. br ou ainda pelo telefone 151.

Segundo Daniel Dias, professor de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio, em São Paulo há um projeto de lei estadual, de 2017, que também garante o direito à comanda individual. Goiânia, Fortaleza e Vitória replicaram a ideia.

O que dizem restaurantes

Procurados novamente, desta vez com a identificação da equipe de reportagem, os estabelecimentos Térèze e Porto Frescatto alegaram que, ao contrário do que foi informado previamente por seus funcionários, ambos oferecem comandas individuais, se os clientes desejarem. O Bistrô Villarino afirmou que, por ser um “restaurante mais refinado, os clientes nunca pedem a cartela de consumo individual”, mas que ela está disponível, diferentemente do que havia sido informado.

O restaurante Naga negou que houvesse limite de número de clientes por mesa para o fornecimento da comanda individual e afirmou sempre perguntar se a conta será individual. O Pobre Juan não quis se manifestar.

O Canastra Rosé informou que está mudando o sistema para atender os clientes com comandas individuais. Os restaurantes Aprazível, Irajá Gastrô, Kimura e Nova Capela não responderam.