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Petrópolis: entenda por que a cidade teve chuvas históricas e devastadoras em fevereiro

Estação do Cemaden no bairro de São Sebastião registrou 548mm de chuvas. Em 15 de fevereiro, o maior nível no município foi de 260mm
Ruas de Petrópolis acumularam lama, água e escombros em mais uma chuva no município Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Ruas de Petrópolis acumularam lama, água e escombros em mais uma chuva no município Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

RIO — Toda a Região Serrana foi atingida pelas chuvas trazidas pela frente fria no domingo , mas Petrópolis, pela segunda vez em pouco mais de um mês, foi a mais castigada. O meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operações e Modelagem Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), explica que uma combinação de fatores geográficos e climáticos pode explicar a ocorrência de índices pluviométricos históricos e devastadores.

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O Cemaden alertou para a chuva forte desde a semana passada para as regiões Serrana e Metropolitana. No entanto, em Petrópolis não apenas começou a chover primeiro quanto os volumes foram muito maiores do que nas demais localidades.

Desde as 14h de domingo, a estação meteorológica do Cemaden no bairro petropolitano de São Sebastião marcou 548mm. Só não se pode dizer que é o recorde absoluto porque a estação é nova, tem um ano e seus dados não são comparáveis. Em 15 de fevereiro, o maior nível na cidade foi de 260mm.

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“Em Petrópolis, há uma combinação muito perigosa de montanhas e proximidade com o mar. Isso pode ser uma explicação para a mesma cidade e apenas uma parte dela, o Centro, ter sido tão duramente afetada duas vezes em pouco mais de um mês”

Marcelo Seluchi
Coordenador-geral de Operações e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais

O Cemaden alertou para a chuva forte desde a semana passada para as regiões Serrana e Metropolitana. No entanto, em Petrópolis não apenas começou a chover primeiro quanto os volumes foram muito maiores do que nas demais localidades.

Desde as 14h de domingo, a estação meteorológica do Cemaden no bairro petropolitano de São Sebastião marcou 548mm. Só não se pode dizer que é o recorde absoluto porque a estação é nova, tem um ano e seus dados não são comparáveis. Em 15 de fevereiro, o maior nível na cidade foi de 260mm.

Seluchi destaca que a diferença na distribuição da chuva ao longo do domingo fez com15 de fevereiro registrasse mais deslizamentos e muito mais mortos. O volume de chuva diluviano de domingo e segunda-feira se distribuiu ao longo de muitas horas. Já em 15 de fevereiro 230mm dos 260mm foram despejados em apenas três horas, literalmente dissolvendo as encostas e fazendo os rios transbordarem em 15 minutos.

— Isso aumenta e muito a ocorrência de deslizamentos, que são ainda mais letais do que a inundação e a enxurrada. Neste domingo tivemos eventos hidrológicos, mas bem menos deslizamentos — salienta Seluchi.

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As chuvas de 15 de fevereiro mataram 233 pessoas e ainda há quatro desaparecidas. Já as de ontem deixaram pelo menos cinco mortos e quatro desaparecidos.

Choveu intensamente em toda a Região Serrana, mas Teresópolis, colada a Petrópolis, não registrou nem a metade das chuvas da Cidade Imperial. A estação do Cemaden com o maior índice de Teresópolis foi a do Parnaso, com 209mm.

Combinação de frente fria, topografia e temperatura do mar

Segundo Seluchi, a chuva violenta foi causada pela combinação de frente fria, época do ano (o outono é mais instável do que o verão), topografia (montanhas) e a água do mar excepcionalmente quente. Por trágica coincidência, todos esses fatores se reuniram sobre Petrópolis.

Essa frente fria veio do mar, pelo Sul/Sudeste, e suas nuvens carregadas se chocaram com as montanhas da Serra do Mar. Deram de cara com Petrópolis. A Cidade Imperial está situada exatamente em frente à Baía de Guanabara, cujas águas chegaram a registrar a temperatura de 30 graus na semana passada.

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“É uma mistura explosiva. No Centro da cidade, vimos que as ruas ficaram inundadas antes de os rios transbordarem. As ruas viraram rios. E não é só limpar bueiro. Precisa desobstruir a rede de drenagem”

Manoel do Couto Fernandes
Coordenador de projetos do Laboratório de Cartografia da UFRJ

A frente fria tomou uma área muito maior do que a da Baía de Guanabara, mas localmente a água do mar muito quente nela pode ter feito a diferença para Petrópolis. A água quente evapora e dá mais combustível às tempestades.

Se não bastasse estar no alto da Serra do Mar (montanhas concentram precipitação) e construída entre encostas e vales estreitos, a cidade recebeu diretamente a chuva, trazida por nuvens que ganharam força no mar.

— A montanha faz toda a diferença. Em Petrópolis, há uma combinação muito perigosa de montanhas e proximidade com o mar. Isso pode ser uma explicação para a mesma cidade e apenas uma parte dela, o Centro, ter sido tão duramente afetada duas vezes em pouco mais de um mês — diz Seluchi.

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'Posição de Petrópolis a deixa vulnerável a extremos'

Mais uma vez, como em fevereiro, apenas a parte Sul da cidade foi devastada. A parte Norte, que não é voltada para o mar, recebeu bem menos chuva tanto ontem quanto em 15 de fevereiro. Ontem, as estações do Cemaden dos distritos no Norte de Petrópolis registraram chuva fraca, de 2mm a 5mm.

— A direção do vento, a temperatura altíssima do oceano, tudo isso tem impacto. Ainda não sabemos a causa precisa desse evento, mas a posição de Petrópolis a deixa muito vulnerável a extremos — diz o meteorologista.

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O geógrafo Manoel do Couto Fernandes, coordenador de projetos do Laboratório de Cartografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GeoCart/UFRJ), frisa que a cidade já estava frágil demais pelo ocorrido em 15 de fevereiro. E a isso se somou o fato de os bueiros estarem entupidos e os rios já estarem muito assoreados.

— É uma mistura explosiva. No Centro da cidade, vimos que as ruas ficaram inundadas antes de os rios transbordarem. As ruas viraram rios. E não é só limpar bueiro. Precisa desobstruir a rede de drenagem — enfatiza Fernandes.

Ele acrescenta que Petrópolis está cheia de cicatrizes abertas pelos deslizamentos de fevereiro. O solo exposto desceu com a chuva e assoreou ainda mais os rios.

— Está tudo muito vulnerável, só não foi pior porque, embora tenha chovido muito, não foi tudo concentrado em poucas horas — observa Fernandes.